Combustível feito a partir do plástico
Indianos transformam pedaços de sacolas em um óleo que poderá substituir a gasolina. Ideia é criar usinas geradoras da nova fonte de energia
Roberta Machado
Estado de Minas: 20/02/2014
Brasília – A crise
dos plásticos e a dos combustíveis caminham em direções opostas, mas em
um ritmo igualmente preocupante para o meio ambiente: enquanto a
escassez do petróleo aumenta a necessidade por outras fontes de energia,
milhões de toneladas de plástico produzidos todos os anos se amontoam
em verdadeiros mares e montanhas residuais, que crescem a uma velocidade
maior do que a reciclagem consegue acompanhar. A esperança para esse
impasse está no avanço de uma linha de pesquisa que estuda a
transformação do lixo abundante na preciosa matéria energética. Por meio
de um processo chamado pirólise, cientistas conseguem submeter o
plástico a um processo químico que o transforma num óleo com
propriedades petroquímicas.
O processo é descrito em um artigo da última edição da revista especializada International Journal of Environment and Waste Management, no qual uma equipe de engenheiros indianos publica os resultados de experimentos recentes com a reciclagem química do plástico. Os cientistas cozinharam pedaços de sacolas plásticas a até 500 graus e, com a ajuda de um catalisador, o material transformou-se em um óleo que pode ser usado para a fabricação de combustíveis.
“A técnica precisa de um reator, que é a unidade de pirólise, assim como de um condensador para a fração do material” enumera Achyut Kumar Panda, pesquisador da Centurion University of Technology and Management Odisha, na Índia, e um dos autores do trabalho. O processo usa polietileno de baixa densidade (LDPE), o mesmo tipo de matéria-prima de embalagens, componentes de computadores e outros tipos de objetos. “A maioria dos termoplásticos poderia ser reciclada com esse método”, garante o cientista.
O calor, com a ajuda do catalisador, quebra a longa cadeia de polímeros em um processo conhecido como degradação termocatalítica. “O polietileno, o plástico mais usado na sociedade, é feito de um hidrocarboneto com dois carbonos. Você une esses dois carbonos com mais dois, até ter alguns milhares. E esse é um polímero”, explica José Geraldo Pacheco, professor de engenharia química da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Sob o forte calor, o que antes era um conjunto de milhares de carbonetos se torna uma porção de pequenas moléculas à base de carbono. “A pirólise quebra o polímero e parte dele volta a ser o etileno, e o resto vira componentes similares”, descreve Pacheco.
O resultado, ressaltam os pesquisadores indianos, é muito similar aos combustíveis petroquímicos convencionais. Para cada quilo de plástico usado no processo, os cientistas produziram 700g de combustível líquido. O cozimento do material também resultou em gases e em uma pequena quantidade de resíduos sólidos.
Os autores da pesquisa pretendem desenvolver o trabalho para criar uma forma eficiente de reciclagem química do plástico. A intenção é implementar o método em grandes usinas, nas quais o combustível poderia ser gerado a partir de uma quantidade maior de plástico e a um preço mais baixo. Os últimos resultados publicados foram os melhores desde que os pesquisadores passaram a estudar a técnica, há seis anos. Desde então, eles testaram diferentes catalisadores e condições, até chegarem à “receita” com 70% de eficiência.
Técnica popular A pirólise já é estudada em todo o mundo há algum tempo e é usada em usinas pioneiras no exterior como alternativa para o gerenciamento de resíduos plásticos. “A viabilidade desses processos depende da escolha de catalisadores adequados e do projeto das plantas, de forma a otimizar o consumo de energia”, afirma o professor Fabio Barboza Passos, do Laboratório de Reatores, Cinética e Catálise, da Universidade Federal Fluminense (UFF). “Um cuidado especial deve ser dado à composição dos plásticos utilizados, que pode gerar contaminantes no combustível produzido”, alerta o especialista.
