quarta-feira, 21 de maio de 2014

Eduardo Almeida Reis - Transferências‏

Muita gente, mas muita gente mesmo, gosta de entortar, como se entortada ficasse bem na foto



Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 21/05/2014

Até hoje, a Polícia Federal não encontrou os 500 mil que o doleiro Alberto Youssef depositou na minha conta. Como também não encontrei, sou levado a crer que o cascalho foi usado para cascalhar outras estradas. É pena, porque 500 mil cairiam bem à beça e à bessa. Mas não vou falar de transferências monetárias e sim da transferência psicanalítica, processo no curso do qual o paciente em psicoterapia transpõe para o analista seus sentimentos e atitudes com relação a outros objetos ('alvo') de amor.

Nos livros de Freud a explicação é complicadíssima e ocupa centenas de páginas. Veja um trechinho: “Assim, é perfeitamente normal e inteligível que a catexia libidinal de alguém que se acha parcialmente insatisfeito, uma catexia que se acha pronta por antecipação, dirija-se também para a figura do médico. Decorre de nossa hipótese primitiva que esta catexia recorrerá a protótipos, ligar-se-á a um dos clichês estereotípicos que se acham presentes no indivíduo; ou, para colocar a situação de outra maneira, a catexia incluirá o médico numa das ‘séries’ psíquicas que o paciente já formou”.

Catexia libidinal... Libidinal é adjetivo conhecidíssimo, mas o substantivo feminino catexia, ortoépia cs, que ninguém conhece, é a concentração de todas as energias mentais sobre uma representação bem precisa, um conteúdo de memória, uma sequência de pensamentos ou encadeamento de atos.

Isso em vista, pergunto: antipatia pode ser transferida? Sim, porque tive amigos na Rede Globo que detestavam determinado repórter, que não conheço pessoalmente e nunca me fez mal. Baseado nas opiniões dos amigos tomei horror ao rapaz, evito vê-lo na telinha e tiro o som durante as chamadas para os seus programas, mesmo sabendo que é filho de um político decente, peça raríssima, e foi casado com a neta de um amigo meu.


Fagundes
O ator Antônio da Silva Fagundes Filho, nascido no Rio em 1949, pai de Bruno Fagundes, de seu casamento com Mara Carvalho, e de Dinah Abujamra Fagundes, Antônio Fagundes Neto e Diana Abujamra Fagundes, de seu casamento de 15 anos com Clarisse Abujamra, diz que detesta dar autógrafos e tirar fotos com os fãs que encontra por aí.

Realmente, deve ser chatíssimo. O sobrenome Fagundes, que não é dos mais bonitos, deve derivar de Facundo ou Fagundo. Facundo é eloquente, falador. Presumo que seja insuportável o assédio dos fãs, como também deve ser muito chato, para um ator de tevê, circular por aí sem ser reconhecido.

Antônio Fagundes deve ser ótima pessoa. Estive na fazenda em que ele passou semanas gravando a novela O Rei do Gado. Os empregados, garçons, cozinheiras, copeiras, arrumadeiras, jardineiros, que eram os mesmos quando lá cheguei, só falavam bem do astro, muito simpático e educado com todos eles, procedimento incomum entre os célebres. Vale o registro.


Fotografias
Não sou de guardar as fotos em que apareço, isto é, aparecia quando era festeiro. São aqueles cromos de um grupo de cinco ou seis pessoas que conversavam e o profissional pede que formem um semicírculo, bate a foto e anota os nomes. Juro que gostaria de ver as fotos do tempo em que andei festando para constatar se também fazia aquela cara de idiota, com o sorriso imbecil, marca registrada de quase todos os que se deixam fotografar.

Muita gente, mas muita gente mesmo, gosta de entortar, como se entortada ficasse bem na foto. É impressionante e pode ser visto em todas as colunas de todos os jornais e revistas. Por que, diabo, entortando as pessoas acham que melhoram?

Outra constante, no Brasil inteiro, é a falta de noção das coisas. A partir de certa idade, não há roupa, não há maquilagem que dê jeito na maioria das senhoras. Isto não obstante, todas adoram ser fotografadas e entortam para o profissional da área. O resultado é doloroso, sobretudo e principalmente quando são da minha geração.

Ainda bem que há notícia dos metamateriais, novos materiais que estão sendo desenvolvidos em laboratórios com as mais diversas finalidades, como, por exemplo, tornar os objetos invisíveis. Graças aos avanços da nanotecnologia, os cientistas são capazes de controlar como os elétrons dos materiais respondem quando atingidos pela luz. Numa segunda etapa, talvez seja possível tornar invisíveis as senhoras e as senhoritas feias diante das luzes dos flashes.

As exceções continuam sendo as noivas nos dias dos casamentos: não há foto de noiva feia. Devem estar pensando nos maridos, sem saber que são iguais às menstruações: quando chegam, incomodam; quando atrasam, preocupam.


O mundo é uma bola
21 de maio de 1910: fundação da Fifa, Fédération Internationale de Football Association, que está completando 110 anos de existência e tem sua sede em Zurique, na Suíça. Na condição de cronista-Fifa jubilado, isto é, aposentado, apraz-me constatar que estamos a pouquíssimos dias da Copa das Copas, quando o mundo verá, assombrado, tudo que é possível fazer num país superiormente administrado por gente honesta e competente, um governo padrão-Fifa. Hoje é o Dia da Língua Nacional e o Dia do Profissional de Letras.


Ruminanças

“Chamais de línguas mortas as línguas de Flaco e de Píndaro? Mas tudo que vive nas nossas vem dessas duas” (Goethe, 1749-1832).

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