terça-feira, 15 de outubro de 2013

O reequilíbrio das dívidas com a União - Eduardo Paes e Fernando Haddad

O Globo - 15/10/2013

Está em discussão neste momento, no Congresso Nacional, o Projeto de Lei 238, que reequilibra os termos contratuais das dívidas entre a União e os estados e os municípios brasileiros, sem ferir a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Na década de 1990, o governo federal assumiu e refinanciou as dívidas dos entes federativos. Em contrapartida, celebrou contratos com os entes da Federação, refinanciando o saldo dessas dívidas em 360 meses, com encargos de 6% a 9% ao ano, acrescidos de atualização monetária pelo IGP-DI.

À época, tais encargos eram inferiores às taxas com que a própria União se financiava e essa diferença era intencional, como forma de colaborar para o saneamento fiscal de estados e municípios. Isso pode ser comprovado pela própria mensagem presidencial 154, de 3 de agosto de 2000, que acompanhou o projeto: "Como a taxa de juros paga sobre a dívida renegociada é menor que o custo de captação da União, existe um subsídio..."

Entretanto, com a redução significativa dos juros reais no país e do custo de captação da União, acabou ocorrendo uma inversão desse cenário, que se transformou num diferencial de taxas favorável à União. Enquanto a taxa Selic acumulada entre julho de 1999 e dezembro de 2012 foi de 649%, os encargos acumulados aplicados na cidade do Rio de Janeiro foram de 940%. Outra evidência da distorção do espírito do contrato é que a penalização contratual por eventual inadimplência é a substituição do encargo pela Selic mais i% ao ano. Ou seja, nos termos atuais, São Paulo paga aproximadamente 16% ao ano de encargos (IGP-DI + 9% de juros). Mas, se ficasse inadimplente, o contrato mudaria para aproximadamente 10%.

O PL 238 permite a readequação dos saldos devedores dos entes que tiveram encargos acumulados superiores ao custo básico de captação de recursos da União (Selic) e muda os encargos futuros para IPCA mais juros reais de 4%, limitado ao teto da Selic.

É importante frisar que não estão sendo concedidos novos benefícios a estados e municípios, e sim, apenas, readequando-os para que ao menos não sejam instrumentos de geração de lucro por parte da União. No caso do município de São Paulo, nos termos atuais, a cidade continuará sem capacidade de investimento pelos próximos 20 anos (hoje, a parcela devida anualmente da dívida é mais que o dobro dos investimentos feitos) e, mesmo assim, não conseguirá pagar sua dívida até o fim do contrato em 2030.

A recomposição das condições originais não é favor, refinanciamento, anistia ou remissão. E não conflita, portanto, com o princípio expresso no artigo 35 da LRF, que veda refinanciamentos a entes da Federação. Não se pode homenagear a forma em detrimento do conteúdo. Não se está alterando a substância dos contratos.

Por último, vale a pena mencionar que não existe risco de descontrole em decorrência desta proposta. Estados e municípios continuarão proibidos de emitir valores mobiliários e os montantes de empréstimos permanecerão subordinados a Programas de Acompanhamento Fiscal rígidos.


Em resumo: a aprovação desse projeto de lei permitirá o reequilíbrio de contratos que há tempos destoam dos objetivos que nortearam sua celebração, readequando-os ao objetivo primordial da Lei de Responsabilidade Fiscal, buscando sanear no longo prazo as finanças e aumentando a capacidade de investimento dos entes que estão mais próximos das demandas cotidianas da população brasileira.

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