terça-feira, 29 de julho de 2014

Sem respostas - Bruna Sensêve

Na Austrália, especialistas debatem avanços, mas não arriscam um palpite sobre a possibilidade de cura da Aids


Bruna Sensêve
Estado de Minas: 29/07/2014



Tirar os vírus latentes dos esconderijos para matá-los foi uma das ideias discutidas no evento na Austrália (Mal Fairclough/AFP)
Tirar os vírus latentes dos esconderijos para matá-los foi uma das ideias discutidas no evento na Austrália

Debates intensos marcaram a 20ª Conferência Internacional Aids 2014, realizada na última semana, na Austrália. Estratégias para prevenir e enfrentar a doença foram ampliadas, iniciativas exemplares e bem-sucedidas, aplaudidas. No entanto, não houve resposta para a principal pergunta: quão perto ou longe estamos da cura do HIV? A mulher laureada com o Nobel de Medicina, em 2008, pela descoberta do vírus, Françoise Barré-Sinoussi, não poderia ser mais categórica ao afirmar, com pesar, que ainda é impossível saber. “Não podemos dar esse tipo de esperança. O que sabemos é que precisamos continuar em frente porque há muita evidência e muitos dados nos dizendo que podemos fazer progressos. Quantos anos precisamos para uma estratégia em particular, não sabemos.”

Barré-Sinoussi não quer cometer o mesmo erro de pesquisadores que, em 1984, garantiram que haveria uma vacina dentro de dois anos. “Já passaram-se mais de 30 anos disso e não temos vacina”, observou a cientista. A verdade é que o cenário, no momento, não é dos mais inspiradores. Na conferência, ao lado da virologista francesa, estavam reunidos os maiores nomes da pesquisa global em busca da cura da Aids. Quem despertou maior interesse foi a figura compenetrada de Deborah Persaud, do Hospital Infantil de John Hopkins, em Baltimore. Bombardeada de perguntas e olhares, a cientista não economizou palavras para tentar desvendar o que pode ter acontecido com o chamado “bebê de Mississippi”.

O que seria o segundo caso de cura da história do HIV — o primeiro foi o conhecido paciente de Berlim, que eliminou o vírus ao se tratar de leucemia com transplante de medula — acabou não se confirmando. Há um mês, o bebê, infectado pela mãe soropositiva durante o parto, voltou a apresentar carga viral detectável na corrente sanguínea. A criança recebeu a primeira dose de antirretroviral com menos de 30 horas do nascimento. O medicamento foi mantido até o ano  passado pela equipe de Persaud, quando a criança já estava com 18 meses. Mesmo depois de interrompido o tratamento, houve a surpreendente manutenção do vírus a taxas indetectáveis. Tudo indicava que, se o antirretroviral fosse dado de maneira muito precoce, não haveria tempo suficiente para o vírus atingir um reservatório — onde poderia se esconder permanentemente e de forma latente (veja infografia).

Essa continua a ser uma das principais linhas de pesquisa para a cura da doença. Mesmo com a volta do vírus ao sangue da criança, os cientistas consideram a longa remissão um fato extremamente curioso. “Aprendemos que essa infecção latente pode persistir por muitos anos, e em estado total de dormência. Acompanhamos essa criança por mais de dois anos e nada foi manifestado nos testes mais sensíveis”, observa Persaud. Ela se mantém otimista quanto à remissão pediátrica e acredita que os dados recolhidos servirão para novos ensaios clínicos.

Contestação Mas, apesar da positividade da infectologista, estudos indicam que dificilmente a estratégia de tratamento precoce será a melhor opção. Em artigo publicado na renomada revista científica Nature, durante a conferência, Dan Barouch, chefe da divisão de pesquisa em vacinas do Centro Médico Beth Israel Deaconess, da Universidade de Harvard, enterra a proposta buscada por Persaud.

Nesse novo estudo, a equipe científica iniciou a terapia antirretroviral em grupos de macacos no terceiro, no sétimo, no 10º e no 14º dias após a infecção pelo vírus da imunodeficiência símia (SIV), uma variação para primatas não humanos do HIV. Aqueles tratados no terceiro dia não mostraram nenhuma evidência de vírus no sangue e não geraram quaisquer respostas imunitárias específicas para a infecção. Porém, após seis meses de tratamento, todas as cobaias sofreram com o ressurgimento viral devido à interrupção da medicação. Ainda que o início terapêutico precoce tenha resultado em um atraso no tempo de retorno da carga viral, em comparação com um tratamento mais tardio, a incapacidade de erradicar o reservatório viral sugere que estratégias adicionais serão necessárias para curar a infecção por HIV.

