sábado, 7 de junho de 2014

O direito de protesto - Rafael Santiago Costa

O direito de protesto
 
Passeatas pacíficas e ostensivas interdições de rodovias não podem receber o mesmo tratamento pelo Estado

Rafael Santiago Costa
Advogado
Estado de Minas: 07/06/2014



Sem negarmos a importância dos movimentos reivindicatórios em andamento no Brasil e atentos ao fato de que intensos debates já vêm ocorrendo acerca dos justos pleitos sociais agora apresentados em alto e bom som, optamos por analisar outra questão diretamente relacionada a tais movimentos.

Não há como falar em manifestações populares sem tratar da liberdade de expressão e o direito de reunião, direitos fundamentais expressamente previstos na Constituição Federal. Como tais, demandam profundo respeito e proteção por toda sociedade e, principalmente, pelo Estado.

Contudo, não se pode desconsiderar que nenhum direito fundamental é absoluto, pois encontra limites em outros direitos fundamentais a serem igualmente protegidos. E é sob esse enfoque que trazemos para reflexão a contraposição entre o direito de livre manifestação e o direito de liberdade, aqui com enfoque em seu aspecto relacionado à locomoção.

Como todos os direitos fundamentais devem conviver de forma harmônica, torna-se necessária a ponderação entre os que se mostrem conflitantes em determinadas situações concretas. É o que nos parece acontecer quando o direito de manifestação de alguns acaba afrontando o direito de locomoção de outros. Em cenários como os vivenciados nos últimos dias, o direito de manifestação deve ser considerado mais relevante que o direito de locomoção? Ou o contrário deve ser tido como correto?

Não são perguntas simples, mas a resposta deve ser negativa para ambas, pois a busca de uma prévia hierarquia entre os direitos fundamentais pode acarretar na supressão definitiva de alguns deles. O mais correto é que sejam efetuadas ponderações diante do caso concreto, pautadas por critérios de razoabilidade, proporcionalidade e no interesse público, sempre direcionadas à manutenção e coexistência dos direitos envolvidos.

Trazendo essa diretriz geral para o aparente conflito entre os direitos de manifestação e locomoção, alteram-se as perguntas feitas, agora apresentadas de outra forma. É razoável que o direito de locomoção das pessoas sofra restrições em determinados momentos e locais em função do direito de manifestação exercido por outras, por exemplo, por meio de uma passeata previamente anunciada? Por outro lado, é razoável que o direito de locomoção das pessoas seja completamente inviabilizado em determinados locais e por tempo indeterminado em função daquele mesmo direito de manifestação, mas agora exercido por meio de verdadeiras e ostensivas barricadas organizadas em rodovias ou vias urbanas?

A nosso ver, a resposta não pode ser a mesma para as duas perguntas. Se os direitos fundamentais devem coexistir, um não pode justificar a total supressão do outro. Se a liberdade de locomoção não pode impedir a liberdade de manifestação por completo, demandando resposta positiva à primeira pergunta, o contrário também é verdadeiro e a segunda pergunta passa a merecer resposta negativa. Afinal, se existem inúmeras formas de manifestação, não pode ser legítima aquela que se mostra mais gravosa em relação a outro direito fundamental, a ponto de inviabilizar totalmente o seu exercício.

Entendimento contrário e que caminhe no sentido de ser absoluto o direito de manifestação, considerando irrelevante o direito de locomoção, pode resultar na situação em que uma mesma rodovia seja interditada praticamente todos os dias, cada vez por um grupo, independentemente do número de envolvidos e da motivação do protesto. Afinal, se a ocupação é considerada legítima em um dia, também deverá sê-lo nos demais.

O tema é certamente polêmico e passível de maior aprofundamento. A título de exemplo, foi proferida decisão monocrática no Superior Tribunal de Justiça (Habeas Corpus nº 272.607) justamente em face das manifestações que atualmente ocorrem em todo país. O ministro Herman Benjamin considerou flagrantemente ilegal decisão anterior “que impede a livre manifestação pacífica em território nacional”. Afirmou não caber “ao Poder Judiciário, previamente, impor o emprego da força policial para reprimir a circulação de cidadãos que buscam o legítimo exercício da cidadania, em prol de melhorias públicas”.

Essa decisão não chega a conflitar com o que sustentamos acima. Isso porque se torna necessário analisar melhor cada caso concreto para se concluir sobre o que vem a ser uma manifestação pacífica, saber distinguir entre imposição prévia de força policial para repressão e posterior contenção policial de abusos e, principalmente, compreender a ideia de circulação de manifestantes no exercício de sua cidadania. A nosso ver, passeatas pacíficas que geram alguns inconvenientes à locomoção das pessoas e abruptas e ostensivas interdições de rodovias que impedem por completo a locomoção durante horas são formas completamente distintas de manifestação, não podendo receber o mesmo tratamento pelo Estado.

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