Pesquisadora Mariana Tavares lança estudo sobre a obra da cineasta Helena Solberg.
Livro será lançado em julho, durante realização, em BH, do festival É tudo verdade
Mariana Peixoto
Estado de Minas: 19/04/2014Para Mariana Tavares, a obra de Helena Solberg
foi ganhando em abrangência ao tratar de temas como a relação da mulher
com a sociedade |
Na plateia do festival, estava a jornalista, documentarista e pesquisadora mineira Mariana Tavares, que comungou do furor causado pelo documentário. Impressionou-se tanto pela qualidade do filme de Solberg como também por nunca ter ouvido falar dela. Não era a única. Solberg, então, era uma cineasta brasileira pouco conhecida em seu próprio país, já que estava radicada nos Estados Unidos há décadas. Para muitos, aquele foi seu cartão de apresentação. Só que Solberg vinha de uma história muito mais produtiva do que se imaginava.
A partir desse primeiro contato, Mariana começou a se envolver com o trabalho da cineasta. Durante seu mestrado, defendido na Escola de Belas Artes da UFMG, conheceu melhor a obra – sua dissertação girou em torno dos processos para criação de vários documentaristas. Quando foi pensar no doutorado, defendido na mesma escola, foi o marido, o também jornalista Marcos Barreto, quem lhe sugeriu: por que não Helena, já que uma tese demanda ineditismo? “Havia uma inexistência de qualquer coisa escrita sobre o trabalho dela”, comenta Mariana. Defendida em 2012, a tese acabou resultando no livro Helena Solberg: do Cinema Novo ao documentário contemporâneo.
A edição da obra foi realizada pelo É tudo verdade – Festival Internacional de Documentários, que realizou no Rio e em São Paulo, este mês, retrospectiva com oito dos 15 filmes de Solberg. Foi a primeira vez que a cinematografia dela ganhou mostra do gênero. O festival, que tem versão itinerante, ganha edição em Belo Horizonte de 24 a 27 de julho, no Oi Futuro, quando Mariana vai fazer noite de lançamento do livro – como a versão mineira é bem menor do que a original, deverão ser exibidos apenas dois filmes de Solberg. A jornalista ainda pretende fazer, este ano, um seminário e uma mostra mais extensa dos filmes da cineasta.
Ludmila Dayer em Vida de menina, estreia de Helena Solberg em longa-metragem de ficção |
Com apresentação de Arnaldo Jabor e prefácio de Hernani Heffner, a obra de Mariana abrange toda a obra de Solberg, chegando até mesmo a um projeto ainda em andamento, a ficção A visita. “A Helena vai fazer 76 anos em junho. É a única mulher brasileira de sua geração que continua em atividade”, comenta Mariana, que dividiu seu livro de acordo com as fases da obra da cineasta.
Nova mulher O momento inicial foi o do Cinema Novo (foi a única mulher a fazer parte do movimento), de que fizeram parte dois filmes: A entrevista (1966) e Meio-dia (1970). O primeiro representa sua estreia em documentários, e o segundo, seu único curta de ficção. Filha de norueguês com brasileira, em 1971 ela se muda para Washington. É quando produz a chamada Trilogia da mulher: A nova mulher (1974), A dupla jornada (1975) e Simplesmente Jenny (1977), todos frutos do movimento feminista.
Já na década de 1980, tem início sua fase militante, com seis documentários que investigam a relação dos EUA com as ditaduras latinas. São seis filmes, todos realizados pelo sistema público de televisão norte-americana, que só vieram a público no Brasil com a retrospectiva do É tudo verdade. Para os filmes militantes, a jornalista chama a atenção de Nicarágua hoje (1982), ganhador de um Emmy (o Oscar da TV americana) – “que mostra a reconstrução da Nicarágua pós-sandinismo do ponto de vista de uma família” – e A conexão brasileira (1982/1983), sobre a dívida externa.
Depois destes, realiza Bananas is my business e, de volta ao Brasil, lança em 2004 Vida de menina, sua estreia em longas de ficção. Adaptação de Minha vida de menina, diário de Helena Morley, pseudônimo com que Alice Dayrell Caldeira Brant escreve suas memórias de garota na Diamantina do final do século 19. Mais recentemente, Solberg lançou os documentários Palavra (en)cantada (2009) e A alma da gente (2013), este último ainda participando do circuito de festivais.
“Dizem que os cineastas sempre falam dos mesmos temas. No caso da Helena, ele vai se alargando. No começo, em A entrevista, ela fala da mulher de classe média, suas contemporâneas de escola. Depois vem a mulher latino-americana; mais tarde a política. Com Carmen, mostra a questão da mulher e as relações de boa vizinhança. Ou seja, política e economia latino-americanas se mantêm no cinema dela, com um olhar especial para personagens femininas”, finaliza Mariana.
Um outro olhar
Mariana Tavares comenta as fases da obra de Helena Solberg
"Helena sempre foi muito conectada com o que está acontecendo, seu cinema é dinâmico", revela Tavares |
A dupla jornada
“Helena sempre foi muito conectada com o que está acontecendo, seu cinema é dinâmico. Depois dos dois primeiros filmes, realiza três sobre o movimento feminista. E diferentemente do cinema antropológico, em que o cineasta não interfere, tem a câmera fixa, ela gosta de ter controle” (na foto, a diretora com Cristine Burrill, na Bolívia, durante as filmagens de A dupla jornada, sobre as mulheres trabalhadoras na América Latina)
Cena de "Bananas is my business", de Helena Solberg |
Bananas is my business
“Helena usa ficção para fazer um documentário, em 1994, com uma sofisticação de linguagem e técnica que pouco se via no cinema brasileiro da época. Antes dela, só Lúcia Murat havia feito algo parecido com Que bom te ver viva (1989). É um marco do documentário brasileiro. Um artista transformista representa a Carmen adulta; a Letícia Monte (irmã de Marisa) faz a Carmen adolescente. Além disso, o filme traz a voz da Helena em of., reflexiva, falando da relação dela com a cantora.”
"A alma da gente (2013) foi realizado em duas partes. A 1ª em 2002, e a 2ª, 10 anos mais tarde", conta Tavares |
A alma da gente
“A alma da gente (2013) foi realizado em duas partes. A primeira, em 2002, e a segunda, 10 anos mais tarde. Ela abordou adolescentes que fizeram parte do projeto Dança das Marés (coordenado por Ivaldo Bertazzo no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro). Ela volta mais tarde para ver a possibilidade de transformação na vida daqueles adolescentes. É um filme que dialoga com Cabra marcado para morrer (1985, de Eduardo Coutinho), pois traz dois momentos na vida dos personagens.”
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