Alexandrina Meleiro
Doutora em medicina pela USP, palestrante da 1ª Jornada Brasileira de Saúde Mental dos Médicos
Estado de Minas: 15/03/2014
Os médicos têm a
vida de milhares de pessoas em suas mãos, sendo responsáveis,
diariamente, por um diagnóstico preciso e correto. O compromisso com a
vida de terceiros torna o trabalho ainda mais sério e delicado. Tais
obrigações impactam o emocional dos médicos, sendo considerada uma das
profissões de alto impulso de estresse, por lidar com a dor, o
sofrimento e a morte. A prática médica no Brasil se tornou mais difícil
devido à precariedade das condições de trabalho, exaustivas jornadas e
constante necessidade de atualização, colaborando, ainda mais, para o
aumento do estresse profissional. Atualmente, os médicos enfrentam duas
crises: a de identidade e a de ideologia. Ambas favorecem comportamentos
depreciativos ao próprio profissional, surgimento de ansiedade,
depressão, dependência química e suicídios. Salienta-se o fácil acesso
aos medicamentos de abuso e com risco letal.
Um levantamento do
Conselho Federal de Medicina (CFM) e do Conselho Regional de Medicina de
São Paulo (Cremesp) revelou que a população médica brasileira tem taxas
de suicídios e tentativas superiores à população geral. Conforme o
estudo, com base nos atestados de óbito no estado de São Paulo, houve um
predomínio de mortes entre médicos homens na faixa de 70-90 anos, no
período de 2000 a 2009. Já entre as mulheres médicas os óbitos
preponderaram na faixa de 40 a 60 anos no mesmo período.
Os
elevados índices de suicídio entre médicos estão relacionados à perda da
onipotência e onisciência, idealizadas por muitos aspirantes à carreira
médica, durante o curso e a vida profissional, aos sentimentos de culpa
por fracasso e à crescente ansiedade pelo temor em falhar. Algumas
outras hipóteses também explicam o comportamento de médicos que cometem
suicídios: perda profissional ou pessoal; problemas financeiros ou de
licença; mais horas de trabalho que outros colegas; abuso de álcool e
outras substâncias; insatisfação com a carreira médica; transtorno
mental e emocional com mais frequência; e automedicação.
Apesar
de o autoextermínio envolver questões socioculturais, genéticas,
psicodinâmicas, filosóficas, existenciais e ambientais, o transtorno
mental é um fator de vulnerabilidade na quase totalidade dos casos, que
necessita estar presente para que culmine no suicídio do indivíduo,
quando somado a outros fatores. O diagnóstico precoce e o tratamento
correto da depressão (patologia mais encontrada nos suicídios) são,
comprovadamente, uma das maneiras mais eficazes de prevenir o
autoextermínio. A mesma correlação deve estar presente em diversos
outros transtornos mentais, incluindo a dependência de álcool e outras
drogas.
Existe grande resistência da população em aceitar que as
mesmas pessoas às quais confia sua saúde podem ter doenças mentais.
Talvez, o que mais os estigmatize é a capacidade das enfermidades
prejudicarem a crítica do indivíduo em alguns momentos. Os próprios
médicos relutam em procurar ajuda psiquiátrica temendo serem
estigmatizados. Geralmente, tentam primeiro automedicar-se ou fazer uma
consulta informal com algum colega. Só procuram ajuda profissional
adequada quando a situação se torna insustentável. A temática é séria e
merece ser discutida pela classe médica e pela sociedade. O assunto faz
parte da programação da 1ª Jornada Brasileira de Saúde Mental dos
Médicos, entre 28 e 30 de março, em Nova Lima. Quem tem por ofício
curar, tem por obrigação se cuidar. Desafortunadamente, não é o que
acontece com muitos profissionais.
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