Estado de Minas: 28/10/2013
Lou Reed |
Mesmo quem não é fã de Lou Reed conhece Walk on the wild side (Passeio pelo lado selvagem, em tradução literal), música de 1972 que se tornou espécie hino de todos aqueles que preferem caminhar, como ele próprio, pelo lado alternativo. Curiosamente, a letra divertida que conta casos sobre prostitutas, michês e travestis foi a única que Reed conseguiu emplacar nas rádios dos EUA. Mas grande parte de seus discos é até hoje cultuada e ele se tornou figura lendária da história do rock. Ontem, o anúncio da morte do guitarrista, cantor e compositor, aos 71 anos, deixou de luto todos que acompanharam sua trajetória, desde a criação do The Velvet Underground, nos anos 1960, à carreira solo, a partir da década seguinte. Até o fechamento desta edição a causa da morte do artista ainda não foi revelada.
Lou Reed estava otimista e tinha muitos planos. Chegou a postar, em junho, no seu site oficial (www.loureed.com), animado com o resultado de uma cirurgia de transplante de fígado à qual foi submetido em maio, em Cleveland, Ohio (EUA), que se sentia "uma vitória da medicina, da física e da química modernas. Estou maior e mais forte do que nunca". Disse também que esperava voltar em breve a escrever canções que toquem "o espírito e os corações" dos fãs. O músico já havia cancelado uma série de shows em abril; tocaria, por exemplo, no festival Coachella (EUA) e faria apresentações na Califórnia. Recentemente, Lou Reed tinha ajudado a promover um livro de fotos de Mick Rock, fotógrafo inglês conhecido por ter clicado o próprio músico e outras lendas do meio.
Os posts mais recentes no site de Lou Reed declaravam sua "paixão" e "dedicação" ao tratamento oriental tai chi, que, durante os últimos 30 anos, haviam permitido sua recuperação. O músico sofria de uma deficiência hepática cada vez mais agressiva, que o levou a recorrer à delicada cirurgia. A notícia da morte, divulgada primeiro no site da revista norte-americana Rolling Stone e mais tarde pelo jornal inglês The Guardian, foi confirmada pelo agente do cantor.
Turma da pesada Lou Reed nasceu em 2 de março de 1942, no Brooklyn, e foi criado em Long Island. Fundou em 1964, com John Cale, o The Velvet Underground, uma das bandas mais influentes da história do rock. O disco mais conhecido do grupo alternativo é The Velvet Underground and Nico, de 1967. A capa do CD foi desenhada por ninguém menos que o artista plástico Andy Warhol, que adotou a banda e ajudou a divulgá-la.
Nos anos 1970, Reed deixou o Velvet e se lançou em carreira solo. Entre os destaques, os cultuados Transformer, de 1972, produzido por David Bowie, e Berlim, de 1973.
O músico estava casado desde 2008 com a artista plástica Laurie Anderson, que desde os anos 1970 faz performances multimídias em Nova York, no badalado espaço The Kitchen. Também cantora, tem inúmeros álbuns gravados. O álbum mais recente de Lou Reed, Lulu (2011), foi lançado em parceria com o Metallica.
No Brasil Em 2010, o cantor e compositor esteve no Brasil para apresentar shows com o Metal Machine Trio e para sessão de autógrafos de seu livro Atravessar o fogo – 310 letras de Lou Reed (Companhia das Letras), publicação que é também retrato da obra de uma das figuras mais polêmicas e influentes da música contemporânea. Sobre Reed, o lendário crítico musical americano Lester Bangs, com quem mantinha relação de amor e ódio, escreveu: “À frente do The Velvet Underground, ele trouxe dignidade, poesia e rock and roll a temas como as drogas pesadas, as anfetaminas, a homossexualidade, o sadomasoquismo, o assassinato, a misoginia, a passividade entorpecida e o suicídio".
O homem que não amou o sol
Carlos Marcelo
Sadomasoquismo, prostituição, desilusões, vícios. As letras de Lou Reed, conhecidas a partir de sua banda, The Velvet Underground, formaram nos anos 1960 o contraponto áspero para as mensagens edificantes difundidas pelos hippies. Enquanto, em San Francisco, a turma paz & amor se preocupava com as flores na cabeça, o nova-iorquino Reed cantava: “Quem ama o sol, quem se importa se ele faz crescer as plantas... Nem todo mundo ama o sol” (Who loves the Sun, do disco Loaded). O Velvet Underground não vendeu tantos discos quanto os contemporâneos Beatles e Stones. Mas quem ouviu não passou incólume pela sonoridade forte, dissonante e hipnótica da banda que desbravou o lado mais selvagem do rock. “O primeiro disco do Velvet Underground vendeu apenas 10 mil discos, mas todos que compraram formaram uma banda.” A frase, atribuída a Brian Eno, sintetiza a influência do Velvet, que atravessou décadas e sobrevive até hoje. “Aquele disco é o melhor de todos. Tão bonito, tão inspirador, tão cool”, comentou ontem, via Twitter, um dos integrantes da banda escocesa Teenage Fanclub, Norman Blake, ao saber da morte de Reed.
