Dentro da lei
O presidente do Ibram, Angelo Oswaldo de Araújo Santos, defende a legislação sobre obras de arte, que alarmou galeristas e colecionadores. Para ele, o governo não prejudicará o mercado
Walter Sebastião
O mercado está em polvorosa. Motivo: o decreto
assinado em outubro pela presidente Dilma Rousseff – regulamentando lei
que criou o Estatuto dos Museus – alterou o conceito de coleções pública
e privada de arte, além de permitir ao Estado fiscalizar obras, desde
que elas sejam definidas como bens de interesse para o país.
Galeristas, artistas e colecionadores acusam o Estado de desrespeitar a propriedade privada. A venda dessas obras de arte terá de ser aprovada pelo governo. O decreto deixa claro: o proprietário do quadro, escultura ou instalação, por exemplo, “não procederá à saída permanente do bem do país, exceto por curto período, para fins de intercâmbio cultural, com a prévia autorização do Conselho Consultivo do Patrimônio Museológico, ou, caso se destine a transferência de domínio, desde que comprovada a observância do direito de preferência do Ibram”. No caso de venda judicial e leilões, o Estado tem a primazia na aquisição dessas obras.
O responsável por peças declaradas de interesse público não pode restaurá-las, vendê-las e emprestá-las sem autorização do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram). A seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) está analisando as novas normas e estuda recorrer à Justiça contra o decreto.
O presidente do Ibram, Angelo Oswaldo de Araújo Santos, diz que “vozes precipitadas” espalharam “alarme” sobre as novas regras, mas acredita que os ânimos já serenaram. A pedido do Estado de Minas, ele responde às dúvidas sobre o decreto.
CARLOS PERKTOLD
Crítico de arte e colecionador
Alega-se que o decreto prejudica o mercado de arte, imaginando-se que peças de alto valor artístico e financeiro passam a correr risco de ser declaradas de interesse nacional. Como elas serão selecionadas?
Angelo Oswaldo – Houve, sim, alarde e alarme. Vozes precipitadas espalharam interpretações que não traduziram a realidade da nova legislação. O receio se disseminou principalmente no mercado, que se autoprejudicava ao insistir nessas versões. Agora, com os esclarecimentos gerais, os ânimos estão serenados e já se pode ver amplamente o benefício trazido pela política nacional de museus. O Conselho de Patrimônio Museológico, formado por oito representantes de instituições e 13 personalidades da cultura, irá declarar um bem ou uma coleção de interesse público. Isso ocorrerá episodicamente, depois de um dossiê formado sobre cada bem passível de receber proteção especial. Qualquer cidadão poderá pedir ao Ibram a abertura do processo, mas o conselho é que decide, fundamentado nos critérios de excelência e notável excepcionalidade.
FLÁVIA E LÚCIO ALBUQUERQUE
Galeristas
De cinco anos para cá, o mercado se formalizou e os negócios têm ocorrido de forma transparente. Temos dúvida sobre até que o ponto as novas medidas vão na contramão desse quadro.
AO – A legislação não afeta o mercado. Por que o mercado seria prejudicado pela proteção de algum bem ou alguma coleção de relevante interesse público? Na verdade, o reconhecimento de uma obra de arte só a engrandece e valoriza. Como não há restrições à comercialização dos bens que forem protegidos pela nova lei, não há contramão. Estamos todos na boa direção.
MARCO TÚLIO RESENDE
Artista plástico
O direito de preferência, em caso de venda judicial ou em leilão de bens culturais, não possibilita o engessamento da negociação das obras, prejudicando o mercado e os artistas?
AO – O direito de preferência está consagrado, desde 1937, na legislação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Foi reiterado na lei e no decreto do Estatuto de Museus para que obras emblemáticas possam ser levadas a acervos públicos. Isso já ocorreu inúmeras vezes, com base na lei do Iphan, sem qualquer prejuízo para o mercado. A preferência só se concretiza se o governo tiver recursos para a compra. Caso contrário, a obra será leiloada.
FABRÍCIO FERNANDINO
Coordenador da Comissão de Arte Ambiental do Museu de História Natural da UFMG
Parcela considerável dos 3, 2 mil museus brasileiros padece de um mal crônico: a capacitação da massa crítica instalada, além do financiamento para organização, manutenção, ampliação e a divulgação de acervos. Esse cenário começa a ser mudado. Entretanto, tornam-se prioritários a capacitação de pessoal e o financiamento. O que pode se esperar nesse sentido?
