quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Rei do ritmo [Robertinho Silva] - Eduardo Tristão Girão

Rei do ritmo 
 
Robertinho Silva lança livro e revela os bastidores de meio século de dedicação à bateria. Realengo deu régua e compasso ao carioca, reverenciado por astros estrangeiros e da MPB 
 
Eduardo Tristão Girão
Estado de Minas: 29/01/2014


Baterista
Baterista "oficial" do Clube da Esquina, Robertinho Silva tocou com Tom Jobim, Wayne Shorter e Sarah Vaughan

O banco do baterista é um local privilegiado, de onde ele tem visão especial do que ocorre no palco, dos demais músicos e do público, além de permanecer conectado aos bastidores – como se fosse a principal “testemunha” do show. Imagine quantas histórias pode contar um instrumentista desses, principalmente se ele soma pouco mais de meio século de atuação e pode se gabar de já ter tocado com grandes nomes nacionais e internacionais. Por isso é tão atraente a autobiografia Se a minha bateria falasse..., que o carioca Robertinho Silva escreveu com o jornalista Miguel Sá.

O lançamento do livro em Belo Horizonte está marcado para amanhã à noite. O baterista aproveitará a vinda à cidade para tocar na Status Livraria, Café & Cultura, na Savassi, com amigos que conhece bem. Estarão lá o guitarrista Toninho Horta, o pianista André Dequech, o baixista Beto Lopes e a cantora Carla Villar. O evento integra o projeto Aqui-Ó jazz, que Horta promove no local. O livro estará à venda por R$ 57.

Além de tocar, Robertinho promete contar histórias. “Quando fiz 69 anos, resolvi olhar para trás. Sou do Rio de Janeiro, mas fui criado em Realengo, que na época era uma área meio rural e meio militar, com fruta à vontade, beira de rio, estrada de ferro e maria-fumaça. Sou um cara privilegiado, pois tinha tudo por lá: comunidade nordestina, ritos afrobrasileiros, grupo militar. Ia dormir tarde depois de ouvir rádio, ficava imitando a frequência do trem que passava perto de casa”, conta Robertinho, que se perde em meio a tantas recordações.

Não é para menos. Aos 72 anos e considerado “baterista oficial” do Clube da Esquina, Robertinho tocou com o lendário Som Imaginário, João Donato, Tom Jobim, Egberto Gismonti, Airto Moreira, Raul de Souza, Dori Caymmi, João Bosco, Gal Costa, Nana Caymmi, Chico Buarque, Wanda Sá e Mônica Salmaso. Entre os nomes internacionais, apresentou-se com Wayne Shorter, Paul Horn, George Duke, Cal Tjader, Sarah Vaughan, Bud Shank e George Benson.

Acompanhando Gilberto Gil, Robertinho fez a sua primeira viagem internacional, em 1973, para a França. Um ano depois, foi para os Estados Unidos gravar Native dancer, álbum do saxofonista Wayne Shorter, ao lado de Milton Nascimento e Wagner Tiso. O disco teve extrema importância na projeção internacional do baterista carioca, que morou nos EUA de 1975 a 1978 e conquistou respeito por lá. Tanto que chegou a ser convidado para gravar com o icônico grupo de jazz fusion Weather Report.

Jeans

O livro começa com a infância humilde do baterista em Realengo, ao lado dos pais, Antônio (pernambucano) e Justina (paulista), e dos irmãos. A família não tinha grande envolvimento com a música. As sessões de umbanda que a mãe promovia em casa serviram de iniciação: aos 9 anos, Robertinho já tocava tambor e dominava as batidas dos rituais.

No final da adolescência, depois de desistir de uma calça Levis, ele comprou a primeira bateria – seu passaporte para o universo dos conjuntos, bailes e boates cariocas. A empolgação cresceu depois de assistir ao filme Gene Krupa, o rei do ritmo, sobre o famoso baterista norte-americano de jazz, astro de bigs bands. O novato quis saber mais sobre o tal método de ensino de Krupa e, antes de começar a definir seu próprio estilo, assimilou influências de Plínio Araújo (Orquestra Tabajara) e de Edson Machado, Milton Banana e Dom Um Romão, importantes bateristas da bossa nova.

Não demorou até Robertinho conhecer o primeiro músico mineiro, o pianista Wagner Tiso, em 1965. Inicialmente, pensou se tratar do novo garçom da boate onde tocava. Tornaram-se amigos. Robertinho foi, então, apresentado a Milton Nascimento, mas não deu tanta atenção àquele que se tornaria um de seus grandes companheiros profissionais. O carioca se ligou a Bituca aos poucos, à medida que ouvia composições dele, como Canção do sal e Morro velho.

Relax


Com cerca de 10 discos autorais gravados, Robertinho recentemente resolveu parar para ouvi-los. “Faço isso para me estimular a compor. Estou numa fase ‘coração de estudante’, estudando. Sempre temos o que aprender. Passei uns 50 anos ouvindo os outros”, afirma. A iniciativa parece já ter surtido efeito, pois ele acaba de concluir uma trilha sonora para a bailarina Soraia Silva, de Brasília.

“Com a minha idade, sento na bateria e parece que estou começando. O relaxamento é total, não preciso ficar naquele treino danado. Tenho mais tranquilidade para conduzir o ritmo”, explica. Entre viagens pelo Brasil e exterior – Belém, São Paulo, Indonésia, Dinamarca, Holanda –, o músico busca tempo para concluir o disco Batuca Zé, gravado com o percussionista pernambucano Erick Faustino.
 (H. Sheldon/reprodução  )

SE A MINHA BATERIA FALASSE...

De Robertinho Silva e Miguel Sá
Editora H. Sheldon, 370 páginas, R$ 57
• Noite de autógrafos e show amanhã, às 22h, na Status Livraria, Café & Cultura (Rua Pernambuco, 1.150, Savassi). Couvert: R$ 20. Informações: (31) 3261-6045.

 (Sebastien Nogier/AFP)


Weather Report
Por pouco Robertinho Silva teria sido baterista do Weather Report. As gravações do grupo de jazz fusion norte-americano eram realizadas sempre em segredo. Ele recebeu o convite por meio da cunhada do saxofonista Wayne Shorter (foto), um dos integrantes da banda. Com boas performances nas baquetas, tudo correu bem até a chegada do tecladista Joe Zawinul, que se desentendeu com Robertinho no estúdio. O brasileiro havia sido elogiado durante um tema de Shorter e, a contragosto de Zawinul, manteve a posição sobre como deveria tocar bateria numa composição do tecladista. Foi a gota d’água.

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