Luiz Carlos Lacerda, o Bigode, é presença garantida na Mostra de Tiradentes desde a primeira edição. Ele está lançando livro de poemas e se prepara para filmar em Minas
Carolina Braga *
Estado de Minas: 27/01/2014
Bigode vai filmar em Cataguases e Leopoldina argumento inédito de Lúcio Cardoso sobre o samba, com participação de Ney Matogrosso |
Tiradentes – Você já é um personagem de Tiradentes? O diretor Luiz Carlos Lacerda, o Bigode, despista na hora de responder. Mas reconhece: “Lido bem com isso, porque personagem é resultado de um bom relacionamento com as pessoas”. Quem frequenta a Mostra de Cinema de Tiradentes também não tem dúvidas. O cineasta já ganhou lugar cativo em restaurante, com direito a placa “Cantinho do Bigode”. É tão de casa que até traz as próprias massas integrais a tiracolo para poder se esbaldar no molho.
Quando anda pelas ruas, sempre de chinelo e bermuda, é saudado o tempo inteiro. Pela bibliotecária, pelo artesão, pelo garçom e por ex-alunos. Afinal, quem não conhece o Bigode? A oficina de realização em curta digital é a única que existe desde a primeira edição do festival, há 17 anos. Sob a orientação do cineasta já foram realizados filmes de tudo quanto é gênero na cidade. Isso sem falar da geração de técnicos e profissionais espalhados por aí que tiveram com ele o primeiro contato com o cinema.
O que muita gente desconhece é uma faceta até então guardada a sete chaves e que o cineasta descortina por aqui este ano. Bigode é poeta há longa data. No pacote de lançamentos desta edição da Mostra de Cinema de Tiradentes, em meio a DVDs e livros sobre vertentes da sétima arte, o carioca com o coração em Minas apresenta Os sais da lembrança, primeiro livro de poesias em 30 anos. A obra foi publicada no fim de 2013, depois de passada a resistência inicial do autor.
“A dúvida era se eu ia retrabalhar um tipo de expressão do qual estava afastado há tanto tempo. Perguntava-me: será que as ideias não estão explícitas no cinema? Não será um apêndice desnecessário?. Depois achei que não, e me deu um pique”, conta. Os sais da lembrança tem 30 poemas. A série que dá nome ao livro foi dedicada ao amigo Ney Latorraca, mas há também homenagens a Lúcio Cardoso (1913-1968), João Cabral de Melo Neto (1920-1999), Cláudio Murilo e outros.
Neto e bisneto de poetas, Bigode sempre deixou explícito seu interesse por essa forma de expressão. Como escritor bissexto, participou de várias antologias. Escreveu inclusive para o Suplemento Literário de Minas Gerais, a convite de Murilo Rubião (1916-1991). A relação entre cinema e poesia é transparente em sua trajetória. Levou a poesia de Cecília Meireles (1901-1964) para as telas em O sereno desespero e com O homem e sua hora tratou da obra de Mário Faustino (1930-1962). Sem falar da criação de Lúcio Cardoso, presente desde o longa de estreia, Mãos vazias. Mas a experiência agora é outra.
Em Os sais da lembrança há uma passionalidade latente em cada página. Os textos foram escritos entre a década de 1960 e os dias de hoje. “Acho que me deu oportunidade de rever um Bigode do passado, do qual não tinha um distanciamento crítico e um olhar que só é possível com o tempo”, afirma. Vencida a resistência inicial, Bigode assegura que gostou tanto de “ser poeta” que já prepara novo livro para o ano que vem. Serão cerca de 25 poemas eróticos.
No cinema, a novidade é a filmagem de Introdução à música do samba, argumento de Lúcio Cardoso que ficou perdido por cerca de 30 anos. O roteiro, do próprio Bigode, está pronto e Ney Latorraca foi escalado como protagonista. Pela primeira vez, o cineasta vai rodar um filme em Minas. Cataguases e Leopoldina foram as cidades escolhidas como locações.
