Se a temperatura global subir de 2 a 4
graus, a produção de alimentos afetará principalmente países mais
pobres. Enfermidades e conflitos por terra e água aumentarão, e eventos
extremos serão mais comuns
no Brasil
Paloma Oliveto
Estado de Minas: 01/04/2014
Brasília – Um planeta
mais faminto e doente. A falta de alimentos, a desnutrição e as
moléstias infecciosas fazem parte do pacote de desafios que o mundo
precisará enfrentar face a um aumento de temperatura de 2 graus a 4
graus em relação aos índices pré-industriais até o fim do século. Com a
intensificação da radiação solar, o derretimento das geleiras e as
alterações nos ciclos de precipitações e estiagem – já conhecidos
problemas associados às mudanças climáticas –, entre outros, a produção
alimentar será fortemente afetada. Os mais prejudicados serão os mais
pobres, de acordo com o segundo volume do quinto Relatório de Avaliação
do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) das Nações
Unidas.
O documento, divulgado em Yokohama, no Japão, traçou um
cenário de ameaças ambientais das quais nenhuma região do planeta – nem
os países ricos – escapará. No Brasil, a previsão é de mais chuvas e
alagamentos em localidades que já sofrem com o excesso de precipitações e
deslizamentos: o Sudeste. No Nordeste, o semiárido continuará castigado
pela seca, que deverá se agravar. Poluição, desmatamento, destruição de
recifes e acidificação no litoral são outras consequências do aumento
da temperatura e da emissão dos gases de efeito estufa, citados no
relatório. Os dados sobre o país serão detalhados hoje em uma coletiva
de imprensa no Rio de Janeiro.
No informe Mudanças climáticas
2014: impactos, adaptação e vulnerabilidade, um grupo de 745 autores
principais e colaboradores de 70 países, incluindo o Brasil, avaliou
mais de 12 mil publicações científicas e 50 mil revisões técnicas sobre
as alterações do clima no planeta. Ele faz parte de uma síntese que será
divulgada em outubro, um mês antes da realização da COP-20, conferência
mundial sobre o clima, que ocorrerá no Peru. O último relatório do
IPCC, de 2007, serviu de instrumento para a convocação da cúpula de
Copenhague, por apresentar dados preocupantes sobre o futuro global.
Os
cientistas que confeccionaram o volume dois do relatório atual
destacaram que o homem não terá de esperar até 2100 para sentir na pele
os efeitos das mudanças climáticas. Elas já estão ocorrendo, alertaram.
Além disso, o documento ressalta a participação antropogênica no
aquecimento da Terra. Desde o surgimento do planeta, há períodos de
resfriamento e aumento de temperatura, desencadeados por fatores
naturais. Contudo, o mundo jamais esquentou tão rapidamente quanto a
partir de 1900, quando as atividades industriais começaram a se
disseminar. Por isso, para os autores do relatório, não há dúvidas de
que, agora, é o homem que está à frente dessas mudanças.
Insegurança
“O aumento da temperatura faz crescer a probabilidade de impactos
severos, generalizados e irreversíveis em todo o mundo”, alerta o
segundo volume da quinta edição do informe. Entre eles, está a
insegurança alimentar e social. Embora nenhuma região escape dos efeitos
do clima, são os países pobres e em desenvolvimento que pagarão o preço
mais alto.
As pequenas ilhas do Pacífico, o sudeste asiático e
as Américas do Sul e Central terão de enfrentar falta de água no
semiárido, queda de produção de alimentos e propagação de doenças
transmitidas por mosquitos. Embora estudos indiquem que o aumento da
temperatura estimula o crescimento de grãos, a qualidade das culturas
decai por causa da radiação solar intensa. A seca e as inundações também
impactam sobre as áreas de agricultura e pecuária. “Sob alguns
cenários, as mudanças climáticas poderiam levar a dramáticas quedas na
produção global de trigo e de milho”, observa Maggie Opondo, geógrafa da
Universidade de Nairóbi que participou da confecção do documento.
“Infelizmente,
estamos em uma era na qual as mudanças climáticas não são um tipo de
futuro hipotético. Elas já estão acontecendo. Eventos climáticos
extremos serão um desafio severo para algumas das comunidades mais
pobres do mundo”, disse, à Agência France-Presse, Chris Field, principal
autor do relatório e vice-presidente do IPCC. Maggie Opondo observa
que, em algumas partes do globo, a revolução verde já atingiu o platô.
Nessas condições, torna-se ainda mais difícil imaginar como sustentar
uma população cada vez maior.
Os grãos não são o único alimento a
escassear. Em alguns locais dos trópicos, acredita-se que a pesca
encolherá de 40% a 60%. “As mudanças climáticas levarão a um aumento nos
preços dos alimentos, desencadeando instabilidade política. Isso,
aliás, já vem ocorrendo. Tome como exemplo os motins que explodiram na
Ásia e na África depois do choque do mercado de alimentos em 2008”,
lembra David Lobeel, professor da Universidade de Stanford e um dos
autores do capítulo sobre segurança alimentar.
“As mudanças
climáticas tendem a atuar como multiplicadoras de ameaças sociais”,
observou Chris Field. Competições pelo monopólio de água e comida,
migrações de populações afetadas por enchentes e secas, fome e doenças
são citadas por ele como fatores que podem desencadear conflitos
regionais. “Há muitas coisas que fragilizam as pessoas, e quando você
combina um choque climático com esses fatores, os resultados podem ser
ruins”, alertou.
O professor da Faculdade de Negócios de
Copenhague Bjørn Lomborg, autor do livro O ambientalista cético, diz que
está tranquilo com a publicação do IPCC. Crítico da comunidade
científica, a quem acusa de superestimar cenários nos modelos
climáticos, Lomborg acha que o aumento de 1 grau registrado ao longo dos
últimos 100 anos é pouco. “Não nego que a temperatura está aumentando,
mas acho que é tão pouco – nos últimos 20 anos não houve quase aumento
nenhum – que não podemos considerar que há um aquecimento global”,
argumenta.
Não é, contudo, o que mostram os mais de 12 mil
artigos escritos por cientistas climáticos, utilizados como base de
confecção do relatório do IPCC. O volume de literatura científica sobre
os efeitos das mudanças climáticas, inclusive, dobrou, comparado à
última edição da publicação. Com isso, cresceu também o corpo de
evidências de um futuro marcado por ameaças à vida. Embora o processo de
aquecimento tenha sido tachado de irreversível pelo documento, os
autores citam medidas para serem aplicadas de imediato, as quais podem
minimizar os efeitos da temperatura mais quente. Entre elas, reduzir o
desperdício de água, ampliar as áreas verdes nas cidades e proibir
assentamentos humanos em zonas de alto risco.
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