Propósitos de ano-novo
Quem é feliz sabe muito bem que a felicidade é um estado de espírito, uma sabedoria de vida, uma leveza de coração
Frei Betto
Estado de Minas: 01/01/2014
passagem do ano
costuma significar, para muitos de nós, época de bons propósitos. Damos
um balanço no ano que findou e, frente ao que se inicia, prometemos a
nós mesmos ao menos não repetir os erros cometidos. Tais propósitos
variam muito. Para uns, ficar menos dependentes do celular e da internet
e dar um pouco mais de atenção aos familiares. Para outros, evitar a
obesidade e o risco de diabetes, fazer exercícios físicos e reduzir a
comilança engordativa.
O fato é que cada um de nós sabe exatamente onde dói o calo. Resta ter força de vontade para pisar mais leve no chão da vida e evitar tropeços. Mudar de ano e mudar de vida é o que muitos de nós gostariam. O que favorece a distância, por vezes enorme, entre os nossos propósitos e a nossa prática? Por que nem sempre somos coerentes com os ideais que abraçamos?
Aprendi com os mestres da mística que, ao fazer propósitos, temos que primeiro nos perguntar: procedo para agradar a mim mesmo ou preferencialmente aos olhos alheios? Muitas vezes somos movidos a agir contrariando nossa própria vontade, por colocarmos a nossa autoestima na opinião alheia e não na felicidade do nosso coração. É como a mulher que usa salto agulha, embora suportando a dor nos pés e o desconforto da coluna, além do risco de um tombo. Porém, assim ela se considera mais elegante e sedutora aos olhos alheios.
“Onde está o teu tesouro, aí está o teu coração”, disse Jesus (Mateus 6, 21). Se o nosso coração se deixa imantar pela vaidade, pela ambição, pela inveja, é natural que adotemos procedimentos pautados por essa escala de “valores”.
Em uma sociedade tão consumista e competitiva como a nossa, não é fácil sentir-se bem consigo mesmo. A cultura neoliberal impregna o nosso inconsciente de motivações que reduzem o valor que damos a nós mesmos. O tempo todo somos bombardeados pela publicidade que alardeia não ser feliz quem não possui tal carro, não mora em tal bairro, não veste tal grife, não faz tal viagem.
Vejam como nas peças publicitárias todos são felizes e saudáveis! Vejam como os ricos e famosos, que têm acesso a todos esses produtos de luxo, são esbeltos e alegres! Como canta Chico Buarque em Ciranda da bailarina: “Procurando bem / Todo mundo tem pereba / Marca de bexiga ou vacina / E tem piriri, tem lombriga, tem ameba / Só a bailarina que não tem”.
Assim, dançamos conforme a música do consumismo, na esperança de que aquilo que é tido como valor – o carro de luxo, por exemplo – impregne de valor também quem o possui. Sem a posse de produtos de grife e que, supostamente, elevam o nosso status, nos sentimos desvalorizados. Afinal, vivemos em uma sociedade capitalista na qual ninguém tem valor pelo simples fato de ser uma pessoa. Vejam os mendigos e moradores de rua. Quem lhes dá valor?
Para a idolatria do mercado o que possui valor é o produto – o fetiche denunciado por Marx. A pessoa só tem valor se ela se apresenta revestida de produtos valorizados pelo mercado. Assim, o sujeito se faz objeto e o objeto, sujeito.
Eis a inversão total que favorece a depressão, o suicídio e a dependência química. Nesse reino do deus mercado, no qual poucos são os escolhidos e muitos os excluídos, a felicidade é um bem escasso e difícil de ser alcançado, até pelo fato de ser não mercantilizável. Quem no mercado oferece o que mais buscamos, a felicidade? O mercado tenta nos iludir sob a promessa de que a felicidade é o resultado da soma de prazeres.
Quem é feliz sabe muito bem que a felicidade é um estado de espírito, uma sabedoria de vida, uma leveza de coração, uma questão de conteúdo e não de forma, que plenifica, eleva o nosso bem-estar espiritual e faz mergulhar no inefável oceano da amorosidade.
Para alcançá-la é preciso nascer de novo, fazer-se novo no ano-novo, e ousar reduzir a distância entre os bons propósitos e a prática cotidiana viciada por fatores que nos afastam dela. Feliz ano-novo, meus queridos(as) leitores!
