sábado, 22 de fevereiro de 2014

Para onde vai a crítica? - Carolina Braga

Para onde vai a crítica? 
 
Reflexão sobre o teatro vive momento de transformação com a perda de espaço nos jornais e a criação de blogs, sites e publicações eletrônicas. Participação do público e novas tecnologias são os desafios


Carolina Braga
Estado de Minas: 22/02/2014






“É como se vivêssemos um rito de passagem”, resume o jornalista e crítico de teatro Valmir Santos. “Acho que precisamos de mais tempo para entender melhor o que está acontecendo”, opina Daniele Ávila, do site carioca Questão de Crítica. “Precisamos encontrar sentidos e ressignificar as obras para os dias de hoje”, completa Ivana Moura, do blog Satisfeita, Yolanda?. Barbara Heliodora, depois de mais de 50 anos dedicados ao ofício de crítica de teatro nos jornais, pensou muito na hora de se retirar. “Foi uma decisão longamente refletida”, reconhece.

Nos últimos anos, o leitor tem acompanhado a transformação significativa do jornalismo e a crítica teatral não ficou imune às mudanças. É nítido – e até lugar-comum – comentar o quanto diminuiu o espaço na grande imprensa dedicado às reflexões das artes cênicas. As razões podem ser variadas, inclusive envolver decisões editoriais e interesse do público. Mas essa não é a questão fundamental para quem milita na área. “Estamos tentando reinventar a crítica”, resume Soraya Belusi, uma das criadoras do blog Horizonte da Cena.

Como sintoma do momento surgem diversos espaços para circulação das críticas, com destaque para sites e blogs. E como apontou Luciano Suassuna no texto “Um fundo para o poço em que caiu o jornalismo”, há pelo menos três mudanças consideráveis no modo como o jornalismo funciona na internet: a distribuição, a linguagem e a relação com o leitor. Nesse bojo, a crítica teatral está, portanto, em mutação.

“A mutação é característica constitutiva da crítica, não é um problema atual e muito menos local”, pondera Daniele Ávila. Como ela salienta, desde que as primeiras apreciações sobre artes cênicas tiveram vez em páginas impressas discute-se sua função. Aliás, crise e crítica têm a mesma raiz grega, derivam de krisis. Como sugere Roland Barthes em Crítica e verdade, é importante que periodicamente se revisitem os objetos do passado “para saber o que se pode fazer com eles”.

Valmir Santos observa que a crítica teatral ocupa seu espaço virtual com mais lentidão do que os pares em cinema, música e artes visuais. “Nos últimos dois anos, porém, as práticas da crítica em artes cênicas adquiriram mais consistência e continuidade. Há muito chão pela frente”, considera o jornalista. O Teatro Jornal, site criado por ele em 2010, acaba de anunciar uma rede de colaboradores em sete estados brasileiros. De Minas Gerais, participam Júlia Guimarães e Miguel Anunciação.

A carioca Questão de Crítica, lançada no Rio de Janeiro em março de 2008, se apresenta como uma revista eletrônica com edições mensais e atualização constante. O Satisfeita, Yolanda?, site mantido pelas pernambucanas Ivana Moura e Pollyanna Diniz, surgiu em 2010, como blog. Em 2012, foi a vez do precursor mineiro, o blog Horizonte da Cena, criado pelas jornalistas Soraya Belusi e Luciana Romagnolli. No início deste ano, entrou no ar Blog da Cena, de Miguel Anunciação.

Além de serem espaços para a crítica teatral na internet, as iniciativas têm em comum o fato de terem sido criadas por jornalistas que saíram de redações em busca de novas possibilidades para análise de espetáculos. São, em geral, coletivos que procuram sair do lugar-comum e viver um período de experimentação no ambiente comunicativo que envolve participação de leitores, hipertextualidade e possibilidades multimídia.

Até agora, no entanto, essas características foram incorporadas de maneira tímida. Seja por dificuldade de recursos financeiros para manter o projeto e investir na produção audiovisual, seja pela tradição de seus criadores, oriundos de veículos impressos. Soraya Belusi reconhece que a geração que atualmente mantém blogs e sites sobre crítica teatral no Brasil ainda é ligada ao texto. “Tem um potencial enorme e que a gente ainda não sabe fazer”, ressalta.

Formatos como videocríticas e audiocríticas estão aí para serem experimentados. “Precisamos dominar tecnologias, que é um custo a mais e talvez seja necessário agregar equipe para ganhar agilidade. Muita gente que saiu dos jornais, como é o meu caso, ainda não domina os multimeios, mas tem que correr atrás”, afirma Ivana Moura.

