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Poeta da arquitetura
Filme de Gustavo Gama Rodrigues e Paulo Barros mostra a trajetória de Sérgio Bernardes, vencedor da Bienal de Veneza de 1964, que pensava o mundo de maneira muito particular
Walter Sebastião
Estado de Minas: 29/06/2014
Um arquiteto famoso pelo projeto de belas casas integradas à natureza, quando a palavra ecologia ainda nem era tão popular, em certo momento da vida deixa de lado a carreira bem-sucedida, inclusive fora do Brasil, e começa a desenvolver projetos visionários. Que, inicialmente, trocam a escala residencial pela metropolitana. Imagina, por exemplo, o Rio de Janeiro como microcidade autossuficiente, inclusive com relação à moeda. E, em sucessivas radicalizações, passa a pensar o Brasil, o mundo e o universo. O preço por tal aventura foi ser posto à margem e sob a tarja de utópico.
Sérgio Bernardes (1909-2009) é um representante ilustre, mas pouco conhecido, da geração que criou e recriou a arquitetura brasileira (Lúcio Costa, Oscar Niemeyer e José Zanine Caldas, entre outros). Assinou projetos institucionais, residência de celebridades (é dele a casa do cirurgião plástico Ivo Pitangui), ganhou prêmios em bienais, sonhou com um mundo diferente. E viveu como quis. Ao vencer a Bienal de Veneza, em 1964, trocou o prêmio em dinheiro por uma Ferrari, que levava em suas viagens ao exterior e pilotava em autódromos.
Já estreou em algumas salas do país e deve chegar em breve a Belo Horizonte o documentário Sérgio Bernardes, de Gustavo Gama Rodrigues e Paulo Barros, que apresenta o personagem ao público. “Quem for ver o filme vai conhecer a história de um homem que bagunça a nossa cabeça. E que, por acaso, é arquiteto. Mas de fato é um poeta, um filósofo e um ser humano especial, que foi ao limite do possível”, conta o diretor Paulo de Barros. “Por ser uma metralhadora de ideias, achavam que ele era maluco. Mas o que ele diz e defende tem fundamento. E faz pensar. O caminho que as cidades e mundo estão tomando tem de ser o que estamos vendo?”, observa.
O filme é o primeiro longa dos dois diretores. “Foi uma gestação de quase quatro anos, enfrentando logística financeira complicada, imposta a quem faz cinema no Brasil. Mas mergulhar na vida de um personagem carismático trouxe prazer que supera todos os obstáculos”, garante. Mérito dos documentários, para ele, é serem aulas sintéticas sobre diversos temas ou personagens. O diretor aprova o crescimento de filmes sobre arquitetura e urbanismo, que vão chegando inclusive à TV. “São oportunidade de enxergarmos o lugar onde vivemos de outro modo. O mundo carece de soluções para a vida louca que vivemos”, observa.
Memórias
Sérgio Bernardes dizia que, no futuro, as pessoas iam comprar terrenos medidos em centímetros, do mesmo jeito que hoje compramos a metros e, no passado, a medida era em hectares. A recordação vem de um animador ilustre do documentário sobre o arquiteto: Thiago Bernardes, de 39 anos, neto dele (autor, em parceira com Paulo e Bernardo Jacobsen, do projeto do Museu de Arte do Rio, o MAR). “Sérgio Bernardes inventou uma profissão: o inventor social. Que está muito além da arquitetura”, afirma Thiago, valendo-se de expressão que o avô usava para se autodefinir.
“Para Sérgio, o importante era abrir a cabeça das pessoas. Ele considerava que suas propostas poderiam não ser aceitas, mas, em algum momento, teriam de ser discutidas”, conta Thiago Bernardes. E, por isso, ele não considera preciso aplicar a palavra utópico às ideias do avô. Sérgio propôs, conta, uma espécie de seguro-habitação, que garantia a todos o direito à moradia. Cada projeto era produto de estudos. Há, na marginalidade em que Sérgio foi colocado, drama. “Mostra o que a sociedade faz com grandes pensadores: abafa, chama de maluco”, afirma, criticando imediatismos.
Sobre como era a personalidade do avô, Thiago Bernardes conta que ele era pessoa especial. “Para ele, todo mundo era igual, tinha uma ausência de preconceitos que era fascinante. Todos que o conheceram ficaram marcados por ele. Desde o porteiro do prédio aos clientes”, afirma. “Dava a sensação de ser um homem que veio ao mundo para plantar sementinhas de mudança na cabeça das pessoas”, acrescenta, contando que o sonho de Sérgio Bernardes era uma sociedade tropical.
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