sábado, 19 de julho de 2014

Carta a Ignacy Sachs, pioneiro na cooperação Índia-Brasil‏

Carta a Ignacy Sachs, pioneiro na cooperação Índia-Brasil
Maurício Andrés Ribeiro
Estado de Minas: 19/07/2014


O primeiro-ministro da Índia, Narenda Modi, a presidente Dilma Rousseff e o presidente chinês Xi Jinping durante o encontro do Brics, quarta-feira, em Brasília     (Sergio Moraes/Reuters)
O primeiro-ministro da Índia, Narenda Modi, a presidente Dilma Rousseff e o presidente chinês Xi Jinping durante o encontro do Brics, quarta-feira, em Brasília


Prezado Professor Sachs,

O Brasil sedia uma reunião do Brics – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – da qual podem resultar avanços na cooperação entre esses países que, juntos, têm 40% da população mundial e 24% da área de terras do planeta.

 Durante mais de 65 anos, trabalhaste para a cooperação Brasil-Índia. Em uma entrevista, impressionado com a independência da Índia em 1947, perguntavas: “Como um país colonizado consegue se livrar da dominação do maior império colonial do mundo quase sem derramamento de sangue? A mensagem é absolutamente extraordinária”(in Estudos avançados, “Entrevista com Ignacy Sachs”, dezembro de 2004).

Gandhi enfatizava a importância da autolimitação das necessidades e foi para ti uma referência no tema do desenvolvimento: “Gandhi para mim era e continua a ser o precursor das boas teorias de desenvolvimento, pela maneira como considerava a massa camponesa como o ator central do processo de desenvolvimento.” Também foste inspirado pelo Nobel de Economia Amartya Sen: “Foi a leitura de Amartya Sen que me levou a propor a reconceitualização do desenvolvimento em termos de universalização efetiva do conjunto das chamadas três gerações de direitos: os direitos políticos, civis e cívicos (a democracia como pedra angular, foundational value, diz Sen); os direitos econômicos, sociais e culturais, incluindo o direito ao trabalho decente; e por último os direitos coletivos do desenvolvimento, ao meio ambiente, à infância”. (A terceira margem)

Nos anos 1950, enquanto fazias o doutorado em Delhi, vivenciaste o forte prestígio internacional daquele país, que demonstrava grande confiança em si próprio e que recebia chefes de estado e cientistas sociais de fama mundial. Também são presentes em teus textos a admiração pela Índia, descrita como terra de inspiração e laboratório do desenvolvimento. Neles, expressas sua dívida intelectual para com os indianos e nomeias aqueles de quem recebeste estímulos: os economistas K. N. Raj, ex-reitor da Universidade de Delhi; Sukihomoy Chakravarti; Deepak Nayar, reitor da Universidade de Delhi; Amartya Sen. Além deles, relembras a importância dos contatos com outros cientistas, tais como o politólogo Rajni Kothari; o historiador da ciência Rahman; Ashok Parthasarathi; Amulya K. N. Reddy; M. S. Swaminathan; Anil Agarwal; o ecologista Gadgil e o historiador Guha.

Ao acreditar na importância da cooperação entre países tropicais, que podem construir civilizações modernas da biomassa, enfatizas a necessidade de abre-alas para esse desenvolvimento e propões que o Brasil e a Índia assumam tal posição. Reforçaste a importância de nos aproximarmos dos indianos através de rede de cooperação técnica por biomas. Ao postular a reforma da ONU, enxergas as possibilidades da liderança colaborativa desses dois países no aprimoramento das instituições internacionais, oxigenando o ambiente e fazendo circular ideias novas, originárias do pensamento do sul.

Hoje, continuam precários os laços culturais e de comunicação entre esses países. Para transpor esse abismo, propões estabelecer um centro de pesquisa sobre o Brasil contemporâneo em uma universidade indiana e um centro de pesquisa sobre a Índia contemporânea em uma universidade brasileira e intercambiar estudiosos e bolsistas, criando massa crítica de pessoas que lancem pontes de cooperação. Seria uma estratégia para, em poucos anos, formar um conjunto de jovens com melhor conhecimento mútuo.

Prezado Professor Sachs,

A Índia é uma terra fértil para se estudar e compreender a evolução humana e o papel que a nossa espécie desempenha nessa atual crise da evolução. O conhecimento aprofundado sobre psicologia e sobre a natureza do ser humano encontrado em filosofias indianas ajuda a lidar com esse grande ator da crise atual. No campo da ecologia do ser, dos estudos da consciência e da educação integral, a civilização indiana é guardiã de riquezas valiosas para a autossuperação humana.

A cosmovisão indiana propõe que cada um de nós nessa vida tem seu dharma, sua missão ou tarefa a cumprir. Trabalhar pela aproximação Índia-Brasil tornou-se parte de meu dharma, que exerço com alegria. Agradeço à Índia pela inspiração que me proporcionou.

Nos idos de 1977, quando pus os pés na Índia pela primeira vez, sabia que percorria caminhos que trilharas, pioneiramente, nos anos 50. Sou grato pelas orientações e pelas valiosas referências que me ofereceste desde então. Sinto-me em ótima companhia filosófica e intelectual, que me estimula a prosseguir no caminho das Índias.

Cordialmente, aqui me despeço com um grande abraço,

Maurício.

. Maurício Andrés Ribeiro é ex-pesquisador visitante no Indian Institute of Management, Bangalore. Autor de Tesouros da Índia para a civilização sustentável. www.ecologizar.com.br

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