quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Brasil e Alemanha avançam com resolução antiespionagem na ONU

O Globo 27/11/2013

Comitê aprova proposta, que agora irá a voto na Assembleia Geral

SÉRGIO FADUL
fadul@bsb.oglobo.com.br

ISABEL DE LUCA
Correspondente
ideluca@oglobo.com.br


-BRASÍLIA E NOVA YORK- As Nações Unidas
deram ontem um primeiro passo em
defesa da privacidade contra a espionagem
digital. A Terceira Comissão
da Assembleia Geral da ONU — encarregada
de cuidar de temas sociais,
culturais e humanitários — aprovou
por consenso o projeto de resolução
apresentado em conjunto por
Brasil e Alemanha no começo do
mês. O documento pede o fim da vigilância
eletrônica excessiva e expressa
preocupação com o impacto
dessas práticas nos direitos humanos.
Num próximo passo, o texto será
levado à votação da Assembleia Geral,
ainda este ano. Embora as resoluções
do órgão máximo da ONU não
tenham caráter compulsório, mas
simbólico, trata-se da primeira resposta
internacional de peso às denúncias
da espionagem da Agência
de Segurança Nacional (NSA) dos
Estados Unidos.

APOIO DOS ‘CINCO OLHOS’

Aprovada por todos os países que
compõem a Assembleia Geral, inclusive
os do grupo chamado de Cinco
Olhos — Estados Unidos, Reino Unido,
Austrália, Canadá e Nova Zelândia,
que compartilham uma vasta rede
de coleta e troca de inteligência
—, a iniciativa precisou ter a linguagem
alterada para apaziguá-los : a
sugestão original de que espionagem
poderia ser uma violação de direitos
humanos foi diluída para recrutar
seu apoio. E em vez de propor
que a Assembleia Geral declare estar
“profundamente preocupada com as
violações dos direitos humanos”, o
projeto dirá que as nações signatárias
estão “profundamente preocupadas
com o impacto negativo que a vigilância
(...) pode ter no exercício e
desfrute dos direitos humanos”.

Outros 55 países — entre eles Argentina,
França, Espanha, Holanda,
Indonésia, Rússia, Suíça e Turquia —
acabaram incluindo seus nomes como
copatrocinadores da resolução,
apresentando-a, por tanto, junto
com o Brasil e a Alemanha.

— O direito humano à privacidade
é fundamental para qualquer sociedade
democrática. Uma participação
completa na democracia implica
na proteção total das liberdades individuais,
incluindo o direito à privacidade
na era digital — declarou o
embaixador brasileiro na ONU, Antonio
Patriota.

O embaixador alemão, Peter Wittig,
reforçou:

— Pela primeira vez no âmbito das
Nações Unidas esta resolução afirma
de forma inequívoca que os mesmos
direitos que as pessoas têm fora da
internet também devem ser protegidos
on-line.

Sem mencionar nenhum país especificamente,
o documento defende o
estabelecimento de mecanismos independentes
de supervisão, “capazes
de assegurar a transparência do Estado
e sua responsabilização em atividades
relacionadas à vigilância das
comunicações”, e reafirma o direito do
ser humano à privacidade “e a não ser
submetido a ingerências arbitrárias
ou ilegais em sua vida privada, em sua
família, em seu domicílio ou em sua
correspondência”.

“A vigilância ilegal das comunicações,
sua interceptação, bem como a
coleta ilegal de dados pessoais constituem
atos altamente intrusivos que violam
o direito à privacidade e à liberdade
de expressão”, enfatiza o texto.
Brasil e Alemanha se uniram na indignação
ao saber que suas chefes de
Estado, a presidente Dilma Rousseff
e a chanceler federal Angela Merkel,
foram pessoalmente espionadas pela
NSA. Os dois países sugeriram a
revisão de “procedimentos, práticas
e legislação no que tange à vigilância
das comunicações, sua interceptação
e coleta de dados pessoais, inclusive
a vigilância, interceptação e
coleta em massa”.

EUROPA PRESSIONA AMERICANOS

As denúncias escandalizaram a Europa.
Ontem, a Comissão Europeia
cobrou dos EUA mudanças na legislação
para dar mais proteção aos cidadãos
europeus. A comissária de
Justiça europeia, Viviane Reding, pediu
a congressistas americanos que
cumpram as promessas feitas em
Washington de dar mecanismos jurídicos
a todos os cidadãos europeus
que se sintam lesados pelo mau uso
de seus dados on-line.

— Foi uma boa reunião. Estamos
conversando e nos escutamos, não
estamos nos espionando mutuamente...
A Europa espera ver as mudanças
legislativas necessárias nos
EUA, no máximo, no verão (do Hemisfério
Norte) de 2014 — afirmou a
comissária.

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