A mulher na sacada
"Por um momento, fazendo-o estremecer ainda mais, o homem achou que ela pudesse pular"
Carlos Herculano Lopes
Estado de Minas: 24/01/2014
O homem estava
sentado no banco de uma praça, esperando por uma amiga, quando de
repente, ao levantar os olhos, estes se depararam com uma mulher que,
num prédio em frente, havia chegado à sacada do apartamento. No 10º
andar, talvez. Pela maneira como se encostou na mureta e olhou para
baixo, ele suspeitou que alguma coisa de muito estranho devia estar
acontecendo. Nuvens negras passeavam pelo céu. Numas árvores próximas
onde se encontrava, alguns melros começaram a cantar.
Perto dali, duas crianças, donas da inocência do mundo, andavam de bicicleta, vigiadas de perto pela mãe, que ia indicando com o braço estendido os lugares a serem seguidos. Não cabiam em si de tanta felicidade e o pai, com uma câmara na mão, quem sabe para mostrar a elas um dia, ia documentando tudo. Mais adiante, alguns moradores de rua dividiam uma garrafa de bebida e batucavam em latas.
Mas os olhos e pensamentos daquele homem, por mais que quisesse, não conseguiam se desviar daquela mulher na sacada. Talvez morasse ali ou estivesse visitando alguém. Ela parecia absorta, como que alheia a tudo, enquanto olhava para baixo. Pelo menos foi isso que, naquele instante, veio à cabeça do homem, que a observava assustado. Voltaram também, sem que tivesse nenhum controle, amargas lembranças, contra as quais, sem nenhum sucesso, há anos ele vinha lutando.
Nos instantes seguintes, junto a um trovão que estremeceu tudo ao redor, um estremecimento maior ainda tomou de assalto seu coração: aquela mulher, que ele continuava a olhar – seria imaginação sua? – num gesto brusco, como se já houvesse se decidido, se debruçou na sacada do apartamento. Meio corpo ficou para fora, oscilando contra a força do vento, que parecia, com um poder invisível, querer sugá-la, empurrando-a para o abismo. Por um momento, fazendo-o estremecer ainda mais, o homem achou que ela pudesse pular. “Meu Deus...”, disse baixinho, e fechou os olhos, com medo de que fosse verdade.
Minutos depois, ainda sem coragem de abri-los, foi surpreendido pela voz da sua amiga, a doce Maria Tereza, que da sua vida tudo sabia, pois desde crianças se conheciam e conviviam, sem nunca terem se separado: “Em que mundo você está, Ricardo? Toma tento, meu moço, deixa de ficar pensando bobagens...”, ela disse, e sorriu, enquanto, com a suavidade de sempre, se curvava para beijá-lo.
Foi então que aquele homem, como se estivesse voltando de um sonho ruim, abriu outra vez os olhos e os correu ao redor: já não viu as crianças, que pouco antes estavam ali, andando de bicicleta, sob os cuidados da mãe. Nem os mendigos que tomavam cachaça e batucavam. Também não ouviu o canto dos passarinhos que se equilibravam nos galhos das árvores. E muito menos – para seu alívio e estranha sensação de paz – aquela mulher, cuja metade do corpo, pouco antes, oscilava na sacada do prédio.
Perto dali, duas crianças, donas da inocência do mundo, andavam de bicicleta, vigiadas de perto pela mãe, que ia indicando com o braço estendido os lugares a serem seguidos. Não cabiam em si de tanta felicidade e o pai, com uma câmara na mão, quem sabe para mostrar a elas um dia, ia documentando tudo. Mais adiante, alguns moradores de rua dividiam uma garrafa de bebida e batucavam em latas.
Mas os olhos e pensamentos daquele homem, por mais que quisesse, não conseguiam se desviar daquela mulher na sacada. Talvez morasse ali ou estivesse visitando alguém. Ela parecia absorta, como que alheia a tudo, enquanto olhava para baixo. Pelo menos foi isso que, naquele instante, veio à cabeça do homem, que a observava assustado. Voltaram também, sem que tivesse nenhum controle, amargas lembranças, contra as quais, sem nenhum sucesso, há anos ele vinha lutando.
Nos instantes seguintes, junto a um trovão que estremeceu tudo ao redor, um estremecimento maior ainda tomou de assalto seu coração: aquela mulher, que ele continuava a olhar – seria imaginação sua? – num gesto brusco, como se já houvesse se decidido, se debruçou na sacada do apartamento. Meio corpo ficou para fora, oscilando contra a força do vento, que parecia, com um poder invisível, querer sugá-la, empurrando-a para o abismo. Por um momento, fazendo-o estremecer ainda mais, o homem achou que ela pudesse pular. “Meu Deus...”, disse baixinho, e fechou os olhos, com medo de que fosse verdade.
Minutos depois, ainda sem coragem de abri-los, foi surpreendido pela voz da sua amiga, a doce Maria Tereza, que da sua vida tudo sabia, pois desde crianças se conheciam e conviviam, sem nunca terem se separado: “Em que mundo você está, Ricardo? Toma tento, meu moço, deixa de ficar pensando bobagens...”, ela disse, e sorriu, enquanto, com a suavidade de sempre, se curvava para beijá-lo.
Foi então que aquele homem, como se estivesse voltando de um sonho ruim, abriu outra vez os olhos e os correu ao redor: já não viu as crianças, que pouco antes estavam ali, andando de bicicleta, sob os cuidados da mãe. Nem os mendigos que tomavam cachaça e batucavam. Também não ouviu o canto dos passarinhos que se equilibravam nos galhos das árvores. E muito menos – para seu alívio e estranha sensação de paz – aquela mulher, cuja metade do corpo, pouco antes, oscilava na sacada do prédio.
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