AO – Há 14 cursos superiores de museologia no Brasil. No início deste século, eram apenas dois. Outras vertentes se somam à museologia, porque os profissionais do setor contemplam várias outras especialidades. A evolução é rápida e positiva, sendo importante a contribuição do Ibram e do Estatuto de Museus para essa grande transformação. O Ibram tem multiplicado muitos cursos pelo país, como os de gestão museológica, gestão de risco, capacitação em conservação e restauro. Recursos de fontes nacionais e estrangeiras são mobilizados para tanto.
SÉRGIO RODRIGO REIS
Curador e diretor do Museu do Aleijadinho
O decreto permite ao governo apontar em coleções particulares obras de interesse público, acompanhando sua trajetória – do restauro à comercialização. Qual o objetivo dessa medida?
AO – O país ganha enormemente com o ordenamento do campo museal, a organização das instituições museológicas e a proteção de bens que já estão nos museus ou poderão neles ingressar. O mercado ficou alvoroçado, mas hoje já há entendimento mais claro e positivo. Até a edição deste decreto, a memória das artes visuais no país ficava, muitas vezes, à mercê das regras do mercado, de colecionadores e de familiares de artistas.
FERNANDO PEDRO
Dono da editora C/Arte
Dependendo do valor, muitas publicações que visam à difusão da cultura brasileira, e que dependem do uso de imagens para estabelecer o acesso à informação, poderão ser inviabilizadas. As editoras poderão retornar o valor referente à utilização da imagem sob a forma de exemplares destinados à biblioteca da instituição?
AO – A legislação dos museus protege apenas os bens dos museus. É necessário que assim seja. Há leis do direito autoral que devem ser respeitadas, por sua vez, e regem a nossa própria normativa. Isso ocorre no mundo inteiro. O Decreto 8.124, ao tratar do assunto, fundamenta-se nos princípios do Estatuto de Museus sobre o uso de imagem e reprodução de bens culturais. A orientação é que museus devem facilitar o acesso ao uso da imagem e a reprodução de seus acervos, mas também neste caso atentos aos aspectos da proteção dos bens culturais, aqui entendido como a atenção à qualidade das imagens e reprodução em consonância com os sentidos educacional e de divulgação que orientam as atividades dos museus. Os custos nesses casos, que pelo decreto têm critério de compensação, e observe-se não têm caráter obrigatório, podem se dar na forma de contrapartidas. Trata-se, portanto, de estimular e orientar ações colaborativas com as instituições museológicas para a proteção do patrimônio cultural que é de toda sociedade.
Galeristas, artistas e colecionadores acusam o Estado de desrespeitar a propriedade privada. A venda dessas obras de arte terá de ser aprovada pelo governo. O decreto deixa claro: o proprietário do quadro, escultura ou instalação, por exemplo, “não procederá à saída permanente do bem do país, exceto por curto período, para fins de intercâmbio cultural, com a prévia autorização do Conselho Consultivo do Patrimônio Museológico, ou, caso se destine a transferência de domínio, desde que comprovada a observância do direito de preferência do Ibram”. No caso de venda judicial e leilões, o Estado tem a primazia na aquisição dessas obras.
O responsável por peças declaradas de interesse público não pode restaurá-las, vendê-las e emprestá-las sem autorização do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram). A seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) está analisando as novas normas e estuda recorrer à Justiça contra o decreto.
O presidente do Ibram, Angelo Oswaldo de Araújo Santos, diz que “vozes precipitadas” espalharam “alarme” sobre as novas regras, mas acredita que os ânimos já serenaram. A pedido do Estado de Minas, ele responde às dúvidas sobre o decreto.
CARLOS PERKTOLD
Crítico de arte e colecionador
Alega-se que o decreto prejudica o mercado de arte, imaginando-se que peças de alto valor artístico e financeiro passam a correr risco de ser declaradas de interesse nacional. Como elas serão selecionadas?
Angelo Oswaldo – Houve, sim, alarde e alarme. Vozes precipitadas espalharam interpretações que não traduziram a realidade da nova legislação. O receio se disseminou principalmente no mercado, que se autoprejudicava ao insistir nessas versões. Agora, com os esclarecimentos gerais, os ânimos estão serenados e já se pode ver amplamente o benefício trazido pela política nacional de museus. O Conselho de Patrimônio Museológico, formado por oito representantes de instituições e 13 personalidades da cultura, irá declarar um bem ou uma coleção de interesse público. Isso ocorrerá episodicamente, depois de um dossiê formado sobre cada bem passível de receber proteção especial. Qualquer cidadão poderá pedir ao Ibram a abertura do processo, mas o conselho é que decide, fundamentado nos critérios de excelência e notável excepcionalidade.
