A felicidade não resulta da soma de prazeres nem do acúmulo de bens. É fruto do sentido que se imprime à existência
Frei Betto
Estado de Minas: 28/05/2014
O título pode
parecer paradoxal, mas faz sentido. Hoje em dia quase ninguém curte a
velhice. Ou se assume como velho. Mesmo quem já atingiu idade avançada
costuma fazer questão de dar a impressão de ser mais jovem. Chamar
alguém de “velho” é quase uma ofensa. Eu, que velho estou, costumo
brincar que sou “seminovo”, como em revendas de veículos. O carro é
velho, mas o adjetivo ajuda a iludir o freguês.
Ficar velho está
cada vez mais caro. Tanto para o governo, obrigado a arcar com o
crescente número de aposentadorias, pensões e atendimentos pelo SUS,
quanto para o cidadão, impelido a investir em plano de saúde, academia
de ginástica, medicamentos fitoterápicos e alimentação saudável, como
frutas e legumes orgânicos.
Agora, a Cellectis, empresa francesa
de biotecnologia, coloca no mercado a iPS (sigla em inglês para designar
células-tronco de pluripotência induzida). A última novidade em
medicina regenerativa. Para produzir iPS basta introduzir quatro genes
em células maduras e, assim, elas regridem ao estado de células-tronco.
Esse processo, descoberto pelo cientista japonês ShinyaYamanaka,
assegurou-lhe o prêmio Nobel de Medicina, em 2012. As células-tronco
obtidas por esse método (iPS) teriam a mesma capacidade que caracteriza
as células embrionárias: transformar-se em novos tecidos e órgãos.
Quem
deseja evitar a natural degradação de seu organismo e, desde já,
estocar células da pele para que se tornem iPS, basta recorrer à empresa
francesa Scéil, braço da Cellectis. A saúde em idade provecta não custa
barato. A Scéil cobra US$ 60 mil (pouco menos de R$ 140 mil) para
coletar as células, e uma taxa anual de US$ 500 (cerca de R$ 1,1 mil)
para armazená-las. Por enquanto, esse luxo está disponível apenas nos
EUA, Reino Unido, Suíça, Dubai e Cingapura.
“As pessoas devem
poder viver jovens”, alardeia André Choulika, presidente da Cellectis.
Por enquanto, é um luxo adotar esse procedimento de recauchutagem
genética, mas pode-se recorrer, a preços mais em conta, a cirurgias
plásticas por mero capricho estético. De preferência em regiões
predominantemente frias, para justificar o uso de cachecol e luvas.
Pescoço e mãos são traiçoeiros à vaidade senil: denunciam que o nosso
corpo e a nossa idade não são tão jovens quanto o rosto remodelado.
No
México, o Instituto de Medicina Regenerativa promete operar curas via
células-tronco. Basta extrair 200 mililitros de gordura da coxa do
paciente e, em seguida, colher cerca de 130 milhões de células-tronco
para implantá-las no órgão enfermo. O procedimento custa, em média, US$
13,5 mil (em torno de R$ 30 mil).
Além de jovialidade perene,
muitos buscam a imortalidade (sem entrar para academias de letras). Como
o limite natural da célula humana é de 130 anos, há esperança de que,
graças às células-tronco, haja possibilidade de substituir células
envelhecidas, com prazo de validade vencido, por novas.
O título
de pessoa mais velha do mundo é atribuído à francesa Jeanne Calment, que
viveu 122 anos (1885-1997). Passeou de bicicleta até os 100 anos, andou
até os 115, e tinha o hábito de beber um copo de vinho e fumar um
cigarro todo dia. O boliviano Carmelo Flores Laura, índio Aimara, alega
ter 123 anos, graças às longas caminhadas como pastor de gado e ovelhas.
Para o Guinness de Recordes, ninguém ainda superou a japonesa Misao
Okawa, de 115 anos. A chinesa AlimihanSeyiti afirma ter 127 anos. Seus
maiores prazeres são beber água gelada e cantar e brincar com crianças.
O
curioso é que, em geral, vive muito quem não teme morrer. E sobretudo
quem imprime à sua vida um sentido altruísta. A ansiedade de prolongar a
existência a qualquer custo pode gerar na pessoa um estresse que lhe
abrevia os dias. Vi na TV, há tempos, Datena entrevistando um casal
longevo, habitantes da zona rural paulista. Ele com 111 anos, ela com
108. O marido se mostrava mais lúcido que a mulher. O entrevistador
perguntou a ele a que atribuía tão longa existência. Dieta? “Adoro um
torresminho”, reagiu o homem. E beber? Não se fez de rogado: “Uma
cachacinha antes da comida cai muito bem”. E fumar?, perguntou Datena.
“Fumar? Nem pensar. Parei desde os 108.”
Importa na vida é ser
feliz. E a felicidade não resulta da soma de prazeres nem do acúmulo de
bens. É fruto do sentido que se imprime à existência.
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