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O mais corajoso dos homens
Com a morte de Bobby Womack, a soul music perde um de seus mais influentes artistas. Cantor gravado pelos Rolling Stones mostrou capacidade de dar a volta por cima e vencer o ostracismo
Com a morte de Bobby Womack, a soul music perde um de seus mais influentes artistas. Cantor gravado pelos Rolling Stones mostrou capacidade de dar a volta por cima e vencer o ostracismo
Mariana Peixoto
Estado de Minas: 30/06/2014
Bobby Womack tocou com Aretha Franklin e Ray Charles e teve canções gravadas por Janis Joplin e George Benson |
Ninguém se torna o homem mais corajoso do universo à toa. Bobby Womack sofreu com diabetes, conseguiu superar a cocaína e o câncer. Até o Alzheimer, que o alcançou mais recentemente, não foi capaz de tirá-lo dos palcos. Foi visto pela primeira vez no Brasil em novembro, no Rio e em São Paulo, no festival Back2Black. Mas até o homem-coragem sucumbe. Womack morreu sexta-feira, aos 70 anos. No entanto, um dos últimos grandes remanescentes da era de ouro da soul music partiu deixando um legado que vai sobreviver a ele. E um canto dos cisnes que o recuperou do ostracismo e o apresentou, da maneira devida, às novas gerações.
Lançado em 2012, The bravest man in the universe, presente em todas as listas de melhores discos de 2012, foi cria de Damon Albarn. O líder do Blur tirou Womack do limbo dois anos antes para uma participação em Plastic beach, álbum de sua segunda banda, o Gorillaz. Albarn, aqui em parceria com Richard Russell, repetiu a dobradinha de produção que também tirou outro velho herói da música americana do esquecimento. Os dois produziram I’m new here (2010), de Gil Scott-Heron. Coincidência infeliz, foi também o derradeiro disco de Scott-Heron, que morreu um ano mais tarde.
Voltando a Womack, The bravest man in the universe, seu primeiro álbum em 13 anos, começa com a faixa homônima, com a interpretação a capela, com sua voz de barítono ainda potente, porém um tanto descarnada, que explicita a acidentada biografia do cantor, compositor e guitarrista. A canção continua num clima quase trip-hop, que está em função da voz de Womack. A dupla de produtores não o atropela em momento algum, só atualizando, sem forçar a barra, uma obra que sempre foi moderna. Promove ainda encontros inusitados, como a de Womack dividindo uma canção (Dayglo reflection) com a então estrela em ascensão Lana Del Rey. E até o embate entre os monstros Womack e Scott-Heron numa pequena vinheta (Stupid introlude).
Ao longo de sete décadas, Womack renasceu várias vezes. Nascido em 4 de março de 1944, o filho de um metalúrgico de Cleveland não fugiu à regra no início de carreira. A rígida educação religiosa o levou, ainda criança, a se unir aos quatro irmãos – Cecil, Curtis, Harry e Friendly Jr. – e formar o quinteto gospel The Womack Brothers. Foi Sam Cooke, considerado o inventor da soul music, quem levou os irmãos, a contragosto do pai, para o caminho da música secular. Rapidamente, os Womack se tornaram The Valentinos. Mas a estrela de Bobby começou a brilhar realmente por meio de terceiros. Foi guitarrista da banda de Cooke e, depois do assassinato deste, os Valentinos não renderam muito tempo. Surpreendentemente, Womack, a despeito da tragédia com o mentor, não esperou muito para se casar com a viúva de Cooke, Barbara Campbell, o que deixou a comunidade R&B consternada.
Nas paradas
Como guitarrista, Womack gravou com Aretha Franklin, Ray Charles, Dusty Springfield e Wilson Pickett. Este último, por seu lado, registrou 17 canções de autoria de Womack, I’m a midnight mover entre elas. Suas composições foram também ouvidas nas vozes de George Benson (Breezin’) e Janis Joplin (Trust me). Mas foi com os Rolling Stones que Bobby chegou ao topo das paradas. O primeiro hit da banda de Mick Jagger e Keith Richards foi uma gravação de It’s all over now, que os Valentinos haviam registrado anteriormente.
Como artista solo, só estreou em 1968, numa carreira discográfica cujo auge ocorreu nos anos 1970, com álbuns como Communication (1971) e Understanding (1972). Quando entrou para o Hall da Fama do Rock, em 2009, Womack declarou: “Se você é abençoado por ser capaz de esperar o que é importante para você, um monte de coisas vão mudar na vida.” Infelizmente, a morte chegou para Womack em meio à produção de seu novo álbum, projeto que contaria com a participação de Stevie Wonder e Rod Stewart. O título anunciado é The best is yet to come (O melhor ainda está por vir). Pura ironia.
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