sábado, 1 de fevereiro de 2014

Eduardo Almeida Reis - Delírios‏

Delírios 
 
Todos conhecemos senhoras e senhoritas que trocam diversas fronhas por dia 
 
Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 01/02/2014

Concurso de carros antigos na Inglaterra. Primeiro prêmio: 20 mil libras. Pena que não realizem concursos de homens antigos, mas vou falar de outra coisa, a meu ver seriíssima. A psiquiatria tem estudado o delírio ambulatório, isto é, deambulatório: que deambula, passeia sem rumo, desnorteado, erradio. É a dromomania, que na rubrica psicopatologia significa impulso incontrolável e mórbido para viajar, especialmente abandonar os lugares onde golpes emocionais foram sofridos. Se o sujeito é rico, vive metido nos aviões e navios para deambular por Ceca e Meca, sem esquecer os olivais de Santarém e a Turquia, que está na moda. Paris, então, nem se fala. Se o sujeito é pobre deambula sem rumo e sem banhos, a esmo, descalço, pelos acostamentos das estradas: é o andarilho. Dia desses, tive notícia de um sujeito que sempre foi maluco: “Ele está muito bem, só que não saí de casa”. Pronto: aí temos outro quadro psiquiátrico. Qual seria o antônimo de andarengo, de andeiro? De errante é fixo, sedentário. Portanto, o caseiro padece de um delírio sedentário, meu caso de uns anos a esta parte. Sair por quê e para quê? Trabalho em casa muitas horas por dia, todos os dias da semana. Hoje é domingo, faltam 10 minutos para as quatro da tarde e estou agarrado ao computador. Já escrevi 657 palavras e teria escrito mais que 2 mil se não estivesse lendo um livro muito bom e não fosse obrigado a esquentar o almoço no belo micro-ondas Cuisinart. Durante séculos saí de casa todos os dias para estudar, estudar e trabalhar, trabalhar, viajar trabalhando, fazer turismo, jantar fora, namorar – essas coisas. Hoje, sair para quê? As ruas estão perigosíssimas, as conversas (geralmente) muito cacetes, tenho bebido pouquíssimo, em domicílio há comida ótima, computador, jornais, televisor grande, chuveiro, cama de viúva, livros a montões, charutos. E água mineral gelada. Faz calor. Vou tomar um copo grande e talvez volte para continuar nossa conversa.


Sinonímia
Tenho sido “removido com sucesso”, depois que aprendi a procurar na lista imensa de e-mails recebidos um lugar em que, clicando, me dizem que fui removido com sucesso. O leitor, que me conhece de outros carnavais, sabe que sou educadíssimo e incapaz de escrever aquela palavra de quatro letras, que começa com pê. Por isso recorro à sinonímia, que retirei de um livro de Eduardo Frieiro, para lhes dizer que o meu endereço eletrônico particular foi vendido por um filho de berregã, messalina, vênus vaga, afrodita mercenária, frineia de sarjeta, Dalila barata, zabaneira, peripatética, horizontal, rascoa, galdrana, michela, trintaques, franjoca, fúcia, forpela, fregona – foi vendido a um comprador de listas de endereços, que, por seu turno, não passa de um filho da ambubaia, ganirra, malunga, comborça, calona, patragona, cambonda, boneja, bagacha, polha, rebombeira. Há mais, muitos mais nomes para qualificar quem vende e quem compra as tais listas.


Dificuldade
É claro, como também é óbvio e evidente, que deve haver um jeito para enfronhar um travesseiro. O adjetivo enfronhado, que se enfronhou, significa tornar(-se) versado, instruir(-se), tomar conhecimento pleno de um assunto, coisa que não consigo na hora de enfiar meu travesseiro numa fronha compatível. Não deve ser difícil, mas prefiro escrever 800 palavras: acho mais fácil e mais divertido do que enfiar o travesseiro no saco que tricoline que retiro do armário. Todos conhecemos senhoras e senhoritas que trocam diversas fronhas por dia. Se exerce a função de arrumadeira de motel, a brasileira troca dúzias por hora, além de limpar os apartamentos. Falta ao operário brasileiro, com raras exceções, a eficiência da arrumadeira de motel. Até aqui foram 120 palavras e não tive a milésima parte do trabalho de ontem, quando fui obrigado a trocar a fronha do travesseiro lá do quarto.


O mundo é uma bola
1º de fevereiro de 1718: erupção da Montanha do Pico, na Praia do Almoxarife, nos Açores. Em rigor, a notícia não teria o menor interesse nestas Minas e neste ano de 2014, não fosse o fato de o Pico ser a terra natal do meu bom amigo Artur T. Bettencourt, advogado em Pouso Alegre. Em 1908, o rei Carlos I de Portugal e o seu filho mais velho Luís Filipe, duque de Bragança, são assassinados no Terreiro do Paço, em Lisboa, por Manuel Buiça e Alfredo Costa, membros da Carbonária. No mesmo dia, Manuel II ascende ao trono. A Carbonária foi uma sociedade secreta que atuou na Itália, França, Espanha e Portugal nos séculos 19 e 20. Em 1918, a Rússia adota o Calendário Gregoriano. Em 1924, o Reino Unido reconhece a União Soviética. Em 1924, enquanto o Reino Unido reconhecia a URSS, o papa Pio XI elevava a diocese de Belo Horizonte à categoria de arquidiocese. Em 1952, no Rio de Janeiro, inauguração do Aeroporto Internacional do Galeão, que hoje luta para ser reinaugurado antes da Copa. Em 1974, incêndio no Edifício Joelma, em São Paulo, mata 179 e fere 300 pessoas. Hoje é o Dia do Publicitário.


Ruminanças
“É afinal o Rio de Janeiro a única cidade brasileira em que vale a pena morar” (Eduardo Frieiro, 1889-1982).

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