sábado, 15 de fevereiro de 2014

Há 150 anos, tinha início a Guerra do Paraguai

Sangue no sul
 
Há 150 anos, tinha início a Guerra do Paraguai, maior conflito armado registrado na região e que ainda desafia os historiadores. Quadro de Pedro Américo sobre o conflito é tema de livro


Carlos Herculano Lopes
Estado e Minas: 15/02/2014


Em 1877, chegava ao Brasil o quadro Batalha do Avaí, de Pedro Américo (1843-1905) (Museu Nacional de Belas Artes/Reprodução)
Em 1877, chegava ao Brasil o quadro Batalha do Avaí, de Pedro Américo (1843-1905)


Guerra do Paraguai para os brasileiros; Guerra da Tríplice Aliança para o Brasil e seus aliados Uruguai e Argentina; e Grande Guerra para os paraguaios. Seja qual for o nome que se dê ao conflito, o maior já acontecido até hoje no hemisfério sul, e que resultou na morte de milhares de pessoas dos países envolvidos – com a destruição quase completa do Paraguai, que perdeu mais de 90% da sua população masculina –, este ano completam-se 150 anos do início da grande conflagração, que se estendeu por seis anos, até 1870.

Entre as causas imediatas da guerra, de acordo com Moacir Assunção, autor de Nem heróis nem vilões, um dos estudos mais completos sobre o período, havia desde antigas pendências de fronteira entre o Brasil e o Paraguai, na região da então província do Mato Grosso, até questões políticas envolvendo o Uruguai. (Em outubro de 1864, o Brasil invadiu o país, ajudando a depor um governo aliado do Paraguai, que considerou o ataque um ato de guerra.) Sem falar do desejo do ditador Francisco Solano López de ter mais poder de decisão e voz ativa nas questões da Bacia do Prata, já que não se sentia ouvido o suficiente.

De uma forma ou de outra, tendo também fracassado os esforços diplomáticos feitos pelos lados envolvidos para evitar a guerra, como lembra o historiador Alfredo da Mota Menezes no livro Guerra do Paraguai – Como construímos o conflito, em 13 de dezembro de 1864, o Paraguai declarou formalmente guerra ao Brasil e se preparou para invadir o Rio Grande do Sul. Duas semanas depois, as tropas de Solano López atacaram o Forte Coimbra, no Mato Grosso, e colocaram os brasileiros para correr.

Pouco tempo depois, após o presidente argentino Bartolomé Mitre, que viria a ser o primeiro comandante-chefe das tropas aliadas, ter negado a López permissão de atravessar a província de Corrientes, para invadir o Rio Grande do Sul, este declarou guerra à Argentina, que entrou na briga. O novo presidente do Uruguai, Venâncio Flores, colocado no poder pelos brasileiros, também se voltou contra o Paraguai e, em 1º de maio de 1865, é assinado o Tratado da Tríplice Aliança. Por meio dele, os signatários se aliam, segundo Moacir Assunção, “para enfrentar Solano López, derrubá-lo e garantir a livre negociação nos rios”.

O que se esperava ser uma guerra breve, como era desejo dos aliados, ávidos para se ver logo livres do “tirano do Prata”, como se referiam a López, no entanto se arrastou por seis longos anos devido à obstinada resistência dos paraguaios, que lutaram com uma bravura não esperada. Ainda de acordo com Assunção, havia anos que Solano López vinha se preparando para o conflito. Daí a resistência demonstrada por suas tropas em batalhas épicas, como Tuiuti, Avaí, Itororó, Lomas Valentinas, Curupaiti, Riachuelo, Humaitá e tantas outras.

A guerra só viria a acabar de vez em 1º de março de 1870, quando uma tropa brasileira, comandada pelo general Câmara, alcançou o já devastado Exército paraguaio, tendo López à frente, na localidade de Cerro Corá, perto da fronteira com o Mato Grosso. Intimado a se render, o ditador paraguaio, depois de ter dito uma célebre frase – “Morro com a minha pátria e com minha espada nas mãos” –, foi atingido por um golpe de lança desferido pelo cabo gaúcho Chico Diabo, e por um tiro de fuzil dado por um soldado. Foi morto também seu filho Panchito, de 15 anos, já coronel do Exército, e feita prisioneira sua mulher, a irlandesa Elisa Lynche, que López havia conhecido na França, para onde, quando mais jovem, tinha ido em missão oficial.

