sábado, 15 de março de 2014

A saúde dos médicos - Alexandrina Meleiro

Alexandrina Meleiro
Doutora em medicina pela USP, palestrante da 1ª Jornada Brasileira de Saúde Mental dos Médicos
Estado de Minas: 15/03/2014 



Os médicos têm a vida de milhares de pessoas em suas mãos, sendo responsáveis, diariamente, por um diagnóstico preciso e correto. O compromisso com a vida de terceiros torna o trabalho ainda mais sério e delicado. Tais obrigações impactam o emocional dos médicos, sendo considerada uma das profissões de alto impulso de estresse, por lidar com a dor, o sofrimento e a morte. A prática médica no Brasil se tornou mais difícil devido à precariedade das condições de trabalho, exaustivas jornadas e constante necessidade de atualização, colaborando, ainda mais, para o aumento do estresse profissional. Atualmente, os médicos enfrentam duas crises: a de identidade e a de ideologia. Ambas favorecem comportamentos depreciativos ao próprio profissional, surgimento de ansiedade, depressão, dependência química e suicídios. Salienta-se o fácil acesso aos medicamentos de abuso e com risco letal.

Um levantamento do Conselho Federal de Medicina (CFM) e do Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) revelou que a população médica brasileira tem taxas de suicídios e tentativas superiores à população geral. Conforme o estudo, com base nos atestados de óbito no estado de São Paulo, houve um predomínio de mortes entre médicos homens na faixa de 70-90 anos, no período de 2000 a 2009. Já entre as mulheres médicas os óbitos preponderaram na faixa de 40 a 60 anos no mesmo período.

Os elevados índices de suicídio entre médicos estão relacionados à perda da onipotência e onisciência, idealizadas por muitos aspirantes à carreira médica, durante o curso e a vida profissional, aos sentimentos de culpa por fracasso e à crescente ansiedade pelo temor em falhar. Algumas outras hipóteses também explicam o comportamento de médicos que cometem suicídios: perda profissional ou pessoal; problemas financeiros ou de licença; mais horas de trabalho que outros colegas; abuso de álcool e outras substâncias; insatisfação com a carreira médica; transtorno mental e emocional com mais frequência; e automedicação.

Apesar de o autoextermínio envolver questões socioculturais, genéticas, psicodinâmicas, filosóficas, existenciais e ambientais, o transtorno mental é um fator de vulnerabilidade na quase totalidade dos casos, que necessita estar presente para que culmine no suicídio do indivíduo, quando somado a outros fatores. O diagnóstico precoce e o tratamento correto da depressão (patologia mais encontrada nos suicídios) são, comprovadamente, uma das maneiras mais eficazes de prevenir o autoextermínio. A mesma correlação deve estar presente em diversos outros transtornos mentais, incluindo a dependência de álcool e outras drogas.

Existe grande resistência da população em aceitar que as mesmas pessoas às quais confia sua saúde podem ter doenças mentais. Talvez, o que mais os estigmatize é a capacidade das enfermidades prejudicarem a crítica do indivíduo em alguns momentos. Os próprios médicos relutam em procurar ajuda psiquiátrica temendo serem estigmatizados. Geralmente, tentam primeiro automedicar-se ou fazer uma consulta informal com algum colega. Só procuram ajuda profissional adequada quando a situação se torna insustentável. A temática é séria e merece ser discutida pela classe médica e pela sociedade. O assunto faz parte da programação da 1ª Jornada Brasileira de Saúde Mental dos Médicos, entre 28 e 30 de março, em Nova Lima. Quem tem por ofício curar, tem por obrigação se cuidar. Desafortunadamente, não é o que acontece com muitos profissionais.

Nenhum comentário:

Postar um comentário