Estado de Minas: 07/11/2013
Acabou a terceira temporada de Downton Abbey e a quarta só está passando na Inglaterra, mas continuo frequentando aquele requintado universo inglês. Da tela da televisão passei para as páginas de um livro.
Lady Almina e a verdadeira Downton Abbey é assinado pela condessa de Carnarvon – assim mesmo, só o título de nobreza, sem nome pessoal –, atual proprietária de Highclere, o castelo que foi utilizado no seriado. Relato histórico, que inclui propriedade e família, permite-nos traçar um paralelo curioso entre ficção e realidade, ou entre realidade e como gostaríamos que ela fosse, ou, ainda, entre realidade e a falsa realidade que público e mercado solicitam.
Almina é o equivalente verdadeiro da Cora criada pelos roteiristas. Casada ainda jovem com o dono do castelo, George Edward Stanhope Molyneaux Herbert, quinto conde de Carnarvon, de alta linhagem e baixa conta bancária, chega ao altar abarrotada de dinheiro. Mas a vida real é muito mais novelesca que a ficção, pois Almina não é herdeira americana, mas filha “bastarda” de Alfred de Rothschild com uma francesa não aceita em sociedade, Marie Wombwell. Embora sem reconhecê-la, o pai sempre abrirá os cofres para ela.
Se Cora é quase insignificante, Almina é o motor do castelo. Faz reformas, instala água encanada e luz elétrica, gasta fortunas em decoração e festas. Quem se satisfez com os elegantes, porém modestos, jantares do seriado pode transferir seu imaginário para fins de semana nababescos, o castelo cheio de personalidades e estrelas sociais que se distraíam com caçadas, torneios de tênis, passeios a cavalo, festivais. Os donos do castelo raramente estavam sozinhos, rodeados constantemente por amigos e empregados.
Os empregados merecem um capítulo. Havia 23 criados para atender família e hóspedes, o que devia render intrigas bem mais emaranhadas que as do seriado. E não ficavam confinados àquela severa sala de jantar de que nos tornamos íntimos. Tinham uma sala de estar grande, com poltronas, onde tomavam chocolate quente no fim do dia e inclusive dançavam.
Muitos capítulos dramáticos são dedicados à participação inglesa na guerra de 1914/1918 e à chacina de que a ficção nos poupou. Cresce então a estatura de Almina, que transforma o castelo em hospital e, ao contrário de Cora, comanda tudo pessoalmente.
Uma parte fundamental da história, porém, ficou fora do roteiro. Enquanto lord Grantham parece não ter nenhum interesse pessoal e quando muito nos foi mostrado lendo jornal na biblioteca desperdiçada, o conde de Carnarvon era um homem requintado, amante dos livros, colecionador de antiguidades e entusiasta das novas tecnologias. Sobretudo, era um egiptólogo apaixonado. Durante 14 anos, sem esmorecer, dedicou seu entusiasmo e boa parte da sua fortuna, incluindo a da mulher, a escavações mal-sucedidas – gastou nisso o equivalente a 10 milhões de libras atuais, e precisou vender três das propriedades que havia herdado.
Passar temporadas anuais no Egito havia se tornado uma consuetude para ele e lady Almina. Até que afinal, em 1922, a equipe do americano Howard Carter, por ele financiada, descobriu a joia maior do Vale dos Reis, o túmulo intacto de Tutancâmon. Bastaria isso para dar origem a outro seriado – mesmo sem falar na maldição.
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