Mas, o que essa guerra, que destroçou o país vizinho, que até hoje, 150 anos depois, não conseguiu se recuperar plenamente, significou para os vitoriosos? De acordo com Moacir Assunção, que esteve várias vezes no Paraguai para pesquisas que resultaram em seu livro, o conflito deixou marcas na história de todos os envolvidos. Para o Brasil, segundo ele, significou o fim da monarquia e o início da República, que seria proclamada 19 anos depois; a ascensão do Exército como ator político de peso, e a confirmação da liderança do país (em muitos momentos dividida com a Argentina) na América do Sul. E, no caso do Uruguai, a submissão ao Brasil por muito tempo. “A meu ver, foi a Argentina o país que mais se beneficiou com a guerra, pois depois dela começou um período de prosperidade que só vai se encerrar no governo Péron. O PIB da Argentina, no começo do século 20, era duas vezes maior do que o do Brasil”, destaca o historiador.



Quadro de Pedro Américo sobre a guerra do Paraguai é tema do livro  Nem heróis nem vilões, de Moacir Assunção (Museu Nacional de Belas Artes/Reprodução)
Quadro de Pedro Américo sobre a guerra do Paraguai é tema do livro Nem heróis nem vilões, de Moacir Assunção

três perguntas para...

Moacir Assunção
Autor de Nem heróis nem vilões

Em Genocídio americano: a Guerra do Paraguai, Julio Chiavenato sustentava que a Inglaterra patrocinou a guerra por não aceitar o suposto desenvolvimento do Paraguai, que contrariava os seus interesses comerciais na região. Como você avalia essa interpretação anti-imperialista, que fez muito sucesso nos anos 1970?

O que foi possível perceber, pelos documentos que obtive, foi que a Inglaterra não patrocinou ou colaborou para que a guerra eclodisse. Há registros de um representante daquele país tentando a paz. A Inglaterra, inclusive, estava de relações rompidas com o Brasil naquele momento histórico porque o Império tinha expulsado o seu embaixador, na famosa Questão Christie. O grande mérito do livro de Chiavenato, a meu ver, foi ter trazido novamente a discussão sobre a guerra à tona.

Você acha que a guerra contribuiu para a integração nacional?

Sem dúvida. No início, os gaúchos achavam que a guerra era somente deles. Depois viram que, sozinhos, sem os “baianos”, jamais conseguiriam vencer o Exército paraguaio. A guerra também foi “republicana” e antiescravista em sua essência, já que os soldados negros lutaram com muita valentia, e o conflito teve também o mérito de ajudar a sepultar a escravidão como instituição.

Afinal de contas, quais foram os heróis e os vilões da Guerra do Paraguai?

Considero o general Osório, em muitos aspectos, mais importante do que o duque de Caxias. O conde D’Eu, por sua vez, tem uma péssima imagem no Paraguai, onde ainda hoje é chamado de “la bestia rubia” por sua crueldade e pela cabeleira loira. Solano López, para mim, foi um general incompetente, que jogou o seu povo num atoleiro sem fim. Foi um déspota, não um patriota socialista, como achávamos antes.



Em 1877, chegava ao Brasil o quadro Batalha do Avaí, de Pedro Américo (1843-1905) (Museu Nacional de Belas Artes/Reprodução)
Em 1877, chegava ao Brasil o quadro Batalha do Avaí, de Pedro Américo (1843-1905)

Quadro de Pedro Américo sobre a guerra do Paraguai é tema do livro  Nem heróis nem vilões, de Moacir Assunção (Museu Nacional de Belas Artes/Reprodução)
Quadro de Pedro Américo sobre a guerra do Paraguai é tema do livro Nem heróis nem vilões, de Moacir Assunção

