Correio Braziliense - 16/10/2013
Mais de 20 pessoas já foram ouvidas. Em depoimento, servidores
do Legislativo negam terem assinado ficha de apoio apresentada à
Justiça Eleitoral pelo Solidariedade. Muitos se surpreenderam com a
semelhança entre suas firmas originais e as falsificadas.
A Polícia Federal (PF) avançou na investigação sobre os indícios de
fraude na coleta de assinaturas para criar o partido Solidariedade
(SDD), chancelado no mês passado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Em Brasília, mais de 20 pessoas já foram ouvidas pelo delegado Manoel
Vieira da Paz. Grande parte desse grupo é formada por funcionários do
Poder Legislativo federal. Os servidores informaram, em depoimento, que
não assinaram nenhuma ficha de apoio à nova legenda e ficaram
impressionados com a semelhança entre as próprias firmas e as que
constam nos documentos.
Um grupo menor de testemunhas ouvidas pela PF afirmou não lembrar se
havia assinado fichas do partido fundado pelo deputado federal Paulo
Pereira da Silva (SDD-SP), o Paulinho da Força. Procurado pelo Correio,
o delegado Manoel Vieira da Paz, responsável pela investigação em
Brasília, não quis comentar o caso. Limitou-se a dizer que não poderia
passar nenhuma informação sobre a investigação em andamento.
O foco inicial da apuração são os lotes de fichas encaminhados ao
Cartório Eleitoral da 1ª Zona, na Asa Sul. Na 14ª Zona Eleitoral, na
Asa Norte, das 648 firmas apresentadas, 526 são de funcionários da
Câmara, do Senado ou do Tribunal de Contas da União (TCU). Grande parte
é filiada ao Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo Federal e
do Tribunal de Contas da União (Sindilegis).
O Correio denunciou que também houve fraude no Cartório Eleitoral da
15ª Zona, em Águas Claras, onde a Justiça Eleitoral validou a ficha do
ex-servidor do Senado Miguel Honorato dos Santos, falecido em 24 de
setembro de 2011, aos 69 anos. Ele aparece como apoiador da nova sigla,
que só começou a recolher firmas no ano passado. Uma semana antes, a
legenda havia tentado enganar o Cartório Eleitoral da 14ª Zona, ao
encaminhar uma ficha assinada por José Washington Chaves, que morreu em
agosto de 2006. Somados os registros, já podem ser computados, apenas
em dois cartórios eleitorais, 705 servidores que teriam "apoiado" a
nova legenda.
Ontem, o vice-procurador-geral Eleitoral, Eugênio Aragão, afirmou
que o Ministério Público Eleitoral (MPE) aguarda a conclusão da
investigação da Polícia Federal para decidir a estratégia que será
adotada. "As notícias são alarmantes e preocupantes. Não podemos ficar
quietos", declarou. Ele teve cautela ao ser questionado se o MPE
poderia, com base nas denúncias e na conclusão das investigações, pedir a
nulidade do registro do partido. "Precisamos aguardar. Ainda não
decidimos a nossa estratégia. Todas as hipóteses estão abertas."
"Armação"
O Solidariedade voltou a falar, ontem, em conspiração. O
secretário-geral do partido, Marcílio Duarte, afirmou que todas as
fichas encaminhas à Justiça Eleitoral foram criteriosamente conferidas
pelos membros da sigla. "Isso é uma armação. Quando a gente recebe uma
quantidade de fichas, a primeira providência é conferir os dados
daquela pessoa. A gente manda buscar um CD e verifica. Por isso, eu
deduzo que, nas fichas, não pode constar um morto. Se consta, tem
alguma armação", afirmou. O argumento é o mesmo utilizado pelo
presidente da legenda. "É provável que exista uma sabotagem. Levam uma
ficha para casa e colocam o nome de alguém. Estão sacaneando a gente em
Brasília", disse Paulinho da Força ao Correio, há duas semanas.
