segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Alternativas às cobaias vivas‏

Alternativas às cobaias vivas 
 
Células criadas em laboratório, pele reconstituída e testes via computador são algumas tentativas de cientistas para substituir a pesquisa com animais 
 
Juliana Cipriani
Estado de Minas: 27/01/2014



As dificuldades são muitas e o investimento é pouco, segundo cientistas, mas existe horizonte no Brasil para as pesquisas com métodos alternativos ao uso de cobaias vivas. Ainda em baixo número, grupos de pesquisadores desenvolvem testes de medicamentos usando sistemas in vitro, peles reconstituídas, sistemas computadorizados e até humanos, esses últimos em estágios mais avançados e seguros de avaliação de reações. As metodologias não eliminam totalmente o uso de animais de laboratório, mas são um caminho em busca do que a ciência chama de os três Rs da experimentação animal (replace, reduce e refine): substituição, redução e refinamento.

Dados disponíveis no site da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) indicam alguns exemplos do que já têm sido praticado no Brasil, apesar de o país ainda não ter um órgão para validar as pesquisas alternativas. Foi na Fiocruz, em 1997, que a bióloga Cátia Inês Costa começou a substituir a forma tradicional de pesquisa para avaliar a potência das vacinas contra a hepatite B. A cientista foi substituindo aos poucos os testes de inoculação da vacina em camundongos por ensaios in vitro até que, em 2002, relatou não precisar mais de animais. Segundo a pesquisadora, com isso, evitou-se o sacrifício de cerca de 4 mil camundongos por ano.

Há quase 10 anos, um grupo do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS/Fiocruz) adotou como prioridade estudar essas alternativas. Uma das descobertas é que o sangue humano conservado em meios específicos também serve para detectar a contaminação de medicamentos por vírus e substâncias tóxicas, o que sugere a dispensa de testes em coelhos no futuro. Quem atesta é o biólogo pesquisador do INCQS/Fiocruz Octavio Presgrave, um dos principais estudiosos na área de métodos alternativos de pesquisa no Brasil.

No Laboratório de Biologia da Pele no Departamento de Análises Clínicas e Toxicológicas da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP), as cientistas Silvya Stuchi e Silvia Berlanga de Moraes Barros se dedicam há pelo menos uma década ao desenvolvimento de modelos in vitro de pele artificial para estudar a segurança de fármacos e cosméticos. As variações do modelo trazem o estudo da fisiopatologia do melanoma cutâneo, da pele com colágeno alterado, simulando a pele de pacientes diabéticos, epiderme imunocompetente e desenvolvimento de fotoprotetores. A ideia dos modelos biomédicos, segundo Sílvia Berlanga, é que, apesar de serem usadas células isoladas, formando uma monocamada, a pele reconstituída tem vários componentes, fazendo com que se assemelhe mais à célula humana. “Temos modelos de pele dermoequivalente para verificar a eficácia de tratamento para melanoma (câncer de pele). A gente faz tudo in vitro, sem uso de animal, desenvolvemos o tumor e avaliamos substâncias quimioterápicas para esse tipo de câncer. Pode-se fazer pele também para estudar componentes de reações de sensibilização cutânea”, afirma a cientista.

Também é possível estudar substâncias de fotoproteção solar ou pesquisar a toxidade de substâncias aplicadas na pele. A cientista esclarece que é possível conhecer de outra forma como as substâncias vão atuar, mas em algum momento será preciso avaliar o produto em humanos, se forem cosméticos, ou em animais, se fármacos. “Os modelos in vitro conseguem eliminar etapas, mas é preciso continuar trabalhando com animais. A substituição hoje não é total, isso a opinião pública tem que saber”, afirma Silvia Berlanga. Segundo a pesquisadora, esses testes são necessários para saber como funcionam as substâncias nos organismos inteiros.

RODA SEM FIM O professor chefe do Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Carlos Roberto Zanetti, trabalhou nos últimos 12 anos com métodos alternativos, mas descobriu que, até para isso, precisava usar animais. “Aí percebi que a roda não tem fim e parei”, conta. Antes de desistir, o cientista conseguiu adaptar uma técnica de cultura celular para substituir os camundongos nas pesquisas de diagnóstico de raiva. Isso é feito quando alguém é agredido por um mamífero e ele está disponível. Nesse caso, injeta-se uma mistura no cérebro do camundongo para ver se ele vai desenvolver a doença. Zanetti descobriu que é possível inocular o conteúdo em células.

“São células isoladas adquiridas comercialmente. Não precisa mais matar um animal para isso, elas estão disponíveis para comprar nos bancos de células da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e há ainda o catálogo americano de culturas celulares (ATCC). Muitos laboratórios não fazem por acomodação, já têm um biotério e acham mais fácil manter o camundongo do que fazer cultivo de célula”, diz. Além de não sacrificar uma vida, Zanetti ressalta que, nas células, o resultado é possível em 48 horas, enquanto no camundongo é preciso esperar 72 horas e o resultado pode levar até 15 dias para sair.


três perguntas para...


