sábado, 26 de outubro de 2013

MINEIROS DE OURO » Gentileza pura

Menina de 9 anos assume a tarefa de encher 80 garrafas PET com lacres de latinhas e trocá-lOs por cadeira de rodas para ser doada a uma creche que atende crianças com paralisia cerebral



Arnaldo Viana


Estado de Minas: 26/10/2013 



Carta enviada à família pela creche comoveu Júlia e a levou a buscar uma forma de participar e ajudar (Fotos: Ramon Lisboa/EM/D.A Press)
Carta enviada à família pela creche comoveu Júlia e a levou a buscar uma forma de participar e ajudar
  Um, dois, três, 40, 50, 999… Embora seja apaixonada por matemática, a mineira de Belo Horizonte Júlia Fernandes Rodrigues Macedo, de 9 anos, ainda não conseguiu fechar a conta do lacres de latinhas de refrigerante e cerveja que já enchem mais de 70 garrafas PET com capacidade para dois litros. Ela precisa de 80 garrafas cheias para trocar por uma cadeiras de rodas, que será doada à Creche Tia Dolores, instituição com sede no Bairro Saudade, Região Leste da capital, que acolhe crianças carentes com paralisia cerebral. “É apenas uma gentileza”, diz a menina, de poucas palavras e de sorriso iluminado.

O que despertou o ato solidário em Júlia? Simples: gentileza atrai gentileza. Os pais, Nelson Flaviano de Macedo e Ivete Rodrigues de Macedo, pequenos empresários, fizeram uma doação em dinheiro à creche. O agradecimento chegou à família em carta. Não uma correspondência comum, mas impressa em bonequinhos de papel. Aqueles, que, recortados, ficam de mãos dadas. Com certeza, arte feita pelas próprias crianças da instituição. Uma maneira de estimular a atividade cerebral.

A menina ficou encantada e quis retribuir, mas como? Pesquisa na internet a levou ao site do Rotary Club de Blumenau (SC), parceiro da promoção de uma empresa para a doação de cadeiras de rodas. Os lacres são derretidos para fabricação das rodas das cadeiras doadas. Duas ações em uma só: reciclagem e benevolência.

Júlia não perdeu tempo. Nem sequer parou para pensar o trabalho que daria encher as 80 garrafas de plástico com os pequenos lacres. “Depois de 25 dias, não havíamos chegado nem à metade da PET. Eu dizia que a garrafa estava quase vazia”, conta Nelson. Mas a Julia, com os olhos cheios de brilho, respondeu: “Não, pai. É diferente, a garrafa está quase cheia”. O empresário, então, se encheu de coragem para ajudar a menina a levar o projeto adiante.

Júlia é aluna do 3º ano do ensino fundamental da unidade Coração Eucarístico do Colégio Santa Maria. Sua decisão contagiou colegas, professores, diretora e até os funcionários da cantina. E a coleta de lacres aumentou consideravelmente. “Nas festas da escola, como a junina, é grande a arrecadação”, diz a mãe, Ivete. Até o último fim de semana, menos de quatro meses depois, faltavam apenas seis garrafas cheias para completar o lote. São pelo menos 550 lacres em cada recipiente. A menina guarda o material na sede da empresa do pai, no Bairro Glória, na Região Oeste.


Júlia precisa de 80 garrafas cheias para trocar por uma cadeira de rodas, que será doada à Creche Tia Dolores (Ramon Lisboa/EM/D.A Press)
Júlia precisa de 80 garrafas cheias para trocar por uma cadeira de rodas, que será doada à Creche Tia Dolores
  Também com ajuda dos pais, ela produziu um folder, ilustrado, com este texto: “Venha fazer o bem. Vamos juntos recolher o maior número possível de lacres de latinhas para trocar por cadeiras de rodas. A cada 80 garrafas PET de dois litros cheias, conseguimos uma cadeira de rodas. Entre nessa corrente. Faça sua parte. Não custa nada e ainda faz bem”. Não precisava tanto, porque a simples ação foi o suficiente para conseguir apoio de colegas e mestres.

MULTIPLICAÇÃO Júlia é uma criança como a maioria. Tímida, gosta de brincar – tem preferência por pular corda – e promete ser professora de matemática. Pratica esportes na escola e se dedica também ao aprendizado de inglês. A diferença é que nela despertou cedo o espírito solidário e surpreende por tê-lo multiplicado no colégio. “Incrível como a ação dela mexeu com os colegas, a escola. Agora, todos estão envolvidos”, diz Nelson, com os olhos carregados de orgulho da garota. Júlia não vê a hora de pegar a cadeira de rodas e levá-la à Creche Tia Dolores. “Meu coração vai ficar muito feliz”, acredita a menina.

É bom contar que a gentileza não brotou no coração de Júlia por acaso. Todos os anos, perto do Natal, os pais presenteiam crianças de outra creche. E a menina os ajuda com os embrulhos. E faz mais: “Pego os brinquedos que já não uso e roupas para dar às crianças mais pobres.” E tem mais o que aprender em família. A mãe é defensora da reciclagem e lamenta a ausência de coleta seletiva em todas as regiões da cidade. Júlia não sabe ainda, mas descobriu na força de uma palavra que pode mudar, e muito, os rumos do homem: gentileza.

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