Obsessão masculina
Estudo mostra que a preocupação excessiva
com o peso e o físico afeta cerca de 17% dos homens adolescentes e
jovens nos Estados Unidos
Isabela de Oliveira
Estado de Minas: 27/11/2013
Quando foi
lançado, em 2006, o filme 300, dirigido por Zack Snyder, chamou a
atenção não apenas pela fotografia e pelo uso de computação gráfica, que
trouxeram uma nova estética para a épica batalha das Termópilas. Muito
se falou também da condição física dos soldados liderados pelo rei
Leônidas (Gerard Butler). As figuras atléticas foram esculpidas com
intensos treinos com pesos, dieta rica em proteínas e suplementos
alimentares, além de muita maquiagem e retoques digitais. Mesmo sabendo
da tecnologia envolvida, há jovens que adotam o físico mostrado nas
telas como um objetivo a ser alcançado, o que pode levar a problemas
físicos e psicológicos.
Estudo realizado pelo Hospital Infantil de
Boston, nos Estados Unidos, mostra que a preocupação excessiva com a
aparência deixou de ser um mal que atinge basicamente as mulheres e já
afeta um número considerável de rapazes. Por meio de questionários, a
pesquisa avaliou, de 1999 a 2010, 5.527 adolescentes norte-americanos
que tinham entre 12 e 18 anos quando a investigação foi iniciada.
Os
resultados indicaram que, em pelo menos um momento do estudo, 17,9% dos
entrevistados se mostraram extremamente preocupados com o peso e o
físico, 9,2% relataram muita preocupação com a musculatura e 31%
disseram ter comportamentos bulímicos ou de compulsão alimentar, sem
perda de controle. Em alguns casos, a situação se tornou perigosa: 2,4%
disseram recorrer a hormônios do crescimento ou anabolizantes para
ganhar um corpo mais musculoso, e 0,8% tiveram bulimia nervosa,
incluindo o uso de laxantes.
Para Alison Field, principal autora do
estudo, publicado na revista especializada Jama Pediatrics, os dados
mostram que os médicos devem estar atentos a essa questão também nos
homens. “Pouco se sabe sobre a prevalência de transtornos alimentares
entre adolescentes e jovens adultos do sexo masculino. Muitas vezes, os
sintomas não são percebidos pelos médicos apenas porque existe uma ideia
de que eles não passam por isso”, diz. Outro alerta trazido pela
pesquisa é que a preocupação excessiva com a magreza ou com a
musculosidade aumenta as chances de os rapazes usarem drogas, sofrer com
depressão ou beberem em binge (episódios esporádicos de abuso do
álcool) –.
Sandra Barboza, especialista em neuropsicologia da
Universidade Federal de Goiás (UFG), conta que a maioria dos pacientes
que chegam à clínica com problemas ainda é mulher. Mas homens já
representam 15% dos casos de bulimia e entre 20% e 40% dos de transtorno
de compulsão alimentar. “Os estudos apontam que, na população
masculina, esses transtornos estão mais associados a categorias
específicas, como dançarinos, modelos e esportistas”, diz a médica.
Anabolizantes e purgantes
A frequência do uso de esteroides anabolizantes para aumentar a massa
muscular e o tamanho do corpo é mais comum entre eles, enquanto o uso de
purgantes e inibidores de apetite é mais usado por elas, sugerindo que
as medidas para perseguir o corpo ideal podem ser similiares entre os
gêneros, com diferença apenas nas técnicas usadas e no tipo de físico a
ser alcançado. Nos homens, é mais comum o diagnóstico de vigorexia
(excesso de exercícios para aumento dos músculos). O transtorno é
subdiagnosticado porque as internações já ocorrem em casos extremos de
sobrecarga cardíaca e óbito, e os médicos dão a causa da morte pelo
abuso de anabolizantes.
“Os sintomas, certamente, podem passar
despercebidos pelos médicos, principalmente porque os profissionais de
saúde são menos sensíveis a pesquisar os transtornos alimentares em
homens. A população masculina está sendo excessivamente exposta a
imagens de corpos de atores e atletas, cada vez mais musculosos,
esbeltos e inatingíveis para a população em geral. São figuras
produzidas à base de drogas e substâncias e, por isso, devem ser
questionadas”, destaca Celso Alves dos Santos Filho, psiquiatra do
Programa de Atenção aos Transtornos Alimentares da Universidade Federal
de São Paulo.
O endocrinologista Mauro Scharf explica que os meninos
atingidos pelos transtornos alimentares sofrem com dismorfia, um
distúrbio de autoimagem.. “Quando chegam ao limite corporal alcançado
pela genética, recorrem aos suplementos alimentares para aumentarem a
musculatura. Os produtos são vendidos sem controle. Há suplementos à
base de proteína que têm hormônios androgênios em suas fórmulas, o que
não é declarado na tabela nutricional. Por terem hormônios, deixam de
ser suplementos e passam a ser medicamentos, mas são vendidos sem
controle”, alerta o também pesquisador e chefe do Serviço de
Endocrinologia Pediátrica do Hospital Nossa Senhora das Graças, em
Curitiba.
Ele lembra o caso de um paciente de 15 anos que, depois de
tomar anabolizantes usados para crescimento muscular de cavalos,
adquiriu um tumor no fígado. A substância era comprada no Paraguai pelo
professor da academia onde o garoto malhava. “Ele não resistiu e acabou
morrendo. Os meninos perdem a noção da realidade porque querem um corpo
mais forte, assim como as meninas acabam ficando anoréxicas. Eles se
colocam em situações de risco, e estudos assim servem de alerta para os
jovens e os pais. Nenhum suplemento deve ser usado sem avaliação
médica”, adverte Scharf.
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