Uma ala do PDT acusa o presidente do Sindilegis, Nilton Paixão, de ter
vazado dados dos filiados para o Solidariedade. A entidade sindical
nega e diz que vai acionar a Justiça. Paixão tem laços estreitos com o
Solidariedade. Em vídeo gravado durante evento do PSB em Brasília, a
mestre de cerimônia do encontro chama o sindicalista para compor a mesa
e o classifica como "representante do Solidariedade".
A relação de proximidade entre Nilton Paixão e Paulinho da Força é
conhecida nos sindicatos do país. Em 22 de abril deste ano, Paixão foi
eleito secretário-geral da Força Sindical no Distrito Federal, conforme
comprova o site da entidade. No início de 2011, o Sindilegis chegou a
se filiar à Força Sindical. Logo em seguida, após pressão de alguns
integrantes que não teriam sido avisados, o ato foi desfeito.
Memória
Cartórios paulistas
As suspeitas de fraude nas fichas de apoio do Solidariedade não se
limitam aos cartórios eleitorais de Brasília. No município de Várzea
Paulista, em São Paulo, por exemplo, a sigla é acusada de falsificar
até a firma da chefe de um cartório local. Em Osasco, também em São
Paulo, o chefe do cartório Helder Ito de Morais tomou um susto ao
perceber que o seu nome constava entre os apoiadores da legenda. Em
mensagem interna, ele informou aos colegas que prestaria informações
sobre o caso em inquérito instaurado pela Polícia Federal.
Em Suzano (SP), todas as assinaturas entregues foram anuladas pelo juiz
eleitoral Rodrigo de Oliveira Carvalho. Todos os eleitores chamados
para reconhecer a assinatura negaram que tivessem apoiado o partido. Ao
todo, 2,6 mil foram invalidadas.
O Correio mostrou que, além da utilização de dois mortos, vários
servidores do Poder Legislativo foram envolvidos na fraude. Até a
mulher do senador Cristovam Buarque (PDT-DF), Gladys Buarque, teve o
nome utilizado sem autorização.
O editor da Rádio Senado Antônio Carlos Lopes Buriti disse que vai
acionar a Justiça. "Estou profundamente indignado. Trata-se de um ato
invasivo, constrangedor e criminoso. Isso é uma fraude. Dados privados
foram utilizados sem consentimento para a criação de um partido. Eu sou
filiado ao PSol e serei candidato a deputado distrital nas próximas
eleições. Como fica a minha situação? O cartório eleitoral aceitou essa
fraude", desabafou.
Sob suspeita
Confira as polêmicas envolvendo o Solidariedade
23 de setembro
Após ter se posicionado favoravelmente à criação do partido
Solidariedade, o Ministério Público Eleitoral mudou de opinião.
Informou que havia indícios de fraude na formação da legenda e pediu
abertura de inquérito à Polícia Federal para apurar suspeita de crime
eleitoral.
24 de setembro
Um dia depois, após muita polêmica em razão de suposta falsificação
de assinaturas, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aprovou a criação
do Solidariedade, fundado pelo deputado Paulo Pereira da Silva
(PDT-SP), o Paulinho da Força Sindical. A legenda conseguiu 503 mil
assinaturas. Para receber o registro, eram necessárias 492 mil.
26 de setembro
O Solidariedade intensificou o assédio a parlamentares da base do
governo Dilma Rousseff com o objetivo de migração para a nova sigla. Ao
todo, 21 deputados federais se filiaram até 5 de outubro, prazo legal
para a mudança de partido antes das eleições de 2014.
2 de outubro
Diante das denúncias de fraude, o PDT, ex-partido de Paulinho da
Força, entrou com mandado de segurança no TSE para anular o registro do
Solidariedade. Ainda não houve decisão judicial em relação à demanda
do PDT. Um ala do partido acusa o Sindilegis de fornecer, sem
autorização, dados de filiados do sindicato à nova sigla.
Requisito
A lei exige um número ínimo de assinaturas de eleitores para a criação de partidos, Este ano, eram necessária492 mil
O Solidariedade apresentou à Justiça Eleitoral 503 mil
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