Jornalismo
O problema das orelhas dos livros é que ficam escondidas pela capa e a quarta capa
Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 24/01/2014
Ando abismado com
certo jornalismo inventado por aí. Nas chuvas torrenciais que inundaram
parte de Minas e o Espírito Santo no raiar do ano, um comunicólogo
escreveu que os temporais capixabas seriam suficientes para encher 2,5
mil piscinas olímpicas. Homessa! Ainda que fosse verdade, ninguém faz
ideia, ninguém pode realizar o que sejam 2,5 mil piscinas olímpicas,
mesmo aprendendo no Google que uma piscina olímpica tem 50m de
comprimento por 25m de largura, oito raias de 2,5m, temperatura da água
de 25oC a 28oC e o volume mínimo de água é 2,5 mil m3, correspondendo a
2,5 milhões de litros, que podem ser muito mais dependendo da
profundidade.
Chuva no Brasil é descrita em milímetros (mm) e um
milímetro é a milésima parte de um metro. Importantíssimo é também
descrever o tempo que durou a chuva. Há quase 20 milhões de entradas no
Google para “temporais no Brasil”. Portanto, a gente só pode falar
daqueles que vivenciou. Peguei um de 84mm em duas horas e vi a água
chegar ao nível do primeiro degrau da sede da fazenda, um lugar que não
poderia alcançar, porque a casa era construída no alto de um morro. Ao
longo de um mês, 250mm é o tipo da chuva normal em diversas regiões
brasileiras, enquanto 250mm em quatro horas arrasam tudo que encontram
pela frente.
No Parque Nacional de Vulcões, do Havaí de Barack
Obama, há um vulcão chamado Kilauea com as seguintes características,
que cito de memória: do lado que dá para o oceano chove em média 11 mil
mm/ano, uma das maiores precipitações do planeta: são 11m de água. Do
lado que dá para o interior chove tão pouco que os agricultores são
obrigados a irrigar suas plantações de abacaxi. Não sei como andam os
recordes atuais, mas durante o ano de 1861, em Cherrapunji, na Índia, as
chuvas totalizaram 22,987m. Em um mês, naquele mesmo ano, Cherrapunji
teve 9,394m de chuva. Compete à rapaziada calcular o número de piscinas
olímpicas que 9,394m podem encher.
Orelhas
O
problema das orelhas dos livros é que ficam escondidas pela capa e a
quarta capa, ao contrário das orelhinhas das mulheres bonitas, que ficam
à mostra pedindo mordiscar amoroso. No Guia politicamente incorreto da
história do mundo, de Leandro Narloch (Ed. Leya), as orelhas são de
apetite. Não gostei da paginação, direito meu depois de morrer nos
cobres para pagar o livro. Se os fatos atuais são difíceis de confirmar –
ninguém pode escrever honestamente que o senador Renan Calheiros
(PMDB-AL) implantou 10 mil fios de cabelo em sua bela calva, porque
podem ter sido 9,5 mil ou 11 mil – é quase impossível saber exatamente o
que aconteceu na história há 2 mil anos. Sabemos por alto que fulano
nasceu no ano tal, beltrano foi deposto no ano tal, mesmo assim sem
muita certeza. Leandro Narloch, baseado em autores que escreveram
noutros contextos, desmistifica histórias tidas como verdadeiras, como
se vê nas orelhas do seu livro: “O Tibete do Dalai Lama tinha escravos e
castigos cruéis”; “O cinto de castidade é um entre tantos mitos sobre a
Idade Média”; “A Revolução Francesa mudou tudo para não mudar nada;”
“Os principais defensores de Galileu era padres e cardeais”; e “Os
agrotóxicos salvaram bilhões de vidas”. Pela amostra, já sei que o
leitor vai morrer de curiosidade e vai concordar com o autor, ou não, no
capítulo em que “hoje vivemos na época mais pacífica de todas, com a
menor frequência de guerras e assassinatos...”. E cita um canadense para
explicar por que os dias de hoje são os menos violentos de toda a
história. Os assassinatos caíram de 50 a 100 na Idade Média europeia a
cada 100 mil mortes, para uma morte violenta a cada 100 mil na Europa
atual. Ora, bolas, o leitor e o philosopho não vivemos na Europa.
Interessa-nos o número de homicídios por 100 mil pessoas, que no Brasil
ainda são assustadores e estão aumentando em muitos estados. No mais, só
lendo Leandro Narloch, apesar da diagramação de seu ótimo livro.
O mundo é uma bola
24
de janeiro de 41: Calígula é assassinado por sua Guarda Pretoriana,
grupo que teve participação decisiva em muitos episódios da história
romana. Era usada pelos imperadores como instrumento de validação das
leis pela força, como, por exemplo, matando inimigos. Como podia ser – e
era – muito perigosa, foi criado o costume de agradar os seus
comandantes com pequenos presentes e comissões. Um legionário, depois de
alguns anos de serviço, podia pleitear vaga na Guarda Pretoriana, onde
contava com melhores salários, benefícios e menor tempo de serviço. Em
1823, em Oeiras, então capital do Piauí, Manuel de Sousa Martins, futuro
visconde da Parnaíba, proclama a Independência e assume a presidência
da Junta de Governo do Piauí. Em 1924, a cidade de São Petersburgo passa
a chamar-se Leningrado. Em 1984 a Apple Inc. lança o computador
Macintosh, que revolucionaria a história da computação. Hoje é o Dia dos
Aposentados.
Ruminanças
“É difícil libertar os tolos das amarras que eles veneram” (Voltaire, 1694-1778).
Nenhum comentário:
Postar um comentário