No Brasil, a equipe da UFPE já trabalhou com a pirólise de polietileno, polipropileno e poliestireno, usados para a produção de copos, sacolas, embalagens e isopor. Um tipo de resíduo, no entanto, continua sendo um desafio para os estudiosos da reciclagem química: as garrafas PET. “É mais complicado, porque é uma mistura mais complexa. Pode ser usado, mas ele já tem oxigênio na composição, aí é mais interessante fazer a reciclagem mecânica”, explica Pacheco, da UFPE. A pirólise é mais recomendada, de acordo com o especialista, para os resíduos do plástico que sobram da reciclagem tradicional, assim como para materiais que geralmente não são reaproveitados, como o isopor.
Como a produção de combustível a partir do óleo resultante do experimento indiano ainda exige alguns passos de separação e outros processos de refinamento, a técnica não pode, por enquanto, ser considerada sinônimo de economia. O método, ressaltam especialistas, deveria ser implementado em grandes usinas especializadas para ter um custo vantajoso em comparação com a produção tradicional de gasolina.
Três perguntas para...
Fabio Barboza Passos, embro do Laborátorio de Reatores, Cinética e Catálise da Universidade Federal Fluminense (UFF)
A técnica de transformação do plástico em combustível pode ser economicamente viável?
O trabalho (dos pesquisadores indianos) mostra um resultado similar a outros grupos. A técnica pode ser viável, dependendo da escala.
Esse método pode ser usado para reciclar qualquer tipo de plástico?
Qualquer plástico pode ser usado, mas a sua composição deve ser monitorada para evitar que haja uma concentração muito alta de contaminantes no produto. Deve-se evitar usar apenas plásticos que contenham esses contaminantes.
O processo sempre vai resultar em poluentes? Há uma forma de evitar ou de minimizar esse problema?
A formação de poluentes depende da composição do plástico original. Por exemplo, se o plástico tiver enxofre e nitrogênio, a combustão final vai gerar gases poluentes. Uma forma de minimizar isso é usar sistemas de tratamento dos gases formados na combustão.
Voo
Há um ano, um pequeno avião fez uma viagem de Sydney para Londres usando somente combustíveis fabricados a partir de plásticos. Essa foi a primeira aeronave a funcionar unicamente com o diesel feito da pirólise do material reciclado. O combustível, mais limpo que o feito de petróleo, também foi avaliado com uma qualidade superior ao tradicional. Os restos da pirólise foram usados para a pavimentação de ruas, resultando num processo sem emissão de CO2 e sem danos à natureza. O piloto Jeremy Rowsell fez a viagem de mais de 16 mil quilômetros em seis dias.
O processo é descrito em um artigo da última edição da revista especializada International Journal of Environment and Waste Management, no qual uma equipe de engenheiros indianos publica os resultados de experimentos recentes com a reciclagem química do plástico. Os cientistas cozinharam pedaços de sacolas plásticas a até 500 graus e, com a ajuda de um catalisador, o material transformou-se em um óleo que pode ser usado para a fabricação de combustíveis.
“A técnica precisa de um reator, que é a unidade de pirólise, assim como de um condensador para a fração do material” enumera Achyut Kumar Panda, pesquisador da Centurion University of Technology and Management Odisha, na Índia, e um dos autores do trabalho. O processo usa polietileno de baixa densidade (LDPE), o mesmo tipo de matéria-prima de embalagens, componentes de computadores e outros tipos de objetos. “A maioria dos termoplásticos poderia ser reciclada com esse método”, garante o cientista.
O calor, com a ajuda do catalisador, quebra a longa cadeia de polímeros em um processo conhecido como degradação termocatalítica. “O polietileno, o plástico mais usado na sociedade, é feito de um hidrocarboneto com dois carbonos. Você une esses dois carbonos com mais dois, até ter alguns milhares. E esse é um polímero”, explica José Geraldo Pacheco, professor de engenharia química da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Sob o forte calor, o que antes era um conjunto de milhares de carbonetos se torna uma porção de pequenas moléculas à base de carbono. “A pirólise quebra o polímero e parte dele volta a ser o etileno, e o resto vira componentes similares”, descreve Pacheco.
