Muito além do sexo
Ao desvendar a evolução do cromossomo Y, cientistas descobrem que, mais do que determinar as características masculinas, ele desempenha funções essenciais ao bom funcionamento de órgãos como o coração, os rins e o fígado
Roberta Machado
Estado de Minas: 27/04/2014
Brasília –
A receita é simples: junte dois cromossomos X, e você terá uma fêmea.
Troque um deles por um cromossomo Y, e o embrião desenvolve
características do sexo oposto. Assim tem sido há 300 milhões de anos,
desde que o DNA dos mamíferos deu origem aos genes determinantes
masculinos. A natureza feminina tem sido constante desde então, mantendo
98% do código ancestral. O ingrediente masculino, por outro lado,
passou por um violento processo de depreciação, e apenas 3% dos 184
genes originais que formavam o Y resistiram até os dias de hoje. Para
entender melhor essa seleção, cientistas traduziram o cromossomo. Além
de descobrir interessantes pistas sobre seu passado, eles identificaram
outras importantes funções que ele cumpre no organismo. O resultado foi
publicado quinta-feira, em dois artigos na revista Nature.
O cromossomo Y era praticamente um mistério até agora porque os milhões de anos de mudanças deixaram a sequência genética bastante fora de ordem. “Y é encontrado apenas em machos, enquanto o X está nos dois sexos. O Y está sempre sozinho, ele não tem um parceiro como os autossomos (cromossomos não relacionados à determinação do sexo) ou X nas fêmeas. Isso significa que, se há uma mutação que danifique um gene, ele não pode conferir com uma outra cópia ou parceiro para reparar o dano”, esclarece Daniel Bellot, pesquisador do Instituto Médico e Departamento de Biologia Howard Hughes, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos.
As várias repetições e informações aparentemente sem utilidade faziam com que localizar as funções do cromossomo masculino fosse como encontrar uma agulha no palheiro. Como todos os genes do Y são herdados em grupo, não é possível separar as mutações benéficas de um gene das mutações ruins em outro. Os pesquisadores recorreram, então, a um atalho para vasculhar a sequência de genes. Em vez de olhar para o DNA, eles procuraram pistas diretamente no RNA, a cadeia de nucleotídeos que resulta do processo de transcrição do código original. É como se eles ignorassem uma mensagem criptografada por ter acesso direto à mensagem traduzida e resumida.
Esse processo foi feito em 15 mamíferos em um dos trabalhos científicos, enquanto a outra pesquisa estudou o código genético de oito animais que serviram como representantes da evolução do Y. “Comparar o humano com o chimpanzé nos permite ver os últimos 6 milhões de anos, comparar com o (macaco) rhesus, nos deixa ver 25 milhões de anos no passado”, exemplifica Daniel Bellot.
Código genético Ao ver os genes atuais e os antigos, os cientistas conseguiram observar as sequências mantidas no Y ao longo do tempo. “É como comparar a lista de passageiros do Titanic com os nomes das pessoas resgatadas dos barcos salva-vidas”, ilustra o pesquisador do MIT. Os pesquisadores olharam, inclusive, o código genético da galinha, um animal que, na verdade, tem o gênero definido pelos cromossomos Z e W. Na ave, justificam, foi possível identificar os genes mais antigos do cromossomo, mantidos desde que ele era um autossomo comum, sem diferenciação sexual.
Depois de comparar o cromossomo humano com o dos animais, os estudiosos notaram que o processo de mudança cessou há 25 milhões de anos. Isso porque a sequência encontrada nos primatas não é muito diferente da humana. Buscou-se, então, uma explicação para essa estabilidade relativamente recente. Afinal, por que o Y não continuou passando por mudanças até hoje? O foco voltou-se para a função das sequências genéticas que sobreviveram à ação do tempo.
No cromossomo masculino, os especialistas esperavam encontrar ao menos dois tipos de informações: a que determina o sexo do indivíduo durante a gestação e as instruções para a espermatogênese, isto é, a formação de testículos e gametas sexuais. Em meio aos outros genes, no entanto, os cientistas identificaram códigos essenciais para o bom funcionamento de diversos outros tecidos. Essas sequências desconhecidas são expressas em vários tipos de órgãos e células do corpo, em diferentes estágios de desenvolvimento, além de aparentemente regularem outros genes.
De acordo com a teoria dos autores, os genes que sobraram no cromossomo seriam essenciais para a formação e a sobrevivência do indivíduo e por isso resistiram à pressão que causou a deturpação do código original. Não somente o cromossomo X, mas o Y também seria necessário para a manutenção de outras importantes funções do organismo, além da determinação do sexo e da formação dos testículos e dos gametas.
Os cientistas acreditam que o cromossomo Y manteve esse material para obedecer a uma relação de dosagem de genes. “Esses genes mantidos estão intactos porque são necessárias cópias extras”, ensina Henrik Kaessmann, pesquisador da Universidade de Lausanne, na Suíça, e autor de um dos artigos.
