domingo, 1 de dezembro de 2013

AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA » O medo de Vinicius‏

AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA » O medo de Vinicius 

Estado de Minas: 01/12/2013




Estou aqui em Bogotá por causa de Vinicius de Moraes e da poesia. A Margarita Duran, que dirige o Instituto Brasil Colômbia (Ibraco), achou por bem trazer para cá aquela caprichada exposição que Rose Falcão organizou em Lima (Peru), além do show em que Maria Creuza canta o poeta. Leio poemas na Casa de Poesia Silva, preservada em homenagem a Jose Asunción Silva, poeta colombiano.

O que é a vida! Jovem estudante em BH, escrevi trabalho sobre esse trágico poeta colombiano num curso de literatura hispano-americana da Maria José de Queirós. Lendo a biografia de Assunción, vi algo que me impressionou. Quando o poeta se matou, um jornal do seu país fez um curto necrológio dizendo: “Parece que fazia versos...”.

Devem ter se passado mais de 100 anos, o poeta viveu entre 1865 e 1896, e agora lá está aquela acolhedora casa com sua biblioteca, auditório e restaurante dirigida por Pedro Gomez. Onde andam tantos poetas que conheci ali? Parece que faziam versos...

As homenagens a Vinicius não param. O ano vai terminar e as pessoas continuam cantando suas músicas e dizendo poesias. E eu, que o conheci no longínquo 1962 lá no antigo prédio da UNE (Rio), outro dia me dei conta de que comecei a escrever o meu “quase diário” no dia da morte de Vinicius, em 1980. Registrava ali o que foi a comovida despedida do poeta, a cena no cemitério, muitas viúvas e amadas cantando as canções que fez vida afora, amor adentro.

Outro dia, por acaso, abri um dos livros dele e me deparei com algo precioso: um diálogo entre ele e Otto Lara. Ano de 1977. Foi registrado por Geneton Moraes Neto. Tem ali várias coisas importantes para entender esse orfeu tropical que cantava o amor com certa tristeza. É uma conversa aparentemente vadia, como vadios eram os cães que Vinicius e Antônio Maria seguiam de madrugada em Copacabana, depois que as boates fechavam.

Ele narra que os dois, vagabundando junto à praia, viram um bando de madrugadores fazendo ginástica na areia. “Serão dinamarqueses?” – perguntaram-se os dois notívagos. E ficaram indolentemente contemplando aquela cena desafiadora, até que do silêncio surgiu a frase de um deles: “Vamos fazer um juramento. Vamos nos prometer que nunca faremos um gesto inútil...”.

Juramento curioso para quem fazia aquilo que muitos julgam ser a mais inútil das coisas – a poesia.

Mas tem uma coisa nesse bate-papo de Vinicius e Otto que interessaria a  uma leitura mais psicanalítica da poesia de Vinicius (como a entrevejo em O canibalismo amoroso): a presença de sua mãe, coisa que o Otto discretamente invocou; mas sobretudo uma pergunta insólita que o mineiro fez ao carioca. Já que Vinicius parecia tão corajoso, Otto lhe perguntou se ele tinha algum medo.

O poeta respondeu: “Tenho medo de mulher, talvez” . E riu.

Seria interessante confrontar essa declaração com muitos de seus poemas, sobretudo com “Ariana, a mulher”, “Poema para todas as mulheres” e “A volta da mulher morena”.

Como se sabe, Vinicius se casou oficialmente nove vezes, sem contar outros acidentes de percurso. Quando postei no Facebook essa declaração de que ele tinha medo de mulher (talvez), uma leitora ironicamente comentou: “Se tendo medo se meteu em tantas aventuras, imagine se não tivesse medo...”

Nenhum comentário:

Postar um comentário