Só que Lou Reed foi além do underground. Nos anos 1970, experimentou certa popularidade graças a sucessos como Walk on the wild side, Satellite of love e Perfect day (redescoberta nos anos 1990 pela trilha de Trainspotting) e às interpretações de amigos como Iggy Pop e David Bowie. Não facilitou, porém: gravou discos belos e sombrios (Berlim), outros inexpugnáveis (Metal Machine Music). Neste último, ainda provocava no encarte: “Uma semana minha vale mais do que um ano seu”. A carreira, então, padeceu de certa irregularidade até 1989, quando concebeu a obra-prima New York, considerado um dos 20 melhores álbuns dos anos 1980 pela revista Rolling Stone. Cria do Brooklyn, Reed utilizou o rock para fazer o que Woody Allen realizara em filmes como Manhattan: esquadrinhou, com ternura e acidez, as esquinas e personagens da cidade-berço.
Em New York, Lou Reed também chega ao ápice em um estilo de escrever baseado na junção de descrições com frases curtas e diretas. “Sempre achei que minhas letras iam além do simples relato e faziam asserções emocionais, embora não morais”, comentou na abertura do livro Atravessar o fogo – 310 letras de Lou Reed (Companhia das Letras, 2010), sem deixar de minimizar a sua atividade: “Certas vezes, escrever significou apenas seguir o ritmo e o som e inventar palavras sem sentido algum além da sensação que transmitiam”.
Em parceria com o galês John Cale, parceiro no Velvet Underground, Reed lançou outra obra-prima, o disco Songs for Drella (1990), requiém para o artista e padrinho Andy Warhol, e ainda lançou álbuns respeitáveis como Set the twilight reeling e Ecstasy. Nos últimos anos, fez participações em músicas de bandas como The Killers, Gorillaz e Metric. Regravado por artistas tão díspares como Cowboy Junkies (Sweet Jane) e Marisa Monte (Pale blue eyes), era referência incontornável para boa parte dos músicos contemporâneos: “Ele é insubstituível”, decretou Lee Ranaldo, ex-guitarrista do Sonic Youth. “Eu te amava tanto”, revelou ontem Flea, baixista do Red Hot Chili Peppers. Quis o destino que o derradeiro disco de Lou Reed tenha sido um fracasso de crítica e de vendas, o malfadado Lulu (2011), gravado com o Metallica, um passo em falso de quem nunca temeu o risco de atravessar o fogo. E, por não ter medo de se arriscar, também alcançou momentos de rara beleza, como o disco conceitual Magic and Loss (1992), dedicado a dois amigos que padeceram de câncer, inteirinho sobre a morte. “Há em tudo um tanto de magia. E então alguma perda pra igualar as coisas.” Um dos gigantes da música norte-americana, Lou Reed sai de cena. Deixa discípulos, não herdeiros. Como possível epitáfio, fica o aviso contido na letra de What’s good: A vida é boa, mas nem um pouco justa.