“Nas fêmeas, as duas cópias dos cromossomos X têm o mesmo papel que as cópias X e Y têm no macho. Então, para manter a função do tecido do coração e dos rins, o homem tem uma cópia desses genes no X e uma no Y, enquanto as fêmeas têm duas cópias X”, explica Kaessmann. Entre os genes decodificados pelos cientistas, estão sequências relacionadas com o bom funcionamento do coração, dos rins e do fígado.
Ambos os grupos de pesquisa afirmam que vão continuar estudando a evolução e a função do cromossomo, o que pode explicar a origem das diferenças que existem em diversas funções do corpo masculino e feminino.
O cromossomo Y era praticamente um mistério até agora porque os milhões de anos de mudanças deixaram a sequência genética bastante fora de ordem. “Y é encontrado apenas em machos, enquanto o X está nos dois sexos. O Y está sempre sozinho, ele não tem um parceiro como os autossomos (cromossomos não relacionados à determinação do sexo) ou X nas fêmeas. Isso significa que, se há uma mutação que danifique um gene, ele não pode conferir com uma outra cópia ou parceiro para reparar o dano”, esclarece Daniel Bellot, pesquisador do Instituto Médico e Departamento de Biologia Howard Hughes, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos.
As várias repetições e informações aparentemente sem utilidade faziam com que localizar as funções do cromossomo masculino fosse como encontrar uma agulha no palheiro. Como todos os genes do Y são herdados em grupo, não é possível separar as mutações benéficas de um gene das mutações ruins em outro. Os pesquisadores recorreram, então, a um atalho para vasculhar a sequência de genes. Em vez de olhar para o DNA, eles procuraram pistas diretamente no RNA, a cadeia de nucleotídeos que resulta do processo de transcrição do código original. É como se eles ignorassem uma mensagem criptografada por ter acesso direto à mensagem traduzida e resumida.
Esse processo foi feito em 15 mamíferos em um dos trabalhos científicos, enquanto a outra pesquisa estudou o código genético de oito animais que serviram como representantes da evolução do Y. “Comparar o humano com o chimpanzé nos permite ver os últimos 6 milhões de anos, comparar com o (macaco) rhesus, nos deixa ver 25 milhões de anos no passado”, exemplifica Daniel Bellot.
Código genético Ao ver os genes atuais e os antigos, os cientistas conseguiram observar as sequências mantidas no Y ao longo do tempo. “É como comparar a lista de passageiros do Titanic com os nomes das pessoas resgatadas dos barcos salva-vidas”, ilustra o pesquisador do MIT. Os pesquisadores olharam, inclusive, o código genético da galinha, um animal que, na verdade, tem o gênero definido pelos cromossomos Z e W. Na ave, justificam, foi possível identificar os genes mais antigos do cromossomo, mantidos desde que ele era um autossomo comum, sem diferenciação sexual.
Depois de comparar o cromossomo humano com o dos animais, os estudiosos notaram que o processo de mudança cessou há 25 milhões de anos. Isso porque a sequência encontrada nos primatas não é muito diferente da humana. Buscou-se, então, uma explicação para essa estabilidade relativamente recente. Afinal, por que o Y não continuou passando por mudanças até hoje? O foco voltou-se para a função das sequências genéticas que sobreviveram à ação do tempo.
No cromossomo masculino, os especialistas esperavam encontrar ao menos dois tipos de informações: a que determina o sexo do indivíduo durante a gestação e as instruções para a espermatogênese, isto é, a formação de testículos e gametas sexuais. Em meio aos outros genes, no entanto, os cientistas identificaram códigos essenciais para o bom funcionamento de diversos outros tecidos. Essas sequências desconhecidas são expressas em vários tipos de órgãos e células do corpo, em diferentes estágios de desenvolvimento, além de aparentemente regularem outros genes.
De acordo com a teoria dos autores, os genes que sobraram no cromossomo seriam essenciais para a formação e a sobrevivência do indivíduo e por isso resistiram à pressão que causou a deturpação do código original. Não somente o cromossomo X, mas o Y também seria necessário para a manutenção de outras importantes funções do organismo, além da determinação do sexo e da formação dos testículos e dos gametas.
Os cientistas acreditam que o cromossomo Y manteve esse material para obedecer a uma relação de dosagem de genes. “Esses genes mantidos estão intactos porque são necessárias cópias extras”, ensina Henrik Kaessmann, pesquisador da Universidade de Lausanne, na Suíça, e autor de um dos artigos.
“Nas fêmeas, as duas cópias dos cromossomos X têm o mesmo papel que as cópias X e Y têm no macho. Então, para manter a função do tecido do coração e dos rins, o homem tem uma cópia desses genes no X e uma no Y, enquanto as fêmeas têm duas cópias X”, explica Kaessmann. Entre os genes decodificados pelos cientistas, estão sequências relacionadas com o bom funcionamento do coração, dos rins e do fígado.
Ambos os grupos de pesquisa afirmam que vão continuar estudando a evolução e a função do cromossomo, o que pode explicar a origem das diferenças que existem em diversas funções do corpo masculino e feminino.
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