Zero Hora - 28/10/2013
O melhor livro sobre a velhice é de Cícero. Aliás, o título é este
mesmo: A Velhice (De Senectute). Escreveu-o há dois mil anos, e, se
resiste ao tempo, é porque ainda diz algo às pessoas. Esse prestígio
decorre da naturalidade e da simplicidade de seus argumentos, que
radicam nas experiências do autor quando confrontado com seu próprio
envelhecimento. Para entendê-lo, temos de considerar a época em que foi
escrito. Não havia nada do que nos cerca, nem cabe enumerar as criações
na área da ciência e da tecnologia que transformaram o mundo num espaço
de conforto – para os que dele podem desfrutar, evidentemente.
Imaginemos um mundo sem comunicações instantâneas, e um mundo em que
a doença, qualquer doença, era a antessala da morte. Um mundo, também,
em que pessoas de 40 anos podiam considerar-se felizes por terem chegado
a essa idade. Fazia sentido falar em velhice num momento em que hoje a
pessoa está no máximo de sua capacidade.
Cícero utiliza um método retórico atraente: formula argumentos
contra a velhice e os responde. Em geral, são as queixas habituais dos
velhos (nisso não mudamos nada). Os velhos, diz ele, queixam-se da perda
da memória – certo, diz Cícero, mas até hoje eu não soube de algum
velho que se tenha esquecido de onde enterrou o seu tesouro (sim, não
havia bancos). Sem o querer, Cícero vem apoiar os estudos atuais sobre o
fenômeno: as questões relevantes permanecem na memória, a qual sabe
livrar-se do supérfluo.
Que o diga o nosso Dr. Ivan Izquierdo, um dos melhores cérebros do
nosso país. Mas Cícero apresenta outra queixa dos velhos: a da perda da
capacidade que ele tinha nos tempos da juventude. Claro, diz Cícero, há
perdas, sim, mas ninguém espera que um velho faça coisas que fazia
quando jovem, não é mesmo? O autor romano faz outras considerações
importantes, e destas a mais valiosa é: devemos aprender a ser velhos
logo, para que desfrutemos por mais tempo da velhice. Essas palavras
podem soar estranhas para os dias de hoje, de franca invisibilidade do
velho na vida social, exceto pelas filas de atendimento expresso, ou
pela precedência na hora de embarque num avião.
Talvez nosso mundo ainda não saiba bem o que fazer com os velhos, e
confere-lhes algumas vantagens simbólicas, que são úteis enquanto não
acontece a plena integração. Mas chegaremos lá.
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