Um mestre para sempre
Maria Ester Maciel
memaciel.em@gmail.com
Estado de Minas: 11/02/2014
Foi com tristeza e
perplexidade que recebi, no início deste mês, a notícia da trágica morte
de Eduardo Coutinho – cineasta brasileiro de primeira grandeza, que,
com seus documentários magníficos, mexeu com a cabeça e a sensibilidade
de muita gente no Brasil e no mundo. Um cineasta que, já com 80 anos,
estava em plena atividade criativa.
Não conheci Eduardo Coutinho pessoalmente, nem nunca troquei qualquer palavra com ele por carta, e-mail ou telefone. Mas sempre o tive como uma pessoa próxima e querida, graças ao que me proporcionou nos seus filmes em termos de emoção e reflexão. Desde o primeiro que vi, Cabra marcado para morrer (1984), não tive dúvidas de que se tratava de um dos maiores cineastas brasileiros de todos os tempos. O que se confirmou nos filmes posteriores, como Edifício Master (2002), Jogo de cena (2007) e As canções (2011) – que foram os que mais me tocaram, entre todos.
Como se sabe, Coutinho foi um mestre da entrevista. Esse recurso foi o mais usado em seus documentários, tendo adquirido nuances cada vez mais peculiares de filme para filme. Coutinho cultivava um interesse genuíno por tudo o que é humano, e tinha um jeito especial para se aproximar e conversar com pessoas as mais diversas. Diante de sua presença tranquila e confiável, os entrevistados – em geral, pessoas comuns, anônimas – tendiam a se soltar, ficando à vontade para falar de suas próprias vidas. Isso se vê claramente nesses três documentários que mencionei. Neles, as pessoas falam de suas experiências de vida, contam histórias, choram, riem, e até revelam segredos. Coutinho não as intimida; não se impõe a elas. Seu rosto quase não aparece na tela, sua voz é baixa, e suas palavras, comedidas. Para ele, as pessoas são o que importa, e não o diretor-entrevistador.
O mais interessante nos filmes de Coutinho é a maneira como ele consegue misturar realidade e ficção. Essa mistura define sobretudo o Jogo de cena, que tive a alegria de rever no último sábado à noite, no canal Arte 1. O documentário é feito com depoimentos de mulheres comuns – que atenderam a um anúncio de jornal para relatar, diante da câmera, algum episódio marcante de sua vida – e atrizes que contam, à sua maneira, a mesma história dos relatos. A alternância entre as voluntárias e as atrizes acaba por diluir os limites entre quem viveu e quem interpreta as experiências narradas. Verdadeiro e falso, realidade e ficção se embaralham de forma impressionante. E o que é mais notável: em muitas cenas, a interpretação se torna mais convincente do que o próprio depoimento.
Em As canções e Edifício Master, o recurso é diferente, embora com semelhanças. No primeiro, as pessoas falam sobre as canções que mais as tocaram na vida. No segundo, 37 moradores de um enorme prédio residencial de Copacabana contam suas histórias de vida e apresentam seus pequenos apartamentos ao diretor-entrevistador. Com esses relatos comoventes (alguns impactantes), o cineasta conta também a história do próprio edifício que dá nome ao filme.
Eduardo Coutinho certamente ficará na história e na memória de todas essas pessoas que trabalharam com ele. E, é claro, ficará também na história e na memória de quem assistiu aos filmes que nos deixou.
Descanse em paz, grande mestre.
Não conheci Eduardo Coutinho pessoalmente, nem nunca troquei qualquer palavra com ele por carta, e-mail ou telefone. Mas sempre o tive como uma pessoa próxima e querida, graças ao que me proporcionou nos seus filmes em termos de emoção e reflexão. Desde o primeiro que vi, Cabra marcado para morrer (1984), não tive dúvidas de que se tratava de um dos maiores cineastas brasileiros de todos os tempos. O que se confirmou nos filmes posteriores, como Edifício Master (2002), Jogo de cena (2007) e As canções (2011) – que foram os que mais me tocaram, entre todos.
Como se sabe, Coutinho foi um mestre da entrevista. Esse recurso foi o mais usado em seus documentários, tendo adquirido nuances cada vez mais peculiares de filme para filme. Coutinho cultivava um interesse genuíno por tudo o que é humano, e tinha um jeito especial para se aproximar e conversar com pessoas as mais diversas. Diante de sua presença tranquila e confiável, os entrevistados – em geral, pessoas comuns, anônimas – tendiam a se soltar, ficando à vontade para falar de suas próprias vidas. Isso se vê claramente nesses três documentários que mencionei. Neles, as pessoas falam de suas experiências de vida, contam histórias, choram, riem, e até revelam segredos. Coutinho não as intimida; não se impõe a elas. Seu rosto quase não aparece na tela, sua voz é baixa, e suas palavras, comedidas. Para ele, as pessoas são o que importa, e não o diretor-entrevistador.
O mais interessante nos filmes de Coutinho é a maneira como ele consegue misturar realidade e ficção. Essa mistura define sobretudo o Jogo de cena, que tive a alegria de rever no último sábado à noite, no canal Arte 1. O documentário é feito com depoimentos de mulheres comuns – que atenderam a um anúncio de jornal para relatar, diante da câmera, algum episódio marcante de sua vida – e atrizes que contam, à sua maneira, a mesma história dos relatos. A alternância entre as voluntárias e as atrizes acaba por diluir os limites entre quem viveu e quem interpreta as experiências narradas. Verdadeiro e falso, realidade e ficção se embaralham de forma impressionante. E o que é mais notável: em muitas cenas, a interpretação se torna mais convincente do que o próprio depoimento.
Em As canções e Edifício Master, o recurso é diferente, embora com semelhanças. No primeiro, as pessoas falam sobre as canções que mais as tocaram na vida. No segundo, 37 moradores de um enorme prédio residencial de Copacabana contam suas histórias de vida e apresentam seus pequenos apartamentos ao diretor-entrevistador. Com esses relatos comoventes (alguns impactantes), o cineasta conta também a história do próprio edifício que dá nome ao filme.
Eduardo Coutinho certamente ficará na história e na memória de todas essas pessoas que trabalharam com ele. E, é claro, ficará também na história e na memória de quem assistiu aos filmes que nos deixou.
Descanse em paz, grande mestre.
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