sábado, 10 de maio de 2014

Mergulho de cabeça - Carlos Herculano Lopes

Mergulho de cabeça

Com seu segundo romance, A menina de véu, Natália Nami se firma como uma das boas promessas da literatura brasileira contemporânea



Carlos Herculano Lopes
Estado de Minas: 10/05/2014


A escritora Natália Nami incorpora em seu novo livro aspectos da cultura libanesa de sua família       (George Wright/Divulgação)
A escritora Natália Nami incorpora em seu novo livro aspectos da cultura libanesa de sua família


Depois de uma bem-sucedida estreia como contista em 2008, com O pudim de Albertina (7 Letras), a escritora, tradutora e professora Natália Nami resolveu migrar para o romance. Há três anos publicou O contorno do sol (Rocco). A boa aceitação do livro – nesse meio-tempo ganhou alguns prêmios e participou de antologias – deu-lhe ânimo para prosseguir no gênero e, nos últimos quatro anos, em paralelo a outras atividades, se dedicou a escrever A menina de véu. O livro acaba de sair pela Rocco.

A opção foi acertada, pois Natália Nami, que nasceu e mora em Barra do Piraí, no interior fluminense, conseguiu, de maneira delicada e segura, como se desenrolasse um longo novelo, contar a história de Lígia, uma mulher comum. Filha da classe média, ela nasceu e foi educada para se casar, ter filhos e cuidar da casa. Mas o destino lhe teceu uns nós: acabou ligando-a a um homem – um militar de origem árabe – que definitivamente, como se fosse um prenúncio de coisas ruins, não correspondia às expectativas da sua família. Ela enfrentou a situação e resolveu encarar aquela “briga”, apostou todas as fichas nos sentimentos, mas acabou sendo derrotada.

No dia do casamento, o noivo, sem nenhuma explicação, não aparece, deixando-a no altar, como se não acreditasse no que estava acontecendo. Com um detalhe: ela estava grávida. A partir daí, a vida de Lígia passa a ser marcada por uma série de desencontros, de amores não correspondidos, até que um dia, em um restaurante, ocorre um fato insólito, com o qual ninguém contava. Um homem, que talvez tenha sido o seu ex-noivo, estava lá, acompanhado de uma mulher mais jovem e também grávida. Mas seria mesmo ele?

É nesse desenrolar do novelo que, aos poucos, a autora consegue transformá-lo em tecido ou em um delicado véu, no qual o leitor vai se enredando. Como se também a ele – e por que não? – pertencesse essa história de amor não correspondido, solidão e espera. Juntam-se a tudo isso outros personagens e situações que vão surgindo no decorrer da narrativa, cada qual com sua cor e luz, para fazer de A menina de véu um livro primoroso, com o qual Natália Nami se coloca em posição de destaque na literatura brasileira contemporânea.

E sobre o trabalho de sua geração, Daniela é otimista e generosa. “Há uma variedade incrível de temas, gêneros, caminhos. Temos romancistas de primeira linha fazendo trabalhos interessantíssimos em segmentos múltiplos. A nossa geração está produzindo um cardápio farto, para todas as fomes literárias.” Com seu romance A menina de véu, Daniela mostra que sabe o que está dizendo.



Duas perguntas para...

Natália Nami
escritora


O fato de você vir de uma família de origem libanesa teve alguma influência no romance?

Para a criação dos personagens, acho que a minha grande família libanesa esteve muito presente. Não na personalidade deles, mas nessa cor meio oriental que acho que o livro tem. Meu pai, Elias José Nami, me contava histórias do Líbano antigo e pacífico. Era tudo exótico, muito querido, com um perfume de pimenta árabe no ar. Meu pai sabia fazer os pratos típicos como ninguém, e eu adorava quando a cozinha se impregnava daqueles cheiros, que vinham junto com as histórias. Uma parte de A menina de véu talvez esteja muito ligada a essas origens.

Você começou escrevendo contos e migrou para o romance. Como foi essa experiência?

Considero o romance um universo e o conto, outro. Há semelhanças, obviamente, já que se trata de literatura em ambos, mas é como se no romance a gente desse um mergulho de cabeça e levasse o pé de pato, snorkel etc, e no conto ficasse nadando de crawl, por exemplo. Não é que o conto seja um “nado de superfície”, em absoluto, é até o contrário. Mas é um nado dentro dos limites da raia, enquanto no romance você sabe que terá tempo de conhecer os seus próprios personagens na intimidade, durante muito mais tempo, e acaba respirando mais fundo – ainda que por um tubo.

A menina de véu

De Natália Nami
Editora Rocco, 160 páginas, R$ 24,50

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