Cerca de 70% das crianças portadoras do
transtorno do déficit de atenção com hiperatividade seguem tendo
prejuízos quando maiores. Doença é marcada principalmente por
preconceito e falta de conhecimento
Lilian Monteiro*
Estado de Minas: 06/11/2013
Curitiba –
Instabilidade profissional, rendimento abaixo da capacidade intelectual,
falta de foco e atenção, dificuldade de seguir rotinas, tédio,
dificuldade de planejar e executar tarefas propostas e frequente
alteração de humor. Esses são alguns sintomas do adulto com transtorno
do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), um mal neurobiológico
reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) que aparece na
infância e frequentemente acompanha o indivíduo por toda a vida. Muitos
desconhecem que o TDAH, bastante falado, discutido e tratado em
crianças, pode persistir em homens e mulheres. O assunto foi debatido
recentemente, durante o 31º Congresso Brasileiro de Psiquiatria, em
Curitiba.
Iane Kestelman, presidente da Associação Brasileira do
Déficit de Atenção (ABDA), apontou o preconceito contra pacientes de
TDAH e a falta de políticas públicas para o problema. Carlos Alberto
Iglesias Salgado, mestre em psiquiatria, especialista em dependência
química pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e pesquisador
associado do Programa de Transtornos de Déficit de
Atenção/Hiperatividade da Federal do Rio Grande do Sul (ProDAH/UFRGS),
atribui a falta de divulgação e debate desse diagnóstico em adultos às
questões colocadas por Kestelman.
"Primeiro, por desconhecimento
de muitas coisas, não só do TDAH. E também por ser objeto de um certo
preconceito, de que era um transtorno que se resolvia naturalmente ao
longo da infância para a adolescência. Agora percebe-se, por meio da
estatística e de dados epidemiológicos, que até 70% das crianças
portadoras dos vários subtítulos de déficit de atenção vão seguir tendo
prejuízo na vida adulta", diz Salgado. O médico reforça que esse
transtorno não surge tardiamente.
"Trata-se tipicamente de uma
doença longitudinal, que acompanha o indivíduo quase desde sempre. Seja
essa percepção a partir de 4, 8, 10, 15 anos. Provavelmente, bem
revisada, o médico vai localizar a sintomatologia mais antigamente.
Então, se o indivíduo tem alguma suspeita, está cada vez mais fácil de
verificar. Ele pode procurar a ABDA, que tem um site bastante confiável,
e vai encontrar formas de apurar sua impressão, por exemplo,
respondendo um questionário organizado pela Organização Mundial da Saúde
(OMS) de boa qualidade, que pode dar pistas iniciais do TDAH",
acrescenta.
Antônio Alvim Soares, psiquiatra do Núcleo de
Investigação dos Transtornos da Impulsividade e Atenção do Hospital das
Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (Nitida/UFMG), também
presente no congresso em Curitiba e mediador de uma das mesas sobre o
TDAH, reforça que o transtorno é superprevalente, já que 5% da população
adulta mundial apresenta TDAH. Nas crianças, a média é de 7% a 10%.
Normalmente, a incidência do transtorno é de três homens para cada
mulher ou ainda três homens por cada duas mulheres. "A menor taxa em
mulheres é porque nela há predomínio da forma desatenta. Um incômodo em
que, por não trazer problemas de comportamento, a busca por ajuda é
menor. Diferentemente dos homens que apresentam sintomas combinados:
hiperatividade e desatenção", comenta Soares.
Para Carlos Salgado,
o adulto que deseja verificar se tem o diagnóstico certamente terá de
revisar sua biografia, em que vai encontrar evidências desde a infância.
"Ou seja, ele pode avaliar se tinha um jeito peculiar mais impulsivo,
mais inquieto e desatento do que seria esperado da sua turma de
contemporâneos, de seus irmãos e, muitas vezes, como ressaltamos na
conferência, levando em consideração o pai, muito provavelmente
portador, a mãe, ou várias gerações de familiares, já que a
hereditariedade do transtorno é elevada."