PS: Teremos um novo ano curto para aqueles que iniciam a rotina depois do carnaval. Então, serão normais março, abril e maio. Em junho e julho, a Copa do Mundo. Em agosto, setembro e outubro, as eleições. Em novembro, os enfeites da Natal serão desempacotados e logo serão Natal e ano-novo.
O fato é que cada um de nós sabe exatamente onde dói o calo. Resta ter força de vontade para pisar mais leve no chão da vida e evitar tropeços. Mudar de ano e mudar de vida é o que muitos de nós gostariam. O que favorece a distância, por vezes enorme, entre os nossos propósitos e a nossa prática? Por que nem sempre somos coerentes com os ideais que abraçamos?
Aprendi com os mestres da mística que, ao fazer propósitos, temos que primeiro nos perguntar: procedo para agradar a mim mesmo ou preferencialmente aos olhos alheios? Muitas vezes somos movidos a agir contrariando nossa própria vontade, por colocarmos a nossa autoestima na opinião alheia e não na felicidade do nosso coração. É como a mulher que usa salto agulha, embora suportando a dor nos pés e o desconforto da coluna, além do risco de um tombo. Porém, assim ela se considera mais elegante e sedutora aos olhos alheios.
“Onde está o teu tesouro, aí está o teu coração”, disse Jesus (Mateus 6, 21). Se o nosso coração se deixa imantar pela vaidade, pela ambição, pela inveja, é natural que adotemos procedimentos pautados por essa escala de “valores”.
Em uma sociedade tão consumista e competitiva como a nossa, não é fácil sentir-se bem consigo mesmo. A cultura neoliberal impregna o nosso inconsciente de motivações que reduzem o valor que damos a nós mesmos. O tempo todo somos bombardeados pela publicidade que alardeia não ser feliz quem não possui tal carro, não mora em tal bairro, não veste tal grife, não faz tal viagem.
Vejam como nas peças publicitárias todos são felizes e saudáveis! Vejam como os ricos e famosos, que têm acesso a todos esses produtos de luxo, são esbeltos e alegres! Como canta Chico Buarque em Ciranda da bailarina: “Procurando bem / Todo mundo tem pereba / Marca de bexiga ou vacina / E tem piriri, tem lombriga, tem ameba / Só a bailarina que não tem”.
Assim, dançamos conforme a música do consumismo, na esperança de que aquilo que é tido como valor – o carro de luxo, por exemplo – impregne de valor também quem o possui. Sem a posse de produtos de grife e que, supostamente, elevam o nosso status, nos sentimos desvalorizados. Afinal, vivemos em uma sociedade capitalista na qual ninguém tem valor pelo simples fato de ser uma pessoa. Vejam os mendigos e moradores de rua. Quem lhes dá valor?
Para a idolatria do mercado o que possui valor é o produto – o fetiche denunciado por Marx. A pessoa só tem valor se ela se apresenta revestida de produtos valorizados pelo mercado. Assim, o sujeito se faz objeto e o objeto, sujeito.
Eis a inversão total que favorece a depressão, o suicídio e a dependência química. Nesse reino do deus mercado, no qual poucos são os escolhidos e muitos os excluídos, a felicidade é um bem escasso e difícil de ser alcançado, até pelo fato de ser não mercantilizável. Quem no mercado oferece o que mais buscamos, a felicidade? O mercado tenta nos iludir sob a promessa de que a felicidade é o resultado da soma de prazeres.
Quem é feliz sabe muito bem que a felicidade é um estado de espírito, uma sabedoria de vida, uma leveza de coração, uma questão de conteúdo e não de forma, que plenifica, eleva o nosso bem-estar espiritual e faz mergulhar no inefável oceano da amorosidade.
Para alcançá-la é preciso nascer de novo, fazer-se novo no ano-novo, e ousar reduzir a distância entre os bons propósitos e a prática cotidiana viciada por fatores que nos afastam dela. Feliz ano-novo, meus queridos(as) leitores!
PS: Teremos um novo ano curto para aqueles que iniciam a rotina depois do carnaval. Então, serão normais março, abril e maio. Em junho e julho, a Copa do Mundo. Em agosto, setembro e outubro, as eleições. Em novembro, os enfeites da Natal serão desempacotados e logo serão Natal e ano-novo.
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