terça-feira, 15 de outubro de 2013

Os ciclos da pele - Vilhena Soares

Ao analisar células-tronco epiteliais, espanhois descobrem que elas se regeneram à noite e se protegem de agentes externos durante o dia, mecanismo que pode ajudar em terapias mais eficazes contra o câncer e o envelhecimento


Vilhena Soares

Estado de Minas: 15/10/2013 


A exposição ao sol é um dos fatores externos de envelhecimento da pele  (Breno Fortes/CB/D.A Press - 19/6/11)
A exposição ao sol é um dos fatores externos de envelhecimento da pele
A pele segue um relógio biológico que regula quando ela deve “trabalhar” e em qual momento deve se proteger. É o que descobriram pesquisadores da Espanha. Os cientistas realizaram um experimento com células-tronco da pele de ratos e de humanos e perceberam que, em ambos os casos, essas estruturas fazem a regeneração do tecido epitelial à noite e encerram as atividades durante o dia para evitar os efeitos prejudiciais dos raios ultravioleta (UV). Os pesquisadores acreditam que, ao desvendar por inteiro o funcionamento dessas células, novos tratamentos que visam {a proteção da pele, contra o câncer e o envelhecimento, por exemplo, podem surgir.

 O trabalho, publicado sexta-feira na revista americana Cell Stem Cell, é fruto dos experimentos conduzidos por pesquisadores do Centro de Regulação Genômica de Barcelona. Salvador Aznar Benitah, professor do centro e um dos cientistas envolvidos no projeto, defende a importância da descoberta. “Isso é significante porque podemos observar que os tecidos precisam de um relógio interno para se manterem saudáveis”, justificou, em um comunicado à imprensa.

Na primeira etapa da pesquisa, os cientistas observaram o funcionamento das células-tronco da pele de ratos. Usando marcadores, notaram que, durante a noite, ocorria a duplicação do DNA dessas estruturas por meio da divisão celular. Esse processo resulta na substituição da pele velha por nova. Os pesquisadores desconfiaram que o mesmo sistema poderia ser detectado em humanos e conseguiram, também em laboratório, comprovar a suspeita. “Nosso estudo mostra que as células-tronco humanas de pele, assim como a dos ratos, têm um relógio interno que lhes permite saber com muita precisão a hora do dia e isso as ajuda a saber qual é o melhor momento para executar a função correta”, relatou Benitah.

Desajustes Para o professor Alfredo Miranda Goes, do Departamento de Bioquímica e Imunologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o trabalho tem um potencial promissor no combate a problemas na pele, mas é preciso um maior detalhamento desse calendário de atividades celular. “Ao manipular essas células, eles conseguiram provar que, no ciclo de 24 horas, elas trabalham à noite e se resguardam durante o dia, mas eles mostraram também que esse ciclo sofre leves arritmias, pequenas interrupções de funcionamento, o que dificulta ditar um nível fixo”, detalha.

Segundo Goes, o estudo espanhol mostra que existe uma homeostasia na pele, um conjunto de fenômenos de autorregulação em busca da integridade da função fisiológica. O fenômeno pode servir de base para monitorar como devemos lidar com o tecido epitelial. “Com essas informações, é possível contribuir para o tratamento do envelhecimento da pele, das formações de tumor, além de criar estratégias de proteção”, diz, lembrando, em seguida, a recomendação já consolidada de que os raios solares da manhã são mais benéficos que os da tarde.

Dermatologista e coordenador do Departamento de Biologia Celular, Imunologia, Genética e Medicina Regenerativa da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), Marco Andrey Cipriani Frade avalia que o estudo ajuda a enriquecer investigações na mesma área. Mas o especialista não acredita que o estudo deverá contribuir para outras estratégias além das já usadas atualmente para “defender” a pele.


“A comprovação desses efeitos em células-tronco humanas apenas esclareceram os mecanismos de proteção e diferenciação dos queratinócitos (células da pele que produzem queratina) frente aos estímulos do ambiente. No entanto, o retardamento do envelhecimento e a prevenção do câncer cutâneo continuam relacionados às ações preventivas já bem estabelecidas na literatura, como evitar o tabagismo e o sedentarismo, e a proteção solar precoce”, detalha.