O pesquisador da UFRGS
chama a atenção sobre a chance de haver um diagnóstico exagerado em
qualquer condição clínica. Ser inquieto não é sinônimo de doença. Mas se
tiver prejuízo em atividades, provavelmente há uma condição clínica
significativa. O sofrimento no adulto, como em qualquer outra fase, tem
de ser tratado com terapia e remédio, indica o médico. "O recurso
psicoterápico bem dirigido – as chamadas terapias cognitivas
comportamentais – é capaz de ajudar muito o indivíduo a usar recursos
compensatórios. Ele não vai deixar de ser desatento, mas vai usar com
mais habilidade e convicção o agendamento, o despertar do relógio ou do
telefone como forma de se manter ordenado. Vai criar uma disciplina. E,
claro, o benefício da medicação adequada é enorme. O indivíduo tem um
salto de qualidade de vida muito grande, sem dúvida."
INCIDÊNCIA
É importante ressaltar que o TDAH não está ligado a fatores culturais
ou conflitos psicológicos, mas a pequenas alterações na região frontal
do cérebro, responsável pela inibição do comportamento e do controle da
atenção. O psiquiatra mineiro Antônio Alvim Soares explica que o mal
engloba três esferas: desatenção, hiperatividade e impulsividade. No
entanto, ele enfatiza que é considerado transtorno somente se "causar
prejuízo na vida da pessoa. No caso do adulto, crise nos
relacionamentos, risco aumentado de acidentes de carro, gravidez
indesejada, dificuldade de se manter no trabalho, e maiores chances de
contração de doenças sexualmente transmissíveis, pela falta de cuidado
consigo mesmo." Ele lembra ainda que o diagnóstico básico leva em conta o
prejuízo em dois ambientes (escola/trabalho e em casa).
De
acordo com o DSM-5 (manual diagnóstico e estatístico feito pela
Associação Americana de Psiquiatria), os sintomas vão estar presentes
antes dos 12 anos de idade. A partir dessa idade praticamente não há
relatos. "O TDAH é um transtorno do neurodesenvolvimento com influência
genética e ambiental. O diagnóstico não é fácil porque exige uma
avaliação multidisciplinar. No caso dos adultos, o problema é que as
pessoas se acostumam com algumas coisas. Como o fato de ser desatento,
por exemplo. E tem ainda o viés da memória, já que a mãe não vai
acompanhar um homem de 30 anos ao consultório", pontua Soares.
Outro
obstáculo observado pelo médico mineiro na hora do diagnóstico são as
comorbidades, que são a presença de dois ou mais diagnósticos distintos.
"Diferentemente da maioria dos quadros de medicina, em que o paciente
pode apresentar sintomas similares para várias patologias, no TDAH há
uma regra. Trinta por cento dos pacientes apresentam um quadro puro, ou
seja, só têm esse transtorno. Os demais vão se encaixar no transtorno
desafiador opositivo (TDO), em que a criança que não assume erros ou
irrita os outros, por exemplo; no transtorno de conduta, caracterizado
por hábitos antissociais e pequenos furtos; e o transtorno de
identidade, marcado pela dificuldade de aprendizado e a dislexia",
esclarece Antônio Alvim Soares.
ANSIEDADE Em
adultos, Soares explica que quadros de ansiedade e depressão causam
maior prejuízo ao longo da vida. "A maioria dos adultos, quando busca
ajuda, é pela ansiedade, não por um possível diagnóstico de TDAH. No
entanto, a ansiedade faz parte da vida, é a resposta para algum perigo.
Agora, se for recorrente, procure o médico. Os sintomas de TDAH ocorrem
com frequência e intensidade maiores."
O psiquiatra ainda destaca
que o TDAH tem controle, não cura. "É como usar óculos para a miopia.