O resultado, ressaltam os pesquisadores indianos, é muito similar aos combustíveis petroquímicos convencionais. Para cada quilo de plástico usado no processo, os cientistas produziram 700g de combustível líquido. O cozimento do material também resultou em gases e em uma pequena quantidade de resíduos sólidos.
Os autores da pesquisa pretendem desenvolver o trabalho para criar uma forma eficiente de reciclagem química do plástico. A intenção é implementar o método em grandes usinas, nas quais o combustível poderia ser gerado a partir de uma quantidade maior de plástico e a um preço mais baixo. Os últimos resultados publicados foram os melhores desde que os pesquisadores passaram a estudar a técnica, há seis anos. Desde então, eles testaram diferentes catalisadores e condições, até chegarem à “receita” com 70% de eficiência.
Técnica popular A pirólise já é estudada em todo o mundo há algum tempo e é usada em usinas pioneiras no exterior como alternativa para o gerenciamento de resíduos plásticos. “A viabilidade desses processos depende da escolha de catalisadores adequados e do projeto das plantas, de forma a otimizar o consumo de energia”, afirma o professor Fabio Barboza Passos, do Laboratório de Reatores, Cinética e Catálise, da Universidade Federal Fluminense (UFF). “Um cuidado especial deve ser dado à composição dos plásticos utilizados, que pode gerar contaminantes no combustível produzido”, alerta o especialista.
No Brasil, a equipe da UFPE já trabalhou com a pirólise de polietileno, polipropileno e poliestireno, usados para a produção de copos, sacolas, embalagens e isopor. Um tipo de resíduo, no entanto, continua sendo um desafio para os estudiosos da reciclagem química: as garrafas PET. “É mais complicado, porque é uma mistura mais complexa. Pode ser usado, mas ele já tem oxigênio na composição, aí é mais interessante fazer a reciclagem mecânica”, explica Pacheco, da UFPE. A pirólise é mais recomendada, de acordo com o especialista, para os resíduos do plástico que sobram da reciclagem tradicional, assim como para materiais que geralmente não são reaproveitados, como o isopor.
Como a produção de combustível a partir do óleo resultante do experimento indiano ainda exige alguns passos de separação e outros processos de refinamento, a técnica não pode, por enquanto, ser considerada sinônimo de economia. O método, ressaltam especialistas, deveria ser implementado em grandes usinas especializadas para ter um custo vantajoso em comparação com a produção tradicional de gasolina.
Três perguntas para...
Fabio Barboza Passos, embro do Laborátorio de Reatores, Cinética e Catálise da Universidade Federal Fluminense (UFF)
A técnica de transformação do plástico em combustível pode ser economicamente viável?
O trabalho (dos pesquisadores indianos) mostra um resultado similar a outros grupos. A técnica pode ser viável, dependendo da escala.
Esse método pode ser usado para reciclar qualquer tipo de plástico?
Qualquer plástico pode ser usado, mas a sua composição deve ser monitorada para evitar que haja uma concentração muito alta de contaminantes no produto. Deve-se evitar usar apenas plásticos que contenham esses contaminantes.
O processo sempre vai resultar em poluentes? Há uma forma de evitar ou de minimizar esse problema?
A formação de poluentes depende da composição do plástico original. Por exemplo, se o plástico tiver enxofre e nitrogênio, a combustão final vai gerar gases poluentes. Uma forma de minimizar isso é usar sistemas de tratamento dos gases formados na combustão.
Voo
Há um ano, um pequeno avião fez uma viagem de Sydney para Londres usando somente combustíveis fabricados a partir de plásticos. Essa foi a primeira aeronave a funcionar unicamente com o diesel feito da pirólise do material reciclado. O combustível, mais limpo que o feito de petróleo, também foi avaliado com uma qualidade superior ao tradicional. Os restos da pirólise foram usados para a pavimentação de ruas, resultando num processo sem emissão de CO2 e sem danos à natureza. O piloto Jeremy Rowsell fez a viagem de mais de 16 mil quilômetros em seis dias.
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