Com qualquer CPI, Dilma Rousseff passará
pelo teste de seu tefal eleitoral. O de Lula era excepcionalmente
resistente, e ele se reelegeu, apesar do mensalão
Estado de Minas: 03/04/2014
As denúncias
envolvendo a Petrobras e a guerra entre governo e oposição pela
instalação de uma CPI destinada a investigar a empresa começam a criar
um clima parecido com o de 2005, que incendiou o Congresso, envenenou a
campanha e ameaçou a reeleição do então presidente Luiz Inácio Lula da
Silva. Nesta altura, não há cenário sem repercussão na eleição
presidencial: tanto o pior para o governo, o de uma CPI para investigar
apenas a estatal, como o da CPI com foco amplo, com o qual os
governistas tentam espalhar brasas também na direção dos dois principais
adversários da presidente Dilma, o senador tucano Aécio Neves e o
governador Eduardo Campos, do PSB. Ontem, os governistas trabalhavam
para manter o impasse em torno das CPIs sem solução até terça-feira,
quando a presidente da Petrobras, Graça Foster, prestará esclarecimentos
à Comissão de Fiscalização. Mas o que está em curso é a luta política,
que costuma passar ao largo das racionalizações técnicas.
Dilma
já sofreu as primeiras perdas, com as quedas nos indicadores de
confiança e aprovação do governo apontados pela pesquisa CNI-Ibope, que
mal chegou a captar a repercussão do caso Petrobras. Pesquisas que estão
programadas ou em campo devem apontar novos efeitos do caso sobre a
imagem dela e seu potencial eleitoral. O deputado tucano Marcus Pestana,
do comando aecista, diz que seu partido dispõe de pesquisas
qualitativas segundo as quais Dilma começou a ser ferida em seu
principal atributo positivo, o conceito de boa gestora. Isso teria
começado com os soluços da inflação, as críticas à gestão macroeconômica
e os problemas no setor elétrico, agravando-se com o caso Petrobras.
Nesse último, ela mesma deu uma contribuição importante à erosão da boa
fama, com a declaração de que não teria aprovado contrato de compra da
refinaria de Pasadena, quando presidia o Conselho de Administração da
Petrobras, se tivesse conhecido todas as cláusulas. De lá para cá,
outras revelações vêm servindo ao objetivo da oposição, de mantê-la no
centro do escândalo e desconstruir a imagem sobre a qual Lula erigiu a
candidatura dela em 2010.
A última contribuição nesse sentido foi
a declaração feita ontem por Edson Ribeiro, advogado do ex-diretor
internacional da Petrobras Nestor Cerveró. Depois de avisar que o
cliente não será “bode expiatório”, informou que todos os conselheiros
receberam cópias da íntegra do contrato 15 dias antes da reunião do
conselho. Confirmou, entretanto, que não constavam do resumo executivo
apresentado na reunião as duas cláusulas que tornaram o negócio ainda
mais danoso.
O tefal de cada um
Aqui,
entram os aspectos da vida burocrática no interior do Estado, mal
conhecidos por quem vive fora dele. Os conselhos de administração são
integrados por autoridades públicas (e privadas, quando a empresa é de
economia mista, como a Petrobras) que, tendo suas próprias atividades,
não participam do dia a dia da empresa, tocado pela diretoria executiva.
Em cada reunião, deparam-se com vasta agenda de medidas para examinar e
aprovar. Geralmente, não chegam a ler os contratos, guiando-se pelo
resumo executivo, que, no caso de Pasadena, foi realmente incompleto. Os
representantes dos acionistas privados eram Fábio Barbosa, Jorge Gerdau
e Cláudio Luiz Haddad. Se não eles, dirá a oposição, pelo menos os
representantes do governo – que eram, além de Dilma, o hoje governador
Jaques Wagner e o ministro da Fazenda, Guido Mantega – deviam ter
examinado todo o contrato. “É de espantar que Dilma, famosa pelo costume
de espancar projetos que lhe são apresentados por ministros e
auxiliares, tenha sido tão passiva nesse caso”, diz Pestana. Mas é
também forte o indício de má-fé do então diretor internacional, ao
omitir do resumo executivo informações sobre cláusulas tão importantes,
fixando a margem de lucro do sócio e a obrigação de compra do resto das
ações em caso de impasse. Uma pergunta crucial é: por que houve a
omissão?
Pasadena dá um bom discurso, mas a mira da oposição está
em Paulo Roberto Costa, o ex-diretor que está preso e tinha conexões
com boa parte da base governista. O presidente do Senado, Renan
Calheiros, rejeitou os questionamentos à CPI da oposição, mas não
descartou a CPI de todo o mundo, proposta pelos governistas. Se ela for
instalada, haverá feridos dos dois lados e de quase todos os partidos.
Dilma passará pelo teste de seu tefal. O de Lula era excepcionalmente
resistente, e ele se reelegeu apesar do mensalão e, depois, dos
aloprados.
Ainda 1964
A passagem dos 50
anos do golpe de 1964 desatou uma espécie de catarse coletiva por tudo
que não foi dito ou desabafado em uma transição pactuada. Em algum
momento isso aconteceria. O saldo deve ser o fortalecimento da
democracia e a apropriação da verdade por todos. Quando as Forças
Armadas se dispõem a investigar ocorrências de tortura em suas
instalações, indicam que venceram o vírus golpista e o horror ao
revanchismo. A outra parte do mérito é do ministro da Defesa, Celso
Amorim, que tem sabido lidar com esses cristais com muita habilidade.
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