Não cura, mas controla e vive-se bem. É importante dizer ainda que a
resposta ao tratamento medicamentoso é alta, cerca de 70%. Mas não
invalida a necessidade de tratamentos não farmacológicos, como a terapia
cognitiva comportamental, terapia ocupacional e fonoaudiologia". Ele
reforça ainda que o diagnóstico é clínico e que no adulto os sintomas
são diferentes por causa da maturação cerebral. "O TDAH é um transtorno
psiquátrico bem validado, com base neurobiológica comprovado por estudo
de neuroimagem e genética. Não é inventado e não é simplesmente um jeito
diferente de ser." Por outro lado, Antônio Soares assegura: "O
tratamento oferece melhora da qualidade de vida, autoestima e desempenho
ocupacional".
* A repórter viajou a convite da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP)
Como lidar com o problema
1 -
Estresse e alteração de humor: pratique exercícios porque alivia o
estresse, melhora o humor, acalma a mente e ajuda a gastar o excesso de
energia. Durma bastante, já que poucas horas de sono aumentam os
sintomas, diminuindo a capacidade de manter o foco durante o dia. Evite
cafeína e exercícios até uma hora antes de dormir; mantenha uma rotina à
noite. Alimente-se de maneira correta. Comer bem ajuda a diminuir a
distração, a hiperatividade e os níveis de estresse. Coma pequenas
porções durante o dia e procure ingerir pouco açúcar, menos carboidrato e
mais proteínas, o que pode ajudar a reduzir os sintomas.
2 -
Como se organizar e evitar a desordem diária: crie espaço e verifique
diariamente o que você usará e o que deverá ficar guardado. Defina
lugares para chaves, contas e outros itens que se perdem facilmente.
Jogue fora tudo o que não for necessário. Crie o hábito de usar agenda,
faça listas e anote tudo o que for importante, como tarefas,
compromissos e projetos. Planejamento é condição necessária para o bom
desempenho das pessoas com TDAH. Para evitar o esquecimento,
procrastinação e desordem, faça o que tiver que ser feito na hora,
evitando deixar para depois. Estabeleça um sistema de arquivamento. Use
divisores, separe pelo tipo de documento (receitas, contas, fichas de
inscrição, etc.) e faça etiquetas.
3- Administre
seu tempo e não perca compromissos: use um relógio que esteja sempre à
vista e com o horário certo. Quando começar uma tarefa, diga em voz alta
ou anote o horário, além de marcar uma quantidade de tempo para
executá-la. Defina as suas tarefas mais importantes do dia e depois as
de menor importância. Crie uma curta rotina diária e defina o tempo para
ela. Dê mais tempo do que você julga necessário. Por exemplo, se você
acha que para realizar determinada tarefa, ou encontrar alguém em outro
lugar, você levará por volta de 30 minutos, adicione 15 minutos. Anote
os horários de seus compromissos com 15 minutos (ou o tempo que você
julgar necessário) de antecedência e use alarmes para que você chegue na
hora certa. Aprenda a dizer não. Verifique sempre sua agenda para ver
se você realmente pode aceitar um compromisso, tarefa ou trabalho extra,
de maneira que isso não
o prejudique.
* Fonte: www.tdah.org.br
Personagem da notícia
Carlos Felipe Marrafa, de 30 anos, técnico em tecnologia da informação
Estou muito bem
"Descobri
que tinha TDAH aos 17 anos. A coordenadora da minha escola na época
levantou a hipótese e conversou com minha mãe. Eu era um menino
inteligente, mas muito desligado. Não conseguia prestar atenção e não me
concentrava. Alertados, procuramos informações na internet, compramos
livros, pesquisamos o tratamento e, por fim, buscamos ajuda. Passei por
alguns psiquiatras, mas dispensei todos por não me adaptar. Aos 24 anos,
me acertei com um médico e iniciei o tratamento com remédio e terapia.
Desde então conheci outro mundo. Ainda tenho dificuldades de
concentração. Na escola é mais fácil, são só quatro horas diárias. Já no
trabalho, em que fico de oito a 10 horas por dia, tenho mais cuidado,
mas estou indo muito bem. Consigo organizar meus pensamentos e minhas
relações melhoraram em todas as áreas. Tenho planos e sonhos que, agora,
tenho certeza de que vou realizá-los. Recomendo a todos com TDAH de não
desistir porque o tratamento tem resultado para vivermos melhor.”
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