FLÁVIA E LÚCIO ALBUQUERQUE
Galeristas
De cinco anos para cá, o mercado se formalizou e os negócios têm ocorrido de forma transparente. Temos dúvida sobre até que o ponto as novas medidas vão na contramão desse quadro.
AO – A legislação não afeta o mercado. Por que o mercado seria prejudicado pela proteção de algum bem ou alguma coleção de relevante interesse público? Na verdade, o reconhecimento de uma obra de arte só a engrandece e valoriza. Como não há restrições à comercialização dos bens que forem protegidos pela nova lei, não há contramão. Estamos todos na boa direção.
MARCO TÚLIO RESENDE
Artista plástico
O direito de preferência, em caso de venda judicial ou em leilão de bens culturais, não possibilita o engessamento da negociação das obras, prejudicando o mercado e os artistas?
AO – O direito de preferência está consagrado, desde 1937, na legislação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Foi reiterado na lei e no decreto do Estatuto de Museus para que obras emblemáticas possam ser levadas a acervos públicos. Isso já ocorreu inúmeras vezes, com base na lei do Iphan, sem qualquer prejuízo para o mercado. A preferência só se concretiza se o governo tiver recursos para a compra. Caso contrário, a obra será leiloada.
FABRÍCIO FERNANDINO
Coordenador da Comissão de Arte Ambiental do Museu de História Natural da UFMG
Parcela considerável dos 3, 2 mil museus brasileiros padece de um mal crônico: a capacitação da massa crítica instalada, além do financiamento para organização, manutenção, ampliação e a divulgação de acervos. Esse cenário começa a ser mudado. Entretanto, tornam-se prioritários a capacitação de pessoal e o financiamento. O que pode se esperar nesse sentido?
AO – Há 14 cursos superiores de museologia no Brasil. No início deste século, eram apenas dois. Outras vertentes se somam à museologia, porque os profissionais do setor contemplam várias outras especialidades. A evolução é rápida e positiva, sendo importante a contribuição do Ibram e do Estatuto de Museus para essa grande transformação. O Ibram tem multiplicado muitos cursos pelo país, como os de gestão museológica, gestão de risco, capacitação em conservação e restauro. Recursos de fontes nacionais e estrangeiras são mobilizados para tanto.
SÉRGIO RODRIGO REIS
Curador e diretor do Museu do Aleijadinho
O decreto permite ao governo apontar em coleções particulares obras de interesse público, acompanhando sua trajetória – do restauro à comercialização. Qual o objetivo dessa medida?
AO – O país ganha enormemente com o ordenamento do campo museal, a organização das instituições museológicas e a proteção de bens que já estão nos museus ou poderão neles ingressar. O mercado ficou alvoroçado, mas hoje já há entendimento mais claro e positivo. Até a edição deste decreto, a memória das artes visuais no país ficava, muitas vezes, à mercê das regras do mercado, de colecionadores e de familiares de artistas.
FERNANDO PEDRO
Dono da editora C/Arte
Dependendo do valor, muitas publicações que visam à difusão da cultura brasileira, e que dependem do uso de imagens para estabelecer o acesso à informação, poderão ser inviabilizadas. As editoras poderão retornar o valor referente à utilização da imagem sob a forma de exemplares destinados à biblioteca da instituição?
AO – A legislação dos museus protege apenas os bens dos museus. É necessário que assim seja. Há leis do direito autoral que devem ser respeitadas, por sua vez, e regem a nossa própria normativa. Isso ocorre no mundo inteiro. O Decreto 8.124, ao tratar do assunto, fundamenta-se nos princípios do Estatuto de Museus sobre o uso de imagem e reprodução de bens culturais. A orientação é que museus devem facilitar o acesso ao uso da imagem e a reprodução de seus acervos, mas também neste caso atentos aos aspectos da proteção dos bens culturais, aqui entendido como a atenção à qualidade das imagens e reprodução em consonância com os sentidos educacional e de divulgação que orientam as atividades dos museus. Os custos nesses casos, que pelo decreto têm critério de compensação, e observe-se não têm caráter obrigatório, podem se dar na forma de contrapartidas. Trata-se, portanto, de estimular e orientar ações colaborativas com as instituições museológicas para a proteção do patrimônio cultural que é de toda sociedade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário