quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

FERNANDO BRANT » É fogo‏

FERNANDO BRANT » É fogo 

 
Estado de Minas: 29/01/2014




O fogo é belo e fascina. Mas ele bem longe de nós. O fogo é medonho, aterrorizante, tudo a ver com o inferno. Houve um tempo, em minha juventude em Belo Horizonte, que não era incomum grandes prédios da avenida principal se consumirem em chamas. A notícia do incêndio se espalhava por todos os cantos e as pessoas desciam dos bairros para assistir ao espetáculo. Todos ficavam a uma distância prudente, enquanto os bombeiros trabalhavam para que a tragédia não fosse maior. O fogo na noite era uma diversão inesquecível na metrópole calma.

A descoberta do fogo acelerou a civilização humana. Podia-se comer o alimento cozido, abandonando-se a necessidade de morder o cru, o que demandava tempo e esforço muito grande. E haja dentes para se incumbir da tarefa. Nossa arcada passou a ser mais delicada, propícia mais aos beijos do que às mordidas. Digo isso e os restaurantes de comida oriental, incrustados em todas as esquinas do Ocidente, me desmentem. O chique, hoje em dia, é se deliciar com as iguarias cruas.

De minha parte, conservo o jeito tradicional. Gosto muito de verduras e legumes que não sofrem cozimento. A diferença entre o sabor de uma cenoura mastigada ao natural e uma que vai ao fogão é oceânica. Adoro o craque- craque e o sabor da primeira. Mas carne crua, desculpem-me, só a humana nos atos de amor. Não sou um carnívoro fervoroso, mas quando me sirvo de boi, porco, peixe ou frango, exijo nenhuma gordura e que se passe bem. Pra lá de welldone.

A nega Luzia recebeu o Nero e queria botar fogo no mundo, diz o samba de Wilson Batista. Mas parece que não foi só ela que andou em contato com o imperador maluco. Virou febre nos cidadãos do Brasil e do mundo. O trem quebrou, bota fogo nele. O ônibus atrasou, risca o fósforo na gasolina. Não importa pensar que aí é que ele vai atrasar mais.

Não tem casa para morar ou terra para cultivar, fecha-se a rodovia e manda fumaça em pneus e outros objetos para que ninguém trafegue por ali. Mesmo que o problema esteja a quilômetros de distância e que os governantes não sejam incomodados em seus palácios, onde se come o cru e o cozido da melhor qualidade, pagos com o dinheiro de todos. Ali se queima o nosso dinheiro.

Mata-se a granel no presídio, a polícia chega e a reação não é contra a força militar. Toca-se fogo no ônibus que leva para casa famílias e crianças que querem apenas chegar em casa para brincar, divertir e dormir. Que o fogaréu se levante nas ruas de Kiev é justo, compreensível, pois é caso de combater a repressão e o frio.

Não seria mais produtivo dirigir nosso combustível para ações mais certeiras e humanas, mais inteligentes? Não seria mais útil apontar nossa fúria cívica para injetar mais democracia e transformar o país? Outubro vem aí. 

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