Para saber mais
. A Guerra do Paraguai – A grande tragédia rioplatense, de León Pomer, Editora Global.
. A retirada da Laguna, de Visconde de Taunay, Ediouro.
. Genocídio americano: a Guerra do Paraguai, de Júlio Chiavenato, Editora Brasiliense.
. Guerra do Paraguai – como construímos o conflito, de Alfredo da Mota Menezes, Editora Contexto.
. Imprensa em tempos de guerra: o jornal O Jequitinhonha e a Guerra do Paraguai, de Maria de Lourdes Reis, Edições Cuatiara.
. Maldita guerra – Nova história da Guerra do Paraguai, de Francisco Doratioto, Editora Companhia das Letras.
. Nem heróis, nem vilões – Curepas, caboclos, cambás, macaquitos e outras revelações da sangrenta Guerra do Paraguai, de Moacir Assunção, Editora Record.


BATALHA DO AVAÍ – A BELEZA DA BARBÁRIE: A GUERRA DO PARAGUAI PINTADA POR PEDRO AMÉRICO
De Lilia Moritz Schwarcz e outros
Editora Sextante, 174 páginas, R$ 150


A política das imagens

João Paulo

Em 1877, chegava ao Brasil o quadro Batalha do Avaí, de Pedro Américo (1843-1905), vindo da Itália, depois de quatro anos de intenso trabalho do pintor e de sua equipe. A grandiosa tela, de 50 metros quadrados, foi encomendada para celebrar a campanha brasileira na Guerra do Paraguai (1864-1870). Se a princípio tratava-se de uma obra de arte sobre um tema político, em pouco tempo se tornou uma obra política em si. O que estava na tela era uma leitura acurada da história do Brasil próximo ao fim do Segundo Reinado. O livro A Batalha do Avaí %u2013 A beleza da barbárie: a Guerra do Paraguai pintada por Pedro Américo, de Lilia Moritz Schwarcz, Lúcia Klück Stumpf e Carlos Lima Júnior, é um exercício de pesquisa e narrativa histórica a partir da célebre pintura.

O quadro impressiona. É imenso, movimentado, recheado de cenas violentas, olhares amedrontados, mortos e vivos com medo da morte. Ao retratar a batalha do Avaí, ocorrida em 1868, Pedro Américo usa todos os elementos estéticos de seu tempo. Mas vai além. Ao manipular símbolos e metáforas visuais, acaba por tecer um comentário político refinado, que não passou despercebido por seus contemporâneos. Além disso, a forma de dispor seus personagens na tela parece figurar uma análise sociológica dos vários estratos sociais.

Sem falar do tratamento dado às grandes figuras históricas, como o general Osório e o duque de Caxias, que simbolizam as duas grandes vertentes ideológicas da política brasileira imersas no conflito, os liberais e os conservadores. Caxias é retratado de maneira altiva, observando a batalha a certa distância, como quem dirige a cena sem participar dela. Osório é o herói que comanda as tropas de arma na mão e se arrisca pelo país. Todos entenderam a mensagem.

A Guerra do Paraguai foi um divisor de águas na história brasileira. Os custos da guerra, além de milhares de vidas, aceleraram a luta abolicionista e a campanha republicana. Tudo isso pode ser lido no quadro de Pedro Américo. Em cuidadosa análise do painel, os autores mostram desde o plano geral (com brasileiros fardados e paraguaios seminus e descalços, a apontar a diferença de estágio de civilização), até detalhes como a presença de escravos libertos, de saqueadores, de civis e crianças mortos no conflito.

O livro, em grande formato e com tratamento gráfico sofisticado, sob a direção de Victor Burton, permite análise de cada quadrante da obra e traz ainda uma discussão estética muito bem conduzida, passando em revista as possíveis inspirações de Pedro Américo e a iconografia de batalhas na arte brasileira e europeia. Os autores estudam ainda as acusações de plágio dirigidas ao pintor e estampam um interessante capítulo sobre o %u201Coutro lado%u201D, ou seja, a forma como os artistas paraguaios figuraram a célebre batalha.

Um livro que mostra como as imagens são capazes de contar histórias e fazer história.

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