sábado, 26 de outubro de 2013

Os construtores da cidade real - Denise Morado‏

Denise Morado

Estado de Minas: 26/10/2013 



Marco na vida de Belo Horizonte, o Mercado Central guarda a memória dos homens e mulheres que fizeram sua história (Alexandre Guzanche/EM/D.A Press)
Marco na vida de Belo Horizonte, o Mercado Central guarda a memória dos homens e mulheres que fizeram sua história

Em tempos de grandes obras em todas as esquinas de Belo Horizonte, hoje comprometida com o seu caráter de cidade metropolitana globalizável, o livro Olimpio Marteleto: histórias de vida e de trabalho no Mercado Central de Belo Horizonte apresenta aos mineiros, para não dizer brasileiros, a conversão do olhar rumo a outros valores de empreendedorismo, nesse caso calcados pela vida cotidiana dos trabalhadores do Mercado Central em prol da formação do comércio e do crescimento da cidade de Belo Horizonte.

Por meio das histórias e das memórias que cercam a existência do Mercado Central, nacionalmente reconhecido pela articulação entre tradição e modernidade, revela-se a capacidade de sobrevivência e da luta de seus funcionários em busca de uma conquista comum – manter o mercado como propriedade dos trabalhadores. Considerado um dos primeiros exemplos de privatização bem-sucedida no país, o Mercado Central construiu-se como ponto de encontro e sociabilidade dos mineiros a partir da história de seus comerciantes, entre eles os descendentes de imigrantes, em especial, de seu presidente, o italiano-mineiro Olimpio Marteleto.

Reconhecido por sua firmeza, amizade, lealdade e ética no trato das relações humanas imbricadas nas relações comerciais, Olimpio Marteleto distingue-se por sua trajetória multifacetada iniciada como caixeiro do armazém Primeiro de Março, em 1932, depois proprietário do Armazém Aymoré, em 1944, e finalmente presidente do Mercado Central, entre 1967 e 2007. Suas qualidades e habilidades próprias de um comerciante visionário, inserido em um ambiente competitivo, mas, também, familiar, permitiram a transformação do Mercado Central em um empreendimento comercial moderno, ainda que carregado de contradições e idiossincrasias emergidas ao longo do desenvolvimento da cidade.

Publicado pelo Escritório de Histórias, o livro Olimpio Marteleto: histórias de vida e de trabalho no Mercado Central de Belo Horizonte é organizado por sua filha, professora Regina Maria Marteleto, e pelo professor Gustavo Silva Saldanha. Por meio das narrativas recontadas por amigos, comerciantes do mercado, filhos e familiares, e das informações presentes em homenagens, recortes de jornais, entrevistas e documentos, os leitores são levados a conhecer a transformação histórica de Belo Horizonte por meio do caminho percorrido pelo homem e empreendedor Olimpio Marteleto.

Migrante da cidade de Antônio Carlos, Olimpio Marteleto desvela em suas recordações, 92 anos de vida marcados por trabalho, honestidade, humildade e oportunidade, historicamente traduzidos em mineiridade, convívio, cooperativismo e solidariedade. Seus passos como comerciante confundem-se com a historicidade familiar. Perpassando as narrativas, o leitor conhece a personalidade forte de Olimpio, como comerciante e empreendedor, mas, também, como chefe de família, desde os primeiros tempos em Belo Horizonte, quando, aos poucos, incentivou os irmãos a migrarem e a erguerem o Armazém Aymoré, em especial o irmão Olinto, até quando encontra sua alegre e generosa esposa, Alaíde, e cria seus filhos, Márcia, Carlos, além da própria autora Regina.

Igualmente importante é a história da arquitetura do Mercado Central, contada desde as barracas de madeiras cobertas de folhas de zinco, passando pelo arremate do terreno do então chamado Mercado Municipal, em plena ditadura militar, até as ações modernizadoras efetivadas em razão do advento da internet e da crise econômica e política própria do final do século 20. A transformação arquitetônica do mercado, vivenciada ao longo dos anos, em nada compromete a mais legítima apropriação desse espaço pelos mineiros. Ao contrário, graças ao empreendedorismo coletivo realizado, o Mercado Central firma-se, ainda hoje, como símbolo de descontração, convívio e cultura, imerso em artes, gastronomia, cores e cheiros.


Não é possível ver o mercado sem ver o Olimpio e não se consegue ver o Olimpio sem ver o mercado, como bem lembra em seu prefácio o cardeal dom Serafim Fernandes de Araújo. Tantas histórias do Mercado Central contadas por tantas vozes ao redor de Olimpio Marteleto merecem ser conhecidas para quem quer ampliar a sua própria história.

Denise Morado é professora da Escola de Arquitetura da UFMG.

 (Mercado de Histórias/Reprodução)

Olimpio Marteleto: histórias de vida e de trabalho no Mercado Central de Belo Horizonte
>> Organizado por Regina Maria Marteleto e Gustavo Silva Saldanha
>> Editora Escritório de Histórias
>> 322 páginas

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