Pesquisa indica que estudar fortalece o
cérebro. Quanto maior o grau de escolaridade de uma pessoa, mais chances
ela tem de se recuperar de um trauma
no órgão
Vilhena Soares
Estado de Minas: 28/05/2014
Brasília – “O
conhecimento torna a alma jovem e diminui a amargura da velhice.” A
frase enunciada por Leonardo Da Vinci fala de algumas das vantagens que a
busca por informações e os estudos trazem às pessoas. Pesquisadores da
Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, garantem que outro
benefício pode ser acrescentado a essa lista: um cérebro com mais
capacidade de se recuperar de traumas. Segundo uma pesquisa publicada
recentemente na revista especializada Neurology, indivíduos com níveis
altos de escolaridade obtêm resultados melhores no tratamento de lesões
cerebrais e tendem a ter sintomas menos severos quando são acometidos
por doenças neurodegenerativas, como o mal de Alzheimer.
A
curiosidade sobre a relação entre anos de estudo e recuperação cerebral
surgiu quando os pesquisadores notaram diferenças significativas no
progresso de pacientes atendidos no hospital da universidade. “Depois de
terem esses tipos de lesões, algumas pessoas ficam desabilitadas para o
resto da vida e nunca são capazes de voltar ao trabalho, enquanto
outras pessoas, com problema semelhante, se recuperam totalmente”,
afirma, em um comunicado à imprensa, Eric Schneider, professor da
Faculdade de Medicina da instituição. “Conhecemos alguns fatores que
levam a essas diferenças, mas não podemos explicar toda a variação. Esse
trabalho buscou por mais peças do quebra-cabeça”, completa.
Na
investigação, a equipe acompanhou um grupo de 769 pessoas com lesões
cerebrais traumáticas graves, muitas delas decorrentes de acidentes de
carro ou quedas. Os participantes já haviam passado um período no
hospital e participavam da reabilitação. Os pesquisadores dividiram o
grupo em três categorias: pessoas que não cursaram o ensino médio,
pacientes que tinham concluído o ensino médio e, por fim, aqueles que
tinham um curso de graduação.
Ao final de um ano de
acompanhamento, 214 pacientes se recuperaram totalmente da lesão. E
desses, quase a totalidade tinha, pelo menos, o ensino médio completo. E
quanto mais anos de estudo, maior a taxa de sucesso. “As pessoas com um
diploma universitário apresentaram sete vezes mais chances de se
recuperar totalmente da lesão do que as que não terminaram o ensino
médio”, constata Schneider. “E as pessoas com alguma educação
universitária tinham quase cinco vezes mais chances de se recuperar
totalmente do que aqueles sem instrução suficiente para ganhar um
diploma do ensino médio”, acrescenta.
Na avaliação dos
cientistas envolvidos no trabalho, o diferencial positivo das pessoas
com maior formação foi alcançado graças ao que chamam de reserva
cognitiva. Indivíduos com mais educação teriam um conhecimento acumulado
maior, o que beneficiaria a recuperação dos problemas neurais. Para
Renato Anghinah, chefe do Serviço de Reabilitação Cognitivia Pós-Trauma
de Crânio da Universidade de São Paulo (USP), a pesquisa da equipe
americana ilustra bem esse famoso conceito na área neurológica. “Para
entender bem, podemos dizer que esse conhecimento adquirido, essa
reserva cognitiva que guardamos ao longo da vida, fica guardada em uma
pequena poupança, que usamos quando é necessário. Em casos como essas
lesões, por exemplo, ela auxilia um número maior de sinapses neurais e
um aumento de conexões. E essas conexões são ações que ajudam o cérebro a
trabalhar melhor”, explica o brasileiro, que não participou do estudo.
Segundo
Anghinah, essa recuperação mais rápida é observada nos consultórios
diariamente. “Nos casos que acompanhamos aqui no centro de tratamento,
já notamos que pacientes com mais educação conseguem se recuperar mais
rapidamente. Com pessoas que sabem outros idiomas, por exemplo, temos
mais recursos de tratamento, podendo explorar suas atividades de
retomada”, diz.
Atrasando distúrbios Os especialistas da Johns
Hopkins acreditam que outros trabalhos podem ajudar a decifrar mais
minuciosamente as vantagens do conhecimento para a saúde cerebral.
“Precisamos aprender mais sobre como a educação ajuda a proteger o
cérebro e como afeta a lesão e a resiliência. Explorando essas relações,
esperamos ajudar a identificar formas de ajudar as pessoas a reverterem
uma lesão cerebral traumática”, destaca Eric Schneider.
O
norte-americano explica ainda que a reserva cognitiva tem sido estudada a
fundo como “protetora” de doenças comuns na idade avançada. “Estudos
têm focado principalmente em pacientes com evolução crônica
neurodegenerativa, como o Alzheimer. Trabalhos recentes feitos com
pacientes idosos indicam que escolaridade é um fator de independência
cognitiva, que mais tarde pode contribuir para o desempenho das pessoas
de idade mais avançada”, escrevem os autores no trabalho.
De
acordo com Rogério Gomes, neurologista e professor da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG), o estudo traz dados interessantes sobre o
tema. “O trabalho é muito interessante e expande uma ideia que já
conhecíamos, a reserva cognitiva, que sempre foi associada a problemas
causados pela demência. Sabemos que estudar e explorar novos assuntos
impede que doenças neurodegenerativas incapacitem o idoso. Aprender não
impede que a doença chegue, mas a atrasa, o que auxilia na vivência”,
destaca.
Gomes ressalta que o trabalho é inicial e que outras
análises podem ser feitas para que exista total certeza dos benefícios
do nível de escolaridade. Porém, ele frisa que um ponto positivo do
trabalho é apontar mais benefícios dos estudos. “A ideia de que devemos
estimular mais nosso cérebro é algo muito importante em todos os
sentidos. Faz bem também para a saúde”, avalia.
Anghinah, da
USP, também acredita que o trabalho cumpre a importante missão de
valorizar a educação. “Sabemos que níveis de escolaridade dependem muito
de outros fatores, como a situação socioeconômica do indivíduo,
principalmente quando criança, já que, nessa época, a pessoa começa a
formar a base do seu conhecimento. Alguém que começa a ler mais tarde na
vida, por exemplo, já não possui o mesmo nível de reserva cognitiva.
Ainda precisamos de mais trabalhos que mostrem detalhes precisos da
relação entre conhecimento e proteção do cérebro, mas, ainda assim, já
podemos tomar como de grande importância a vontade de aprender algo novo
e exercitar a mente”, completa.
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