ARTE CONTEMPORÂNEA »
Rede criativa
Videobrasil celebra 30 anos com mostras que confirmam sua importância como fórum de reflexão e intercâmbio de culturas
Gracie Santos
Estado de Minas: 08/12/2013
All ther others, de Hou Chien Cheng, desperta olhares para o homem paralisado diante do vaivém da cidade |
TV aprisionada por tijolos: Demolishing rumor é instalação do chinês Morgan Wong |
The world, de Daniel Escobar: recortes de guias turísticos ou viagens transformadas em mercadorias |
Já na chegada ao Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, é possível perceber o que o Festival de Arte Contemporânea Sesc-Videobrasil representa. A 18ª edição, que começou em novembro e segue até 2 de fevereiro de 2014, confirma a vocação do evento de, nesses 30 anos agora celebrados, manter-se incomparável exemplo do intercâmbio de culturas, experiências e experimentações. Voltando ao aeroporto. Os convidados são recebidos por uma húngara com português fluente, Tünde Albert, que aprendeu a língua para trabalhar com cinema no Brasil, e por um brasileiro radicado em Berlim, Rod Disciascio, em situação oposta e, por isso mesmo, fluente em alemão.
Do pessoal de suporte às vans que circulam entre o Sesc Pompeia, o Cine Sesc e o hotel que hospeda os cerca de 150 convidados, a rede criativa se desenha nitidamente. Os carros transportam incomum mistura de raças e credos, artistas que discutem no trajeto e apresentam em suas obras seu olhar particular e universal de questões atuais, na maior parte das vezes partindo de vivências cotidianas. Antes mesmo de chegar ao espaço expositivo, ainda no trajeto, o Sul geopolítico (América Latina, Caribe, África, Oriente Médio, Europa do Leste, Sul e Sudeste asiático e Oceania) que o Videobrasil promete abarcar pode ser tocado. E o que se tem é agradável sensação de não se estar em São Paulo mas em algum lugar no resto do mundo.
Cristalizando a proposta, a mostra Panoramas do Sul exibe primorosa seleção com 94 obras (recolhidas entre pouco mais de 2 mil inscritas) de artistas de 32 nacionalidades. Diversidade também é marca da exposição que reúne instalações, performances, desenhos, esculturas, fotografias, pinturas, livros de artista e vídeos. E não apenas as linguagens são plurais. Variados suportes de vídeo chamam a atenção. Há desde uma tela minúscula com poético filme paquistanês (My father, de Basir Mahamood) a uma construção de tijolos que abriga pequena televisão exibindo obra na qual um homem quebra tijolos, em ações repetitivas, no vídeo Demolishing rumor, do chinês Morgan Wong. Em frente à telinha minúscula em que o pai de Basir tenta (sem sucesso) enfiar a linha na agulha há um tapete azul com raias pretas. É a obra Piscina, do paulista João Loureiro, que tem à sua frente bela “paisagem”, fotografias do mineiro Pedro Motta (Estatuto da divisão territorial). Do lado oposto às fotos, bem distante, imensa tela convida a assistir à tensão entre o indivíduo e o coletivo na obra do taiwanês Hou Chien Cheng. O título, All the others, confirma o potencial revelador da imagem que fala por si.
Amplitude acolhedora
O espaço do Sesc Pompeia é privilegiado. Galpão iluminado, arejado e “disponível” para acolher todos os tipos de objetos e propostas. Não importa se a estranha composição de concreto armado (ainda nas fôrmas de madeira) de Perspectiva naval, escultura de Rodrigo Sassi, que se expande de maneira aleatória, lembrando restos de um barco naufragado. Obra de grande porte, passa a ideia de crescimento desordenado.
Os vídeos continuam sendo maioria entre os trabalhos em exibição. Nesse caso, o que chama a atenção, além da variedade dos tamanhos e quantidades de telas, é a coincidência temática (a convocatória foi aberta). Muitos são “depoimentos” em primeira pessoa. Caso do impressionante The sun glows over the mountais, de Nurit Sharett, de Israel, com falas emocionadas da própria diretora e de gente que conheceu ou trabalhou com seu avô Moshe Sharett, peça fundamental na implantação do Estado de Israel. Ela revisita as histórias da família e do país com rara sensibilidade.
