Zero Hora 24/12/2013
Há algum tempo venho pensando na função das religiões, e a cada reflexão
me convenço de que não precisamos de templos, rituais, mandamentos,
pecados, penitências e de intermediários falando em nome dos deuses – e
nem de deuses precisamos. É tudo opcional. O que precisamos está dentro
de nós.
Templos são belos e podem ser úteis na busca por sossego espiritual,
já que costumam ser silenciosos (a natureza também pode cumprir essa
função, diga-se). Rituais são igualmente belos e podem confirmar nossas
melhores intenções perante a vida (mas sem plateia também podemos
confirmá-las, você sabe). Pecados e penitências, eu pulo. São
manipulações que só servem para gerar culpa. Intermediários?
É bonito contar com a figura de um pai, seja real ou simbólico, e
nesse sentido a figura do Papa, de um Buda, de um monge ou de qualquer
pessoa de carne e osso com um projeto pacificador pode cumprir a função
de extrair de nós a humildade necessária para não virarmos uns tiranos.
Quanto aos mandamentos, bastaria um só, um único, que, se fosse
obedecido, solucionaria boa parte dos problemas do mundo: “Não faça aos
outros o que não gostaria que fizessem a ti”. Há muitas versões da mesma
frase, mas essa vem sem metáfora, desembalada e pronta para usar.
Já pensou se ela fosse aplicada na política? No universo
corporativo? Eu sei, é utopia demais, mas se fosse aplicada ao menos nas
nossas relações cotidianas, já faríamos uma revolução.
Pena que ela apresente uma solução simples, e as pessoas rechaçam o
simples. O simples não gera comoção, não dá pauta, não é suficientemente
bombástico. A encrenca, a dificuldade, o jogo de poder, a
competitividade, a vingança, isso tudo, sim, torna a vida menos
monótona. Se as coisas derem certo, qual é a graça? Do que iremos nos
queixar?
Eu, que adoro uma vida mansa, sou totalmente partidária do simples,
do óbvio, do fácil, do comum – dentro do que ambiciono, eles me servem
muito bem. Minha religiosidade é desenvolvida através de valores que não
dependem de representatividade formal, constituída e sacra. Gentileza,
tolerância, respeito, elegância moral (ouvi essa expressão outro dia e
adotei), honestidade, paciência, troca, afetividade e desapego de mágoas
e rancores: disso tudo provém a verdadeira espiritualidade transmitida
de pai para filho, de avós para netos, de amigos para amigos, sem
necessidade de carteirinha de adesão a qualquer igreja.
Neste Natal (e amanhã, e depois de amanhã...), reze, é um conforto
para a alma. Ou não reze, se não possui o hábito. Não vai fazer
diferença nenhuma para o mundo. O que faz diferença para o mundo é como
você se comporta com os outros, não com Deus. Deus, muitas vezes, serve
apenas para transferir responsabilidades. Assuma a sua, e amém:
estaremos todos em paz.
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