Fernando Filgueiras
Estado de Minas: 26/10/2013
A defesa da liberdade de imprensa não pode prescindir do debate mais amplo sobre a garantia de expressão de todas as vozes sociais |
A ideia de transparência entrou para o léxico da política democrática muito recentemente. Atribui-se ao juiz da Suprema Corte norte-americana Louis Brandeis a definição da importância da transparência, quando ele disse que “sunlight is the best desinfectant”. Naquele contexto, em 1913, o magistrado Brandeis julgava o processo de concessão pública do sistema de metrô de Boston e também as falcatruas cometidas por empresas de seguro nos Estados Unidos.
De fato, a transparência pode ser um ótimo desinfetante. E no contexto do combate à corrupção, ela é essencial. No caso brasileiro, em particular, a sensação de que a corrupção aumentou pode ser atribuída ao maior volume de informação disponível aos cidadãos em relação às falcatruas cometidas por políticos e burocratas. Pura intuição. Não é possível dizer que a corrupção no Brasil hoje é maior do que 10 anos atrás, mas é possível afirmar que a corrupção se tornou um problema central para a democracia brasileira. A transparência, nesse contexto, é um dos principais problemas que afeta a qualidade da democracia.
As democracias, em geral, e a brasileira, em particular, têm proporcionado inovações institucionais importantes. Uma das principais, e pouco debatida, é a iniciativa de criação de marcos regulatórios para o acesso à informação por parte de cidadãos junto aos órgãos governamentais. As leis de acesso à informação têm assumido um papel central na consolidação de inovações institucionais importantes da democracia. A primeira lei de acesso à informação é de 1766, na Suécia. A lei sueca não foi um modelo, mas representou um marco que, do ponto de vista histórico, combina com o contexto de revoluções democráticas. As leis de acesso à informação só ganharam real importância a partir da globalização. Desde então, experiências com marcos regulatórios para o acesso à informação de governos por parte dos cidadãos têm representado avanços consideráveis no processo de consolidação da democracia. Com diferenças entre os marcos regulatórios, havendo uns mais abertos à participação, outros mais restritivos, é de se destacar que a disponibilidade de informação hoje é muito maior. A maior disponibilidade de informação empodera o cidadão comum e o permite formular melhor os seus juízos a respeito da representação política.
No caso brasileiro, considera-se que a Lei 12.527 – Lei de Acesso à Informação Pública é inovadora ao estabelecer que a informação pública deve estar disponível e que o sigilo é exceção e a publicidade é a regra. De fato, assim tem sido no caso brasileiro. Certamente, a Lei de Acesso à Informação coroa uma política pública de transparência, a qual vem sendo implementada pelo governo brasileiro. Mas ela precisa de algumas ponderações. Nascida de forte lobby das instituições de controle, a lei carece ainda de dois problemas de implementação. O primeiro é o fato de que ela revelou o descaso dos governos com o tratamento da informação. Descobriu-se que a maior parte das informações relevantes fica guardada em computadores de uso pessoal de servidores públicos. Nesse caso, em se tratando de servidores da linha de frente, é quase impossível saber onde se encontra a informação requerida pelo cidadão. O outro problema é que a lei não estabeleceu condições seguras para uma política de dados abertos das informações governamentais. Uma política de dados abertos é essencial para levar a cabo a possibilidade de que as informações estejam disponíveis em estado bruto, sem a necessária manipulação dos dados por parte de políticos ou burocratas.
Política
Apesar disso, a política de transparência do governo brasileiro tem sido bem-sucedida. Mas no caso da corrupção, uma política pública de transparência colabora, mas não resolve em sua totalidade o problema. Maior volume de informação disponível ao cidadão não é uma condição suficiente para reduzir a corrupção existente. Em primeiro lugar, porque a maior disponibilidade de informação sobre a atuação de governos não necessariamente permite chegar àqueles que atuam e lucram diretamente com a corrupção governamental. Ou seja, não se chega aos corruptores, como o caso de empreiteiras que vivem à custa dos vícios dos processos de licitações, de madeireiras que vivem à custa de licenças ambientais forjadas, de empresas que dependem do tráfico de pessoas etc. Além disso, a maior transparência não resulta em maior publicidade dos assuntos governamentais se a sociedade civil não utilizar da informação disponível para solicitar providências dos governos.
Deposita-se muita esperança na Lei de Acesso à Informação no Brasil. Não é para menos. De fato, ela será uma ferramenta importante para o enfrentamento da corrupção. Mas é preciso pensar duas ordens de questões. Em primeiro lugar, é necessário fazermos com que as instituições resistam à sua própria corrupção. Aí o problema não é o escândalo praticado por indivíduos ou falcatruas para enriquecer esse ou aquele. O problema é bem mais complexo, que envolve pensar como podemos impedir que as instituições resistam à sua corrupção interna.
Uma política de transparência, nesse caso, é uma resposta parcial, ainda que importante. O essencial é constituirmos um sentido mais denso da ideia de publicidade, a qual passa tanto pelo fortalecimento das instituições e do controle público quanto pelo empoderamento do cidadão e da sociedade civil. Ou seja, no caso brasileiro, demos já os primeiros passos, mas a caminhada ainda é longa. E essa caminhada demanda, além de perseverança, confiarmos que a democracia é a melhor alternativa.
. Fernando Filgueiras é professor do Departamento de Ciência Política da UFMG. E-mail: fernandofilgueiras@hotmail.com
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