Maior incidência
O câncer de pele é o mais frequente no Brasil. Corresponde a 25% de todos os tumores malignos registrados, segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca). O melanoma cutâneo tem origem nas células produtoras de melanina, os melanócitos, e é mais comum em adultos brancos. No ano passado, foram diagnosticados 6.230 casos da doença. Mais frequente, o câncer de pele não melanoma tem baixa mortalidade e tumores de diferentes linhagens. O carcinoma basocelular, responsável por 70% dos diagnósticos, começa com uma lesão (ferida ou nódulo) e evolui lentamente. Já o carcinoma epidermoide, que representa 25% dos casos, também surge por meio de uma ferida, mas progride com velocidade e vem acompanhado de secreção e coceira. Ao todo, foram diagnosticado 134.170 casos de câncer de pele não melanoma no ano passado no Brasil.


"O retardamento do envelhecimento e a prevenção do câncer cutâneo continuam relacionados às ações preventivas já bem estabelecidas na literatura, como evitar o tabagismo e o sedentarismo
"
Marco Andrey Cipriani Frade,
dermatologista


Saiba mais
Ações externas e naturais
O envelhecimento da pele é provocado pela passagem natural do tempo ou por fatores ambientais, como a exposição ao sol, tabagismo e falta de exercícios físicos. No primeiro caso, a pele acompanha o processo ocorrido em outros órgãos do corpo humano. Ao longo dos anos, as células têm a capacidade de renovação reduzida e cai a produção das fibras de colágeno e elastina, que dão firmeza e tonicidade. A pele, então, perde elasticidade e fica mais fina e flácida. As glândulas sudoríparas também têm a atividade reduzida, o que torna a pele mais seca, e há uma redução da microcirculação sanguínea, causando mudanças na vitalidade e na luminosidade.No caso do envelhecimento provocado por fatores externos, o efeito sobre o tecido epitelial é cumulativo e potencializa, principalmente, o surgimento de rugas e manchas. As rugas de expressão ficam mais evidentes devido ao envelhecimento natural da pele. Diariamente, uma pessoa faz em média 1.500 contrações faciais, que marcam a epiderme na forma de linhas finas. 
Fonte: Sociedade Brasileira de Cirurgia Dermatológica 

15%
do peso corporal é constituído pela pele, o maior órgão do corpo humano


Curando queimaduras

Vilhena Soares

Outro estudo divulgado na semana passada sugere o uso de células-tronco para intervenções na pele. Cientistas da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, usaram essa estrutura para potencializar a recuperação de queimaduras. Os experimentos ainda não foram feitos com humanos, mas apresentaram resultados promissores em ratos.

A ação de uma proteína chamada hypoxia 1 (HIF-1 ), responsável pela liberação de células-tronco, explica o benefício. Por meio de terapia gênica, os cientistas manipularam e potencializaram a função da HIF-1 em camundongos idosos. “Mudamos o sistema dela para alcançarmos melhor cicatrização de queimaduras”, explica John Harmon, um dos pesquisadores do estudo e professor do Departamento de Cirurgia da faculdade americana. “Os animais que receberam a terapia de combinação mostraram um melhor fluxo de sangue nos vasos sanguíneos que chegavam às feridas.”

Harmon explica que a pesquisa terá continuidade e que a intenção é usar a terapia em diferentes tipos de ferimento. “O nosso tratamento é especialmente projetado para melhorar a cicatrização em idosos. Trabalhamos nesses experimentos com o foco em queimaduras, mas esperamos que essa estratégia possa funcionar para muitos tipos de feridas, incluindo as úlceras do pé, que são um grande problema para as pessoas com diabetes.”

Para Marco Andrey Frade, estudos que buscam o tratamento de feridas podem trazer bastantes avanços em tratamentos dermatológicos, apesar de ainda serem incipientes na ciência.

“Cabe destacar os trabalhos envolvendo cicatrização de feridas cutâneas. Na cirurgia plástica, por exemplo, há estudos que utilizam células-tronco derivadas de células adiposas para melhorar a recuperação em lipoenxertia (enxerto de gordura) e reconstrução de mama. Os resultados, no entanto, ainda são bastante preliminares e têm caráter de investigação”, complementa. 

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