quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Marina Colasanti - Com notas de pé de página‏

Com notas de pé de página 
 
Marina Colasanti - marinacolasanti.s@gmail.com
Estado de Minas: 20/02/2014


Caçadores de obras-primas não é um grande filme, mas conta uma grande história, mais interessante porque real. Eu o vi cheia de anotações de pé de página, porque, como quem entra na sala de projeção portando aquele copázio de pipocas, sentei na minha poltrona levando três visões complementares.

Poucos dias antes havia visto Matt Damon, George Clooney e Jean Dujardin sendo entrevistados na televisão italiana. Não caçavam obras de arte, promoviam o lançamento, e o faziam com o charme que já conhecemos. Clooney, diretor do filme, praticamente não tocou no conteúdo dramático daquele episódio da Segunda Guerra. Talvez por estar na Itália, antiga aliada da Alemanha, preferiu conduzir a conversa com leveza, falar da amizade do grupo, de seu entrosamento. E, em resposta a uma pergunta do entrevistador, contou que, recentemente, em sua vila no Lago de Como, havia recebido um telefonema de Bill Murray – ator imprevisível e outro dos caçadores –, dizendo que estava no aeroporto de Milão, podia mandar buscá-lo? Recolhido, instalou-se na vila e, sem que nenhum convite tivesse sido formulado, ali ficou serenamente por duas semanas.
Vendo o filme, diante de um Murray fardado em meio à lama e às explosões do combate, eu o desdobrava, imaginando-o deitado numa espreguiçadeira à beira do lago que tão bem conheço, tomando campari. Mas é certo que tomasse uísque.

Bem mais dramática era a outra visão que me habitava. Dois dias antes, por pura coincidência, havia visto um documentário brilhante sobre a paixão de Hitler por arte. Filmes de época, feitos certamente com intuito propagandístico, o mostram percorrendo as grandes exposições realizadas em Munique e Berlim. Comprador compulsivo, de cada exposição adquiria centenas de obras para a sua coleção pessoal. Era o começo da sua decisão de construir em Linz, sua cidade natal na Áustria, o maior e mais importante museu do Ocidente. Cenas o mostram ao lado do arquiteto Albert Speer, examinando projetos, e mais tarde maquetes dessa construção gloriosa. Tão gloriosa, que deveria ser construída pensando nas ruínas que séculos mais tarde ofereceria ao mundo, mais imponentes que as da Roma imperial. Para preencher esse futuro museu, Hitler ordenou a razzia de obras de arte.

No documentário, a cena mais surpreendente é a da primeira visita do Führer à Paris ocupada. Seis horas da manhã, ruas desertas, o jipe para diante da Opera. Ele desce, percorre tudo, e estranha a ausência de uma antessala que havia sido suprimida em obra anterior: apaixonado por ópera, conhecia de cor a planta do teatro.

A terceira visão que foi comigo ao cinema é pessoal. Menina na Itália durante a guerra, via monumentos protegidos, as grandes colunas comemorativas de Roma envoltas em acolchoados e escoradas por estruturas metálicas. Naquela cidade que é um museu ao ar livre, muitas eram as ausências de que não me dava conta. Perto da casa da minha avó, passava frequentemente por uma praça chamada Das Tartarugas, com uma fonte no meio, mas nenhuma tartaruga que lhe justificasse o nome. Só anos depois do fim da guerra, quando os tesouros artísticos que haviam sido retirados e escondidos voltaram ao seu lugar, conheci as tartarugas e os quatro efebos de bronze que as sustentam acima da cuba de pedra.

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