Zero Hora - 06/11/2013
Que Gravidade é um filme divertido, ninguém duvida. Que seu diretor,
Alfonso Cuarón, é talentoso e sabe contar uma história, também não. Que,
visualmente falando, é um espetáculo extraordinário, também não. Enfim,
vale a pena assistir a Gravidade especialmente em sua versão IMAX-3D.
Mas daí a dizer que é um dos melhores filmes de ficção científica (FC)
de todos os tempos, ou que rivaliza com 2001 – Uma Odisseia no Espaço,
de Stanley Kubrick, vai uma distância astronômica.
Uma boa obra de FC, seja no cinema, seja na literatura, lança um
olhar especulativo sobre o nosso presente. Mesmo que seus personagens
sejam nuvens de pó de estrela inteligentes, formigas que leem
Shakespeare, ou androides em crise existencial, a FC de qualidade fala
do ser humano contemporâneo – explícita ou disfarçadamente – em conflito
com a tecnologia, com a natureza e com o seu lugar no universo.
Nos romances e contos de Robert Heinlein, Isaac Asimov, Roberto
Silverberg, Stanislaw Lem, Philip K. Dick, Ursula K. Le Guin e Arthur
Clarke, apenas para citar alguns dos mestres da FC, encontramos muito
mais que uma história divertida. Eles nos fazem refletir sobre as leis
da imensidão do cosmos e os momentos em que essas leis entram em
conflito com nossos pequenos desejos e realizações. Nos bons filmes de
FC, acontece a mesma coisa. Por isso, a série Guerra nas Estrelas nem é
FC: é um bom bang-bang. Talvez Gravidade possa ser colocado nessa mesma
categoria.
Já a gravidade representada por Kubrick em 2001 está em outro
patamar. Basta lembrar de duas cenas que mostram atividades cotidianas:
uma aeromoça carregando uma bandeja enquanto troca de nível na estação
espacial e um astronauta correndo na nave que ruma para Júpiter. São
imagens que desafiam nossa noção tradicional de espaço e nos desafiam a
imaginar a vida longe de nosso planeta. O desafio máximo de Gravidade é
especular quanto oxigênio cabe nas dobras de um traje espacial vestido
por Sandra Bullock.
Kubrick dialogava com os grandes temas da humanidade, que vão desde
as origens da tecnologia entre os hominídeos até o nascimento do ciúme
entre um casal de Nova York. Cuarón não tem essa pretensão. Ele quer
simplesmente nos encantar, ganhar fama e dinheiro.
Tá muito bom pra quase todo mundo. Mas, mesmo que ganhe bilhões de
dólares em todo mundo e fature alguns Oscar, Gravidade estará esquecido
em alguns anos, enquanto 2001 seguirá futuro adentro, desafiando seus
espectadores e pedindo que cada um de nós interprete à sua maneira a
cena final: chegamos à extinção do homem enquanto ente biológico, ou
estamos simplesmente atingindo um novo estágio de nossa existência? Só o
monolito sabe. E isso é grave.
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