“Mineiro tem esse lance de não ter o mar e de não ter o horizonte, ele é cheio de montanhas e mistérios. Essa coisa da introspecção faz as pessoas pensarem sobre o que esta atrás daquele morro. Isso desenvolve uma capacidade criativa muito grande, na literatura e no cinema. Acho que estimula essa coisa do pensamento. A praia é muito óbvia”, divaga, sem deixar de reafirmar sua paixão por Minas e pelos mineiros.
* A repórter viajou a convite da Mostra de Cinema de Tiradentes
AURORA
Começa hoje a mostra queridinha dos críticos em Tiradentes, a Aurora, dedicada a jovens realizadores em início de carreira. O documentário A vizinhança do tigre, do mineiro Affonso Uchoa, será o primeiro dos sete concorrentes a ser exibido. Trata-se do principal evento competitivo da Mostra de Cinema de Tiradentes. O vencedor leva o Prêmio Itamaraty, no valor de R$ 50 mil.
HOJE NA MOSTRA
Cine Teatro Sesi
. 11h – Debate sobre Passarinho lá de Nova Iorque
. 12h15 – Debate sobre Amor, plástico e barulho
. 15h – Perspectivas para o audiovisual brasileiro em 2014: foco na indústria
. 17h – Oportunidades para o cinema brasileiro na Europa
CINE TENDA
. 16h30 – Sessão de curtas
. 18h – Sessão de curtas
. 19h30 – Mostra Aurora – A vizinhança do tigre, de Affonso Uchoa
. 22h30 – Sessão de curtas – Mostra Foco
TENDA BAR SHOW
. 0h30 – Show Transmissor
Os efeitos do tempo
Carolina Braga
Publicação: 27/01/2014 04:00
Em uma edição em que a discussão sobre processos pontua os debates, a sessão de estreia da Mostra de Cinema de Tiradentes, no Cine Praça, foi exemplar. O documentário Cidade de Deus, dez anos depois mostra o que ocorreu com a vida de alguns dos atores que participaram do longa que consagrou Fernando Meirelles. Fica claro o quanto o processo de construção de uma carreira artística, depois do sucesso nacional e internacional do filme, não foi igual para todos. Nem o resultado.
A praça do Largo das Forras estava lotada como há muito não se via na cidade. Dirigido por Cavi Borges e Luciano Vidigal, o filme promove o reencontro da plateia com Leandro Firmino, o Zé Pequeno – com alguns quilos a mais –, Alexandre Rodrigues, o Buscapé, e tantos outros personagens. Eles falam sobre a relação com a fama, a crueldade da realidade e o que fizeram com o dinheiro que ganharam com o filme. Entre os que conseguiram dar prosseguimento à carreira estão Débora Rodrigues e Leandro Dantas, hoje rostos conhecidos das novelas.
Lembra-se daquela criança que chora desesperada e toma um tiro no pé? É Felipe Paulino, hoje com 18 anos e mensageiro em um hotel no Leblon. Há outros que não conseguiram estabelecer uma carreira e acabaram envolvidos com as drogas e o crime. Relativamente curto, com 75 minutos, o documentário mistura cenas do filme e dos personagens 10 anos depois.
“O filme mostra o questionamento que a arte traz. A realidade é dura e poucas pessoas aproveitaram a oportunidade”, comentou o engenheiro Nélio Muzzi. “É uma retrospectiva muito interessante. A vida é feita de escolhas e é triste ver que alguns se perderam no meio do caminho”, lamentou a telefonista Rosemary Tomaz. “Foi legal ver como estão, ver o que fizeram com o dinheiro. Os atores e os personagens tinham vidas parecidas na ficção e na realidade”, disse o engenheiro Ramón Fraga Rezende.
A previsão é que o documentário chegue aos cinemas brasileiros entre junho e julho, dependendo da carreira internacional. Pelo menos 20 festivais estrangeiros já demonstraram interesse em exibir o filme.
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