Personalíssima é também a performance do mineiro Luiz de Abreu, O samba do crioulo doido, obra vencedora do grande prêmio do Videobrasil. O artista se apresenta nu, enrolado na bandeira do Brasil, expressão de seu pertencimento à pátria, que também lhe pertence. Durante a apresentação, o performer introduz a bandeira no corpo. Simbólico foi o fato de, na segunda edição em que o festival está aberto às diversas manifestações da arte e não apenas ao vídeo, a performance naturalista de Abreu, desprovida de “aparato tecnológico”, ser a vencedora.
Seleção natural
A curadoria da Panoramas do Sul não se baseou em tese ou ideia previamente concebida. O resultado são abordagens estéticas, políticas, sociais e subjetivas, retrato da contemporaneidade e espaço aberto a tensões específicas da região enfocada. Integrante da comissão curadora (ao lado de Solange Farkas, criadora e curadora-chefe do festival; de Fernando Oliva, curador e docente da Faap; e de Júlia Rebouças, curadora do Instituto Inhotim), o curador e professor da PUC Minas Eduardo de Jesus conta que eles decidiram ver o que emergia das obras inscritas. “Havia várias ligadas à memória afetiva, numa perspectiva da família; muitas relacionadas à arquitetura ligada ao território, propondo questões de poder ou de memória”, afirma.
Bom exemplo em arquitetura “é o vídeo do libanês Haig Aivazian. Into thin air into the ground, que retoma história do edifício mais alto do mundo, o Burj Khalifa, em Dubai, mostrando como sua construção mexeu com o imaginário coletivo, desde a propaganda à apocalíptica cerimônia de inauguração”. O prédio, “escalado” por Tom Cruise em Missão impossível – Protocolo fantasma, tem inimagináveis 828 metros de altura.
O turismo, afirma Eduardo de Jesus, foi outro tema recorrente. Caso da obra de Daniel Escobar, do Rio Grande do Sul, The world, que retrata a propaganda da indústria do turismo em recortes feitos pelo artista em guias de turismo. “Por que você quer ir aonde todo mundo vai, onde todos já conhecem?,” questiona Escobar, na opinião do curador. Que chama a atenção ainda para Drive-thru, de Christian Bermudez, da Costa Rica, “vídeo sobre pessoas que chegam a um lugar para conhecer um pajé, sem interesse algum em experiência mais profunda. Eles querem apenas fotografar. E é isso que vivemos hoje no mundo globalizado no qual o Brasil agora se insere”, afirma Eduardo.
Ponto forte no Videobrasil, como ele acentua, é a possibilidade do encontro. “Um curador vem aqui e faz contatos, procura um artista e assim vai-se criando essa rede. Tem outra coisa superforte: as residências que ampliam esse intercâmbio.”
QUE TÉDIO!
Toco não entende nada de arte contemporânea. A provocação está no hilário vídeo de 3min da carioca Mariana Xavier. A voz feminina dialoga com seu minúsculo Yorkshire. O cãozinho Toco boceja a cada tentativa de sua interlocutora de introduzi-lo no mundo das artes. O “burrinho” ainda é “desinformado” , acredite, nunca ouviu falar da mineira Lygia Clark ou do alemão Joseph Beuys. “Ou, quem sabe, acha que eles são datados?”, ela pergunta, entre um e outro cochilo do animal.
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PELO MUNDO
Além do grande prêmio (R$ 70 mil) dado ao performer Luiz de Abreu, o Videobrasil oferece aos selecionados por comissão de jurados a oportunidade de fazer residências fora do país de origem. Assim, o libanês Ali Cherri vai para Varsóvia (Polônia) trabalhar no A-I-R Laboratory, enquanto o brasileiro Ayrson Heráclito ficará no Raw Material Company, em Dakar (Senegal). O malinês Bakary Diallo passará temporada criativa em Salvador (Brasil), no Sacatar Institute, e Basir Mahmood, do Paquistão, fará residência no Askal Awan, em Beirute (Líbano). Já o brasileiro Gabriel Mascaro desenvolverá projeto no Wexner Center For The Arts, em Columbus (EUA), e Laura Huertas Millan, da Colômbia, será residente no Arquetopia, em Oaxaca (México). LucFosther Diop, de Camarões (África), ficará no Lutetia Building, em São Paulo; a israelense Nurit Sharett no Red Gate, em Pequim (China); e a brasileira Virgínia de Medeiros no Residency Unlimited, em Nova York (EUA).
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