sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Carlos Herculano Lopes - O pequeno David‏

O pequeno David
Carlos Herculano Lopes - carloslopes.mg@diariosassociados.com.br
Estado de Minas: 31/01/2014

Há poucos dias, numa viagem corrida, o homem e sua irmã, Laura, estiveram em São Paulo para visitar o pequeno David. Brasileirinho esperto, com pouco mais de um mês de vida, quase moreno e dono de lindos olhos castanhos escuros, vem a ser o primeiro filho dos sobrinhos Liza e Antônio. Este, paulistano da gema, tem velhas raízes fincadas em Minas, nas terras do Triângulo, de onde é a família da sua mãe.

No domingo pela manhã, dia de sol claro, com poucas nuvens no céu, saíram com o menino para uma volta pelas ruas de Higienópolis, bairro dos mais tradicionais da capital paulista, onde vivem, como o homem ficou sabendo, muitas famílias judias que ali se estabeleceram há anos. “Vamos tomar café num shopping aqui perto”, disse Ricardo, avô do David e que, com orgulho, ia empurrando o carrinho do neto.

Os olhos do garoto, como se descobrissem o mundo, do qual é um dos mais novos habitantes, passeavam curiosos observando tudo ao redor: as árvores centenárias, castanheiras, jacarandás, perobas e quaresmeiras que povoam as ruas do bairro; alguns casarões antigos, que ainda insistem em se manter de pé apesar da especulação imobiliária; e outras crianças que, como ele, eram levadas pelos seus.

Manhã das mais agradáveis, depois de vencer alguns quarteirões, que em São Paulo são chamados de quadras, finalmente chegaram ao shopping. O pequeno David, ainda não acostumado ao calor, a não ser o da sua mãe, que também participava do passeio junto com a vovó Adelaide e a tia Laura, estava suando. Pequenas gotas escorriam do seu rosto, que ia ficando rosado. Com certeza, devia estar com sede.

Numa mesa do Café Starbucks, lugar escolhido pelo Ricardo, que é cliente contumaz desde a mudança da família para o bairro, se estabeleceram. Ainda bem vazio àquela hora, pediram água mineral, pão de queijo e alguns bolos à menina do caixa, uma boliviana de nome Lizete. “Estou em São Paulo há sete anos, e sou de Cochabamba”, disse, ao ser perguntada de qual país tinha vindo. Junto a ela, outros dois atendentes: uma moça de origem chinesa e um rapaz nordestino, como perceberam pelo sotaque.

De repente, ao voltar à mesa, uma surpresa: bem próximo a eles, um tipo pequeno, usando chapéu de feltro, fazia anotações em uma caderneta. Ao olhá-lo com mais atenção, o homem não teve dúvidas, era o escritor Evandro Affonso Ferreira, amigo dos velhos tempos. Cumprimentaram-se, falaram da coincidência do encontro e ele, então, disse: “Foi aqui neste café, onde venho todos os dias, que praticamente escrevi meu último romance”. O livro em questão, vencedor do Prêmio Jabuti, é O mendigo que sabia de cor os adágios de Erasmo de Rotherdam, cuja leitura, desde já, está recomendada.

Alguns minutos depois, novamente na companhia de Ricardo, Adelaide, Liza e da tia Laura, o homem observou que o pequeno David estava com os olhos fechados e, dono de toda a inocência do mundo, dormia profundamente no conforto do carrinho, bem ao lado da mãe. Naquele mesmo dia, no fim da tarde, ele e sua irmã, cada vez mais encantados com o sobrinho, voltaram para Belo Horizonte. 

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