Valmir Santos acredita que novos suportes não implicam necessariamente novos procedimentos. “No início da escrita para a internet (2010), intuía-se que haveria diferenças marcantes no manejo do texto, da linguagem propriamente dita, mas logo vi que não. Os eixos do reportar e do analisar estão mantidos na web. Para a geração que veio depois, a cultura da redação talvez não tenha sido tão preponderante quanto foi para mim. Resisto ao traço coloquial”, diz.

“Acho uma bobagem esse desespero por interação e multi qualquer coisa. A internet é um fenômeno muito recente do ponto de vista histórico e social para a gente saber qual é a sua essência. E talvez seja plural demais para ter uma essência. Interessa-me o texto, a elaboração do texto. A internet para mim é só um papel barato. A crítica é um exercício de reflexão, de escrita, de escuta e de leitura, não precisa de firula e não tem que obedecer a tendências alheias ao diálogo com as obras”, defende Daniele Ávila.

Diálogo aberto

Do mesmo modo que os jornalistas ainda experimentam outras possibilidades para além do texto escrito, para Soraya Belusi os leitores também se acostumam com a possibilidade de diálogo aberto com o crítico. Para ter uma ideia, desde que o Horizonte da Cena entrou no ar, em setembro de 2012, foram registrados cerca de 100 mil acessos. Neste mesmo período, as autoras se depararam apenas com dois comentários críticos por parte dos usuários.

“Os comentários são diminutos, porque dizem respeito ao campo da análise, da argumentação, da construção de sentidos. Raramente a interlocução passa pela crítica. A veia cordial do brasileiro tende a escantear a crítica ou a autocrítica. Na infância ou na adolescência poderíamos ser incentivados a discordar da opinião do pai, da mãe ou do professor, sem que fôssemos repreendidos. Mas a sociedade dá sinais de mais abertura ao debate que não desqualifica o outro. São avanços mínimos na educação, nosso xis de todas as questões”, comenta Valmir.

Para Daniele Ávila, em momentos de reinvenção, como este por que estamos passando, é cada vez mais importante ressaltar a função formadora da crítica. Para o bem ou para o mal, ela tem um papel na formação do público. “Temos que conquistar leitores, artistas e público, mas não sabemos como. O culto à ignorância é muito impregnado, a leitura não é um hábito, muito menos um prazer. Ainda há uma cultura ridícula em que parece que é bacana dizer que não leu um texto porque é muito longo ou porque tem referências”, diz.

Ivana Moura acredita que a relação aberta entre críticos e leitores ainda está em processo de formação. De todo modo, um caminho já foi percorrido. “Nenhum pensador de teatro fica imune aos comentários que retroalimentam seu texto. Lógico que, como tudo, há comentários pertinentes e outros desnecessários. Mas, como ninguém é capaz de captar a totalidade de uma obra – teatral, inclusive –, essa possibilidade polifônica pode ser enriquecedora. Penso que, para ter um melhor resultado, a formação de grupos críticos precisa levar em consideração a discussão sobre a qualidade”, propõe.

Em ação

Durante a primeira edição da Mostra Internacional de Teatro de São Paulo a prática da crítica será exercida por um coletivo de críticos com presença na internet. Profissionais de blogs e revistas eletrônicas como Antropositivo (SP), Horizonte da Cena (MG), Questão de Crítica (RJ), Satisfeita, Yolanda? (PE) e Teatrojornal (SP) vão produzir e publicar críticas no dia seguinte à estreia dos espetáculos.

Blogs e sites
Antro Positivo (São Paulo/SP) – www.antropositivo.com.br
Horizonte da Cena (Belo Horizonte/MG) – www.horizontedacena.com.br
Questão de Crítica (Rio de Janeiro/RJ) – www.questaodecritica.com.br
Satisfeita, Yolanda? (Recife/PE) – www.satisfeitayolanda.com.br
Teatrojornal (São Paulo/SP) – www.teatrojornal.com.br
Blog da Cena (Belo Horizonte/MG) –blogdacena.wordpress.com




"Não dá para pensar o processo de mudança da crítica isoladamente de tudo o que está acontecendo no jornal. A ideia que temos do jornalismo mudou muito nos últimos anos e, no caso da crítica, isso é exemplar.”

. Soraya Belusi, do site Horizonte em Cena


“As iniciativas coletivas de crítica têm a tendência a se arriscar, a sair do lugar-comum, porque existe provocação interna, diálogo, embate de ideias. A internet permite isso, porque o custo é baixo ou nulo, dependendo da proposta”

. Daniele Ávila, do site Questão de Crítica


“Não tenho bola de cristal, não tenho como falar sobre o futuro da crítica. Acho que a internet é uma coisa que vai acontecer, porque é inevitavel que continue aparecendo a crítica. Mas, como não entendo do assunto, não posso falar nada brilhante"

. Barbara Heliodora, crítica de teatro

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