Segundo Barouch, a pesquisa confirma uma notícia não muito boa: os reservatórios foram estabelecidos já nos primeiros dias em que o organismo teve contato com o patógeno, antes mesmo da infecção ser detectável no sangue. “Encontramos um paralelo marcante com o bebê de Mississippi, pois confirma que os reservatórios são estabelecidos muito mais cedo do que imaginávamos. A terapia antirretrovial precoce, mesmo muito precoce, não é rápida o suficiente para impedir o reservatório viral.”

Ele pondera que a terapia precoce sempre terá benefícios para a redução desses reservatórios, porém, será incapaz de erradicá-los. “As implicações são que estratégias adicionais podem ser necessárias para a erradicação, o que inclui o uso de anticorpos monoclonais, vacinas e ativadores de reservatório.”

Um chute no vírus

Se a estratégia do tratamento precoce passa a ter grandes empecilhos, outra iniciativa começa a prosperar. A ideia da equipe de Ole Schmeltz Sogaard, do Hospital da Universidade de Aarhus, na Dinamarca, é “acordar” o vírus para que possa ser combatido. O nome da técnica em inglês é kick and kill, e significa chutar e matar. A referência é simples: o chute no vírus é necessário para que ele deixe seu estado latente. Uma vez ativo, passa a ser tão vulnerável quanto o HIV espalhado no sangue. Os desafios consistem em descobrir como retirá-lo de seu esconderijo e, logo em seguida, como matar essas partículas virais específicas. Os avanços apresentados por Sogaard durante a conferência são muito significativos. Ele testou uma droga anticancerígena e foi bem-sucedido no “despertar” do HIV latente.

O medicamento foi usado em outras pesquisas feitas em células em cultura e retiradas de pacientes, com êxito. Sogaard anunciou que o mesmo resultado foi observados em seis pacientes. Eles estavam com a carga viral suprimida por nove anos e meio em média. Após a administração de três doses do medicamento, por um período de 14 dias, a equipe de pesquisadores constatou grandes quantidades de novas partículas virais na corrente sanguínea. Elas foram detectáveis com exames laboratoriais comuns de monitoramento da doença. Depois disso, Sogaard quis descobrir se a estratégia havia influenciado no tamanho dos reservatórios. Após uma análise preliminar, a equipe avaliou que não houve qualquer diminuição. “Isso nos diz que é possível ativar as células e induzir a liberação das partes virais no plasma do paciente, mas não é o suficiente para fazer diferença no tamanho do reservatório.”

O cientista dinamarquês considera que o próximo passo está justamente na busca pela combinação de novas estratégias, por exemplo, com imunoterapia. “Para melhorar a habilidade do sistema imune em aniquilar essas partes virais despejadas no sangue”, assinala. Mais detalhadamente, Sogaard explica que, para uma atividade de reativação ser bem sucedida, é preciso que algumas células imunes sejam capazes de reconhecer as partes expostas para exterminá-las. “Acho que essa é a principal barreira para reduzir o reservatório quando já temos um importante agente de reativação.” O principal investigador do Instituto da Florida para Terapia Genética e Vacina, Nicolas Chomont, acrescenta ainda a garantia de uma boa medida do tamanho desse reservatório. Ele lidera uma pesquisa que resultou no exame Tilda.

O teste recém-desenvolvido é uma promessa para a definição do tamanho dos reservatórios em pacientes soropositivos. “Desenvolver um novo acesso para medir o tamanho do reservatório é importante porque queremos encontrar formas de monitorar a eficácia de estratégias de erradicação”, justifica. Ele considera que os testes que tentam fazer o mesmo atualmente necessitam de uma quantidade exagerada de sangue e dependem de um custo elevado para serem produzidos. O Tilda precisa de apenas 10 miligramas de sangue, e dois dias para ficar pronto. “E, mais importante, pode ser implementado em quase qualquer laboratório do mundo porque precisa de instrumentos muito básicos para usar”, acrescenta. (BS)

Pesquisas prejudicadas

A cúpula mundial sobre a Aids, que ocorreu na Austrália na última semana, manteve um certo clima de luto, pela morte de mais de 100 participantes que viajavam para o encontro no avião da Malaysia Airlines, derrubado três dias antes da abertura dos trabalhos, na Ucrânia. O voo seguia de Amsterdã para Kuala Lumpur, onde muitos passageiros fariam escala para seguir para a Austrália, incluindo 108 pesquisadores, especialistas e militantes que participariam do evento. Entre os mortos na queda do Boeing 777, estava o pesquisador holandês e ex-presidente da International Aids Society (IAS) Joep lange, uma das maiores autoridades no planeta no combate ao vírus HIV. Os milhares de participantes da cúpula prestaram homenagens aos especialistas que morreram, em meio à promessa de vencer essa epidemia que matou duas vezes mais pessoas que a Primeira Guerra Mundial. 

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