Discografia
Com o The Velvet Underground
The velvet underground and Nico (1967)
White light/White heat (1968)
The velvet underground (1969)
Loaded (1970)
Live at Max's Kansas city (1972, gravado em 1970)
1969: The velvet underground live (1974, gravado em 1969)
VU (1985, gravado entre 1968-1969)
Another view (1986, gravado entre 1967-1969)
Live MCMXCIII (1993)
Peel slowly and see (boxset de 1995, gravado entre 1965-1970)
Bootleg Series volume 1: The Quine Tapes (2001, gravado ao vivo em 1969)
The very best of the velvet underground (2003, gravado entre 1966-1970)
Carreira Solo
Álbuns de estúdio
Lou Reed (1972)
Transformer (1972)
Berlin (1973)
Sally can't dance (1974)
Metal machine music (1975)
Coney island baby (1976)
Rock 'n' roll heart (1976)
Street hassle (1978)
The bells (1979)
Growing up in public (1980)
The blue mask (1982)
Legendary hearts (1983)
New sensations (1984)
Mistrial (1986)
New York (1989)
Magic and loss (1992)
Set the twilight reeling (1996)
Ecstacy (2000)
The raven (2003)
Álbuns ao vivo
Rock 'n' roll animal (1974)
Lou Reed live (1975)
Live: Take no prisoners (1978)
Live in Italy (1984)
Live in concert (1997)
Perfect night: Live in London (1998)
American poet (2001)
Animal serenade (2004)
Colaborações
Songs for Drella, com John Cale (1990)
Le Bataclan '72, com John Cale e Nico (2004)
Tranquilize, com The Killers (2007)
Some kind of nature, com Gorillaz (2010)
Lulu, com Metallica (2011)
The wanderlust, com Metric (2012)
Criação transgressora
Carolina Braga
Fãs da nova geração fizeram questão de mostrar o quanto foram influenciados por Lou Reed, publicando vídeos de suas músicas prediletas nos perfis pessoais. Guitarrista da banda mineira Dead Lover’s Twisted Heart, Guto Borges homenageou o músico com o vídeo de Venus in furs, composição de Reed lançada no álbum The Velvet Underground & Nico, o primeiro da banda. O álbum produzido por Andy Warhol, em princípio, não teve repercussão comercial, mas hoje é comparado a discos antológicos como Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band, dos Beatles, ou Blonde On Blonde, do Bob Dylan. “Acho que é uma grande perda. Foi um cara importante de vanguarda. Fiquei triste porque acompanhava a carreira dele desde a época do The Velvet Underground”, lamentou Lô Borges.
“O Dead Lover’s é um grupo que surgiu extremamente influenciado pelo The Velvet Underground. Um tanto pelo gesto marcante, que está junto das artes plásticas. Lou Reed tem uma poética e é uma persona artística extremamente influente”, comentou Guto, do Dead Lover’s. Para ele, o guitarrista teve a habilidade de unir universos distintos e apontar um novo caminho para a música. “É uma criação intuitiva, ousada, transgressora. É um alimento fundamental a partir dos anos 1960 e 1970 para qualquer um que está pretendendo fazer essa distorção.”
Luiz Gabriel Lopes, guitarrista do Graveola e o Lixo Polifônico e outras bandas, disse que passou a acompanhar a carreira de Lou influenciado pelo pai. “Curto muito algumas fases dele. Walk on the wild side é um clássico eterno da músic a pop mundial. Não conheço o trabalho inteiro. Transformer e Berlin, são discos muito legais e que eu ouvi bastante. Lou Reed é um cara que de certa forma encarnou o espírito beatnick na música. Estava conectado na atmosfera da contracultura e mesmo assim se tornou um astro nos Estados Unidos”, destacou. Para Luiz Gabriel Lopes, além das qualidades artísticas, Lou Reed também deixa seu estilo pessoal marcado. “Sempre gostei daquele estilo meio resmungão”.
Repercussão nas redes
O anúncio da morte do cantor, guitarrista e compositor Lou Reed provocou uma comoção nas redes sociais mundo afora. Fãs famosos de várias gerações e tendências demonstraram a admiração pelo ídolo em suas páginas oficiais no Twitter e no Facebook. A banda americana Weezer postou que o The Velvet Underground foi sua grande influência, quando da formação do grupo. Já os britânicos do The Who deixaram registrada a mensagem: “Descanse em paz, Lou Reed. Walk on the peaceful side (Ande pelo lado da paz, referência à música Walk on the wild side).”
A jovem cantora, atriz e compositora americana Miley Cyrus foi mais intensa em sua página. “Nãããããããããão, nããããão Lou Reed”. A também cantora americana Amanda Palmer declarou: “Eu vi isso no telefone em um táxi e só queria que fosse mentira. Lou Reed não pode morrer”. Outro jovem cantor americano que se entristeceu com a notícia foi Josh Groban. Para ele, hoje é um dia triste para a música. “Descanse em paz, Lou.” O músico britânico Billy Idol postou no Twitter a mensagem. “R.I.P. Lou Reed e obrigado pelo The Velvet. Você foi minha inspiração na década de 1970, sem você lá não haveria o punk rock”, escreveu o cantor de Dancing with myself.
O ator e roteirista americano John Cusack, deixou sua mensagem. “Lou Reed, descanse em paz – sempre me inspirei nele – péssima notícia – só o conhecia por meio de sua arte – era um poeta único.” Outro ator que sentiu a morte do guitarrista foi Elijah Wood, em sua página no Twitter. “Que você caminhe sempre pelo lado selvagem, Lou Reed. Terrivelmente triste de ouvir que você se foi”, escreveu.
Nenhum comentário:
Postar um comentário