Zero Hora - 28/10/2013
Estava eu posto em sossego num restaurante, em doce enlevo com umas
trufas, quando notei que me achava na alça de mira de uma deusa de idade
indefinida – aposte em qualquer escore entre os 30 e os 45 anos e você
acerta. Como ela se encontrava acompanhada de seu dono e senhor,
concentrei-me primeiro no prato e em seguida na recordação desta
despretensiosa teoria (e por que não prática?) da secada, pois é disso
que volto a tratar: há muito descobri que é inesgotável.
Sou estudioso dessa esquecida ciência há décadas. Se meu leitor é
vítima da infinita dissimulação das mulheres, algo que elas aprendem
desde o berço, sabe do que estou falando. Você desce por exemplo uma
escada rolante e, bem ao lado, só que no sentido contrário, sobe uma
daquelas perfeições que só existiam na Grécia antiga ou em filmes
franceses proibidos até 18. Ela o coloca bem no foco de seu olhar e aí
vai se distanciando, sem dó nem piedade, para o nunca mais.
Tem a dissimulada, uma criatura magnífica, que te fita como me fitou
a deusa do restaurante das trufas, mas mantêm a mão na do marido (Fred
Bongusto compôs uma esplêndida canção sobre esse secreto triângulo). Há a
que te olha intensamente, quase como numa intimação, em uma rua
movimentada, e aí percebes que ela desapareceu na entrada de uma imensa
loja, de uma galeria, de um shopping, e jamais tornará a encontrá-la.
Existe a que fala por gestos: ela não apenas te olha, mas mexe nos
cabelos e, por alguma estranha razão, toca a própria nuca, como se esta
fosse a sede e o foro de todos os seus interditos desejos. E não esqueço
a tímida, que concede não mais que um canto de sua atenção, em miradas
súbitas e logo envoltas em fingimento.
Quando eu era adolescente, havia algo que se chamava reunião
dançante. Era assim: os rapazes, com seus ternos de nycron e gravata e
suas cubas libres, ficavam de um lado da sala da qual fora retirado
previamente o tapete; as meninas se postavam na outra breve extremidade,
com seus sapatos altos, seus penteados esculpidos em laquê e seus
refris. Você jamais se atrevia a transpor aquele território de assoalho,
que brilhava graças à cera Parquetina, sem estar absolutamente convicto
de que a eleita de seu coração correspondia às suas secadas.
Eram outros tempos, em que a gente não ousava sequer tocar em certos temas ou em certas regiões da natureza humana.
Eram tempos em que, ao som de The Platters, de Sinatra ou de Perry
Como, rapazes e meninas exercitavam suavemente sobre o parquê, além da
teoria e prática da secada, o brando esporte do rosto colado, e se você
não sabe o que é isso perdeu metade de sua vida.
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