segunda-feira, 21 de julho de 2014

Quem perderá as eleições? Por Renato Janine Ribeiro

Valor Econômico 21/07/2014


O importante não é só quem ganhará a eleição - mas quem a perderá. Ou PT ou PSDB, um deles viverá uma crise séria

No dia 27 de outubro, segunda-feira, acordaremos sabendo quem venceu as eleições presidenciais. (Ou já no dia 6, se não houver segundo turno). Hoje, todos querem saber quem vai ganhar. Mas é importante perguntar quem vai perder. Dos grandes partidos que disputaram a Presidência nos últimos 20 anos, pelo menos um ficará fora do governo federal - PSDB ou PT. Um, depois de 12 anos fora do poder, o outro, depois de 12 anos no poder. Que consequências isso trará?
Primeiro cenário: o PSDB perde sua quarta eleição consecutiva. Isso será duríssimo para ele. Ficará em dúvida se, um dia, reconquistará a Presidência da República. Terá falhado o nome novo, simpático, cordato que substituiu os postulantes paulistas. A questão não será se Aécio Neves, cheio de energia, concorrerá de novo em 2018; será se o partido ainda terá gás para disputar a hegemonia no Brasil. O problema não é pessoal. Não tem a ver com Aécio. A questão é partidária. Estará o PSDB apto a disputar, ainda, o poder?

Num artigo recente, sugeri que no Brasil não ocorre alternância no poder. Uma força política, quando derrotada, não volta à Presidência da República. (Falo dos períodos democráticos, 1945-64 e 1985 para cá). O PMDB de Sarney não voltou ao poder, nem o PRN de Collor, nem - ainda - o PSDB. Se os tucanos perderem mais uma eleição presidencial, talvez as forças que ele congrega tenham de assumir uma nova identidade. O partido que hoje é "a oposição" poderá se esvaziar.


PT ou PSDB: um deles conhecerá uma amarga derrota

O segundo cenário, a derrota do PT, terá consequências ainda mais dramáticas. Aliás, seguramente o Partido dos Trabalhadores perderá uma das próximas eleições - só não sabemos qual. Há um desgaste natural no poder. E até é bom um partido que nasceu com o DNA da oposição, da contestação (já o PSDB surgiu com o DNA da governabilidade, da responsabilidade), retemperar-se ouvindo o coro dos descontentes. Um dia o PT perderá a eleição presidencial - não sabemos, ainda, quando.

Mas, se o PT for para a oposição, poderá sofrer mais que os tucanos. Estes têm bases sólidas nos dois Estados mais populosos, São Paulo e Minas Gerais - e parece que vão conservá-las. Contam também com o apoio da mídia, o que os ajudou a retirar, dos petistas, a hegemonia que estes obtiveram ao longo dos anos que culminaram na eleição de Lula. No segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, órgãos de imprensa que hoje fazem ferrenha campanha contra o PT eram simpáticos a uma parte das ideias petistas. Criticavam o PT como ingênuo, idealista, irrealista - mas jamais o acusavam de ser realista demais ou corrupto. Não importa aqui quem tem razão; analiso a imagem que se tinha, a que hoje se tem. Um PT na oposição, sem apoio nos Estados ricos e com a antipatia da mídia, poderá ser mais fraco do que foi durante o governo tucano. Mais que isso, perderá não só seus aliados inconfiáveis de hoje, mas também todo um contingente de pessoas que aderiram ao PT no governo, porém não estariam dispostas à travessia no deserto de um PT devolvido à oposição.

Se para o PSDB perder a eleição pode ser muito ruim, para o PT pode ser ainda pior.
Com tudo isso, a eleição pode se decidir por poucos votos ou por uma circunstância imprevisível. Vejamos a final da Copa. Ela consagrou a Alemanha como a melhor seleção, paradigma para o mundo. Mas imaginemos que Messi emplacasse seu chute no segundo tempo. Ele perdeu o gol por poucos metros... Hoje estaríamos aplaudindo a espontaneidade sul-americana, não a organização germânica, no futebol. Foi por um fio. A eleição de 2014 também pode ser por pouco. Não falo, aqui, em números - só lembro que alguma surpresa, alguma coisa inesperada, pode fazer a diferença. Mas o resultado, uma vez obtido, é final. Quem perde, perde.

Deixei o PSB+Rede para o fim. Uma derrota, salvo se for esmagadora, pouco prejudica a parceria de Eduardo Campos com Marina Silva. Uma vitória - que é improvável, olhando de hoje - possivelmente consolidaria sua união. Pois a questão é se continuarão juntos ou tomarão rumos distintos. São diferentes demais, penso eu, para manterem um casamento que é de interesse, não de amor. Se não tiverem o cimento da vitória, poderão ir cada um numa direção. A Rede tem o futuro do idealismo. É hoje a única força política com algum relevo a dispor de uma identidade nítida, um forte apelo, um senso de futuro. O PSB, com Eduardo Campos, é um projeto de poder. Estão tentando, nestes meses, somar o fim ao meio, o idealismo da Rede ao realismo do PSB. Mas são demasiado água e azeite para se fundirem. De qualquer forma, são quem menos sofrerá com uma derrota.

A Rede tem mais a ganhar mantendo-se longe do poder, porque há de apurar seus projetos, construir seus quadros, preparar-se para ser uma alternativa de governo só na hora adequada - um pouco como fez o PT, no passado. O grupo de Marina, se chegar ao poder cedo demais, pode perder o que faz suas qualidades. Já o PSB, depende. Em todo caso, é mais que improvável que um dia o PT renove a oferta a Eduardo de ser seu candidato em 2018. Suas relações parecem rompidas. Já com Aécio presidente, será difícil Eduardo ficar na oposição. Para dizer, fazer o quê? Que diferença sensível ele marcará em face do PSDB? Agora, se Dilma ganhar, Eduardo poderá herdar votos tucanos para 2018. O que, afinal, indica que a situação não será ruim para os nossos dois "terceiros" candidatos, Eduardo e Marina, enquanto certamente será ruim para pelo menos um dos dois partidos hoje hegemônicos. Deles, o ou os que perderem terão que rever não só suas políticas e estratégias, mas sua própria identidade, talvez a própria existência.


Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo. 
E-mail: rjanine@usp.br


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