quinta-feira, 3 de abril de 2014

Tereza Cruvinel - A Petrobras e a sucessão‏

Com qualquer CPI, Dilma Rousseff passará pelo teste de seu tefal eleitoral. O de Lula era excepcionalmente resistente, e ele se reelegeu, apesar do mensalão


Estado de Minas: 03/04/2014


As denúncias envolvendo a Petrobras e a guerra entre governo e oposição pela instalação de uma CPI destinada a investigar a empresa começam a criar um clima parecido com o de 2005, que incendiou o Congresso, envenenou a campanha e ameaçou a reeleição do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Nesta altura, não há cenário sem repercussão na eleição presidencial: tanto o pior para o governo, o de uma CPI para investigar apenas a estatal, como o da CPI com foco amplo, com o qual os governistas tentam espalhar brasas também na direção dos dois principais adversários da presidente Dilma, o senador tucano Aécio Neves e o governador Eduardo Campos, do PSB. Ontem, os governistas trabalhavam para manter o impasse em torno das CPIs sem solução até terça-feira, quando a presidente da Petrobras, Graça Foster, prestará esclarecimentos à Comissão de Fiscalização. Mas o que está em curso é a luta política, que costuma passar ao largo das racionalizações técnicas.

Dilma já sofreu as primeiras perdas, com as quedas nos indicadores de confiança e aprovação do governo apontados pela pesquisa CNI-Ibope, que mal chegou a captar a repercussão do caso Petrobras. Pesquisas que estão programadas ou em campo devem apontar novos efeitos do caso sobre a imagem dela e seu potencial eleitoral. O deputado tucano Marcus Pestana, do comando aecista, diz que seu partido dispõe de pesquisas qualitativas segundo as quais Dilma começou a ser ferida em seu principal atributo positivo, o conceito de boa gestora. Isso teria começado com os soluços da inflação, as críticas à gestão macroeconômica e os problemas no setor elétrico, agravando-se com o caso Petrobras. Nesse último, ela mesma deu uma contribuição importante à erosão da boa fama, com a declaração de que não teria aprovado contrato de compra da refinaria de Pasadena, quando presidia o Conselho de Administração da Petrobras, se tivesse conhecido todas as cláusulas. De lá para cá, outras revelações vêm servindo ao objetivo da oposição, de mantê-la no centro do escândalo e desconstruir a imagem sobre a qual Lula erigiu a candidatura dela em 2010.

A última contribuição nesse sentido foi a declaração feita ontem por Edson Ribeiro, advogado do ex-diretor internacional da Petrobras Nestor Cerveró. Depois de avisar que o cliente não será “bode expiatório”, informou que todos os conselheiros receberam cópias da íntegra do contrato 15 dias antes da reunião do conselho. Confirmou, entretanto, que não constavam do resumo executivo apresentado na reunião as duas cláusulas que tornaram o negócio ainda mais danoso.

O tefal de cada um


Aqui, entram os aspectos da vida burocrática no interior do Estado, mal conhecidos por quem vive fora dele. Os conselhos de administração são integrados por autoridades públicas (e privadas, quando a empresa é de economia mista, como a Petrobras) que, tendo suas próprias atividades, não participam do dia a dia da empresa, tocado pela diretoria executiva. Em cada reunião, deparam-se com vasta agenda de medidas para examinar e aprovar. Geralmente, não chegam a ler os contratos, guiando-se pelo resumo executivo, que, no caso de Pasadena, foi realmente incompleto. Os representantes dos acionistas privados eram Fábio Barbosa, Jorge Gerdau e Cláudio Luiz Haddad. Se não eles, dirá a oposição, pelo menos os representantes do governo – que eram, além de Dilma, o hoje governador Jaques Wagner e o ministro da Fazenda, Guido Mantega – deviam ter examinado todo o contrato. “É de espantar que Dilma, famosa pelo costume de espancar projetos que lhe são apresentados por ministros e auxiliares, tenha sido tão passiva nesse caso”, diz Pestana. Mas é também forte o indício de má-fé do então diretor internacional, ao omitir do resumo executivo informações sobre cláusulas tão importantes, fixando a margem de lucro do sócio e a obrigação de compra do resto das ações em caso de impasse. Uma pergunta crucial é: por que houve a omissão?

Pasadena dá um bom discurso, mas a mira da oposição está em Paulo Roberto Costa, o ex-diretor que está preso e tinha conexões com boa parte da base governista. O presidente do Senado, Renan Calheiros, rejeitou os questionamentos à CPI da oposição, mas não descartou a CPI de todo o mundo, proposta pelos governistas. Se ela for instalada, haverá feridos dos dois lados e de quase todos os partidos. Dilma passará pelo teste de seu tefal. O de Lula era excepcionalmente resistente, e ele se reelegeu apesar do mensalão e, depois, dos aloprados.

Ainda 1964

A passagem dos 50 anos do golpe de 1964 desatou uma espécie de catarse coletiva por tudo que não foi dito ou desabafado em uma transição pactuada. Em algum momento isso aconteceria. O saldo deve ser o fortalecimento da democracia e a apropriação da verdade por todos. Quando as Forças Armadas se dispõem a investigar ocorrências de tortura em suas instalações, indicam que venceram o vírus golpista e o horror ao revanchismo. A outra parte do mérito é do ministro da Defesa, Celso Amorim, que tem sabido lidar com esses cristais com muita habilidade.

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