Neandertais organizavam o espaço doméstico
Segundo evidências coletadas em caverna
da Itália, a espécie também dividia o lugar onde morava de acordo com as
atividades do cotidiano, uma prática que se acreditava exclusiva do
homem moderno
Estado de Minas: 08/12/2013
Família neandertal retratada em museu na Croácia: estudos mostram que eles também eram capazes de inovar na tecnologia |
Por muitas décadas, os neandertais foram descritos como criaturas inferiores – afinal, eles foram dizimados –, brutos, ignorantes ou sem sentimentos. Mas, nos últimos anos, o primo mais próximo do homem moderno tem sido alvo de pesquisas que, aos poucos, desconstroem esse mito. As mais recentes mostram que, além de controlar o fogo, uma habilidade que requer inteligência, os neandertais tinham uma cultura sofisticada e até mesmo acreditavam em vida após a morte.
Riel-Salvatore é um dos principais nomes da pesquisa sobre a espécie. De acordo com ele, os neandertais eram capazes de inovar na tecnologia, criando equipamentos que, antes, eram atribuídos apenas ao homem moderno. Durante sete anos, o arqueólogo estudou sítios da França habitados no passado exclusivamente pela espécie, o que pode ser constatado pela ausência de fósseis do Homo sapiens. Ele descobriu que o Homo neanderthalensis projetava munições, ferramentas, ornamentos e peças para caça e pesca. Agora, ao escavar Riparo Bombrini, uma caverna soterrada no Nordeste da Itália, o especialista também constatou que a espécie organizava e decorava o ambiente doméstico, tal qual o homem moderno sempre fez.
Os neandertais que moravam nessa caverna de três andares a dividiram em diferentes cômodos, cada um deles com sua função. O nível mais elevado funcionava como um “home office”, onde provavelmente a caça do dia era combinada entre os membros do grupo, e os animais eram, posteriormente, abatidos. O do meio e o inferior serviam como a casa propriamente dita. De acordo com Riel-Salvatore, no primeiro andar foram encontrados muitos vestígios de carcaças animais, evidenciando a função de açougue do local. Mais no fundo do cômodo havia potes com ocre e, embora não se saiba a finalidade de uso da argila colorida, o pesquisador acredita que o material poderia ser aplicado para curtir couro ou com fins antissépticos.
No nível intermediário, a equipe encontrou evidências de uma ocupação humana bem organizada. Na parte da frente havia ossos de animais e ferramentas de pedra. No fundo, a cerca de meio metro da parede, foram achados vestígios de uma fogueira. Segundo os pesquisadores, isso permitia que o calor circulasse por toda a “sala de estar”. O andar mais inferior é semelhante, com evidências de produção de ferramentas e outros artefatos perto de uma abertura na pedra por onde a luz solar é acessível.
“Os neandertais abatiam animais, faziam ferramentas e se reuniam ao redor do fogo em diferentes partes de seus abrigos. Sempre houve essa ideia de que eles não fizeram um uso organizado do espaço, algo que se atribuía apenas aos humanos modernos. Mas descobrimos que os neandertais não apenas jogavam suas coisas por aí, mas, na verdade, eram bem organizados em relação ao espaço doméstico”, afirma Riel-Salvatore. “Há muitas outras evidências de que os neandertais eram muito mais sofisticados do que se dizia até agora. Se identificamos o comportamento do homem moderno com base na sua organização espacial, temos de estender isso aos neandertais também”, acredita.
CÉREBRO MAIOR Muitos estudos têm mostrado que essa espécie era tão inteligente quanto o Homo sapiens. Pesquisa conduzida pelo especialista em crânios antigos Ralph Holoway, da Universidade de Columbia, em Nova York, indicou que o cérebro do neandertal era cerca de 20% maior que o do humano moderno, e anatomicamente idêntico. Segundo Holoway, as áreas cerebrais responsáveis pelos pensamentos complexos eram tão avançadas nessa espécie quanto no Homo sapiens, o que significa que os neandertais tinham a mesma capacidade de pensar que seus primos próximos.
Se conseguia raciocinar, a espécie provavelmente era capaz de falar. Ao analisar o crânio de um indivíduo da espécie, o professor Bob Franciscus, da Universidade de Iowa, notou que o trato vocal dos neandertais era mais largo e curto do que o de um homem moderno, características, porém, que não impediam a fala. “Crucialmente, a anatomia do trato vocal é suficientemente próxima à nossa, indicando que não havia razão para que ele não produzisse uma complexa extensão de sons necessários para a fala”, escreveu Franciscus, em um artigo.
Ainda há muitas especulações sobre a extinção do neandertal. O sequenciamento genético da espécie revelou que eles eram três vezes menos diversificados que o homem moderno, o que dificulta a capacidade de se adaptar a modificações ambientais. E, de acordo com outro estudo do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva publicado na revista Science, a população neandertal era muito pequena. Em média, havia 1,5 mil mulheres em idade reprodutiva entre 38 mil e 70 mil anos atrás. Exterminar uma quantidade restrita de habitantes não seria muito difícil. Ainda mais quando uma leva de Homo sapiens saiu da África e descobriu a Europa, o berço dos neandertais. Mais populoso que os primeiros habitantes, o homem moderno pode ter levado vantagem na competição por recursos.
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