Zero Hora - 01/12/2013
Para quem vive em locais quentes e com praia, andar de pés descalços não
é nenhuma novidade. Já para nós, gaúchos, que passamos a metade do ano
usando botas e sapatos fechados, a chegada do verão resgata o prazer de
receber diretamente do solo a energia vital que circula pelo corpo todo.
Posso estar dando uma importância excessiva ao fato, mas é que andar de
pés descalços me remete ao menino das selvas que habitou minhas
fantasias da infância, o Mogli. Sapatinhos de cristal sempre me
pareceram afetados e apertados demais.
Porém, só fui me dar conta disso, conscientemente, agora, depois de
ter feito a viagem pela Tailândia e Camboja que já mencionei na coluna
de quarta-feira passada. O que menos levei na bagagem foi algo para
calçar. Apenas um chinelo para o dia, uma rasteirinha para a noite e um
par de tênis para as aventuras mais radicais – inclusive os tênis
ficaram por lá: não sobreviveram às emoções off road vividas de
bicicleta em torno do templo de Angkor nesse finalzinho da estação das
chuvas cambojanas.
Na Tailândia, o convite para deixar os calçados na porta, antes de
entrar nos lugares, é frequente, e isso me fez ter contato direto com a
madeira, com o mármore, com pedras rústicas e, principalmente, com a
terra: visitando plantações de arroz, andando de barco por aldeias
flutuantes, visitando templos e palácios, e mesmo em restaurantes, meus
pés reaprenderam a sentir, e não falo de sentir vergonha, ainda que
devesse, já que os meus são poucos inspiradores para fetiches. Falo em
sentir um grau de pertencimento que o costume e o conforto geralmente
impedem.
Se nas vilas e cidades tive o mundo aos meus pés, o que dizer das
praias de Krabi, Koh Phi Phi e demais ilhas paradisíacas do sudeste
asiático? Pisava na areia de dia e inclusive à noite, jantando a poucos
passos do mar, monitorada pela lua. Nem mesmo pés-de-pato coloquei para
mergulhar.
Está aí o verão, que nos Estados do norte e nordeste do Brasil não é
uma temporada tão diferente do inverno. Nesses casos, os pés descalços
já fazem parte da indumentária habitual. Mas para os que têm apenas
esses próximos meses para descer do salto, é hora de conceder-se a
delícia de sentir o calor e o frio que vem da base. Perceber o seco e o
úmido, o macio e o árido, o liso e o áspero – que absorvamos todas as
texturas, sem se importar que esse despojamento nos roube a classe e o
charme: aliás, rouba nada, a meu ver. Se, em sentido figurado, somos
obrigados a manter os pés no chão o ano inteiro, que o façamos agora
também literalmente, pelo simples e relaxante exercício de uma liberdade
que anda cada vez menos em uso.
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