Carlos Roberto Zanetti,
pesquisador da Universidade Federal de Santa Catarina


1 - O que é possível fazer para reduzir as pesquisas com animais?
Vejo meu papel como professor de introduzir essa questão na formação dos cientistas. Quando eles estão trabalhando determinado problema com bichos, que procurem outra forma. Esse dogma de que tem que usar animais está envolvido com a indústria farmacêutica, que, como todos sabem, não é nenhum primor de ética. Aqui na universidade falo disso.

2 - Há espaço para desenvolvê-las no Brasil?
É um movimento muito inicial ainda. O primeiro congresso de métodos alternativos no Brasil foi em Niterói (RJ). Lá, os trabalhos eram simples e chamou a atenção o fato que no Brasil isso está despontando. Tivemos exposição de empresas alemãs investindo nesse tipo de tecnologia. Na toxicologia há um avanço maior porque a indústria não quer associar seu nome a coisas ruins. As de cosméticos, principalmente, abandonaram, pois está havendo um movimento mundial para proibir testes de cosméticos em animais. Os que controlam a pesquisa clássica não enxergam ainda que poderiam ser vanguardistas. Infelizmente a ciência é dominada por mentes rígidas.

3 - O conceito nas universidades precisa ser mudado?
O que vejo é que, para os pesquisadores, é uma questão difícil, eles aprenderam a vida inteira assim. Como professor, acho que tem que semear uma ideia nova. Em um dia era impossível pensar que o homem podia ir à Lua. Se hoje ele tem um cérebro que lhe permite ir, por que não pode fazer pesquisa de outra forma? É aos poucos que tem que se pensar, pois o modelo animal não é uma réplica absoluta. 


Alguns caminhos

» Técnicas físico-químicas - algumas substâncias que só podiam ser testadas em animais podem ser ensaiadas com métodos químicos. O estudo de potência de insulina, por exemplo, que era testado em camundongos e coelhos, já pode usar cromatografia líquida de alta resolução (HPLC).
» Modelos matemáticos ou computacionais - usa-se um banco de dados baseado em resultados de estudos já feitos que pode predizer reações do organismo.
» Organismos inferiores - essa prática é polêmica, pois propõe o uso de pulgas-d’água e larvas de camarão na substituição de animais.
» Estágios iniciais de espécies protegidas - como os testes em ovos de galinha em que se usa o estágio embrionário. Pode substituir o teste de irritação ocular em coelhos.
» Em humanos - não se destina a estudar a toxidade, mas a ausência dela. Os testes só são feitos depois de as substâncias passarem por uma bateria de experimentos, envolvendo os métodos in vitro e animais. É uma questão ainda polêmica.
» Pele reconstituída - usa fragmentos de pele humana para teste de cosméticos ou fármacos.

Fonte: Estudo sobre alternativas ao uso de animal, de Octavio Presgrave 


Metabolismos são totalmente diferentes



 Na opinião do professor da Universidade Federal de Alfenas (Unifal) Thales de Astrogildo e Tréz, nada é impossível no mundo científico. “Meu posicionamento é que, do ponto de vista biológico, obter dados de outra espécie para usar na nossa é inconcebível. O que ocorre no rato, em termos de metabolismo e fisiologia, não é nada parecido com o que ocorre no ser humano. No geral, o homem tem um metabolismo próprio, então os dados obtidos em outras espécies é irrelevante”, afirma.

O biólogo diz fomentar o questionamento sobre o uso de animais nos programas de graduação e pós-graduação em que trabalha. “Isso deve ser problematizado desde cedo na formação do cientista”, acrescenta. A barreira, segundo ele, é financeira. Cabe aos governos e fundações incentivar pesquisas que promovam a substituição ou redução do uso de animais nas experiências científicas. “No mundo afora vemos vários editais de fundos que promovem pesquisa sem animais para áreas como mal de Parkinson, diabetes e câncer. No Brasil, tivemos um recente e para trabalhar com testes de toxidade dérmica, o que é muito básico. Não se estão priorizando aqui pesquisas sem animais para doenças que atingem a nossa espécie”, critica Thales.

Segundo o professor, além da modelagem in vitro, existe a in silico, que é um sistema computacional de bioinformática que incorpora todo o conhecimento sobre a toxidade de elementos adquiridos em estudos. Por fim, o cientista defende o teste com humanos, o que já ocorre na fase clínica de desenvolvimento de medicamentos. “São eles que de fato revelam o que ocorre com uma pessoa. O desejável são os testes em humanos. Estou falando de pesquisa responsável, com corpo de pesquisadores, grupo que avalia protocolo e que não causa sofrimento”, disse. Ele ressalta ainda que tudo isso deve ser feito com consentimento esclarecido do voluntário e com um comitê de ética acompanhando todo o trabalho a ser desenvolvido. 

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