Discos de vinil
deixaram de ser mania de colecionador para se tornar opção cada vez mais
presente no mercado. Consumidores e artistas festejam retorno das
bolachas
Mariana Peixoto
Estado de Minas: 24/08/2014O advogado Wagner Nardy com sua coleção de discos e equipamento com design vintage: nada de velharia |
Adeus ao simples ato de apertar um botão ou clicar no mouse. Bem-vindo a um modus operandi quase ritual, que demanda espaço, tempo e atenção. Vinte e cinco anos atrás, se alguém vislumbrasse um retorno ao vinil em meio ao avanço tecnológico que viu nascer o CD e depois o MP3, poderia ser chamado de conservador, para dizer o mínimo. Mas eis que em pleno 2014, em meio à explosão dos sites de streaming – Spotify, Deezer e congêneres –, alguns fatos vêm comprovar que o retorno do vinil não é mais restrito a grupos de audiófilos ou nostálgicos avessos à tecnologia. Ele está fazendo parte efetivamente do cotidiano de pessoas que consomem música atual, que amadureceram com o meio digital e que têm acesso a todas as facilidades que o universo 2.0 oferece.
Aos 30 anos, o gaúcho Leandro Miguel se tornou consumidor de vinil ainda na pré-adolescência. A razão era simples: como no final da década de 1990 a bolacha havia caído em desuso, com pouco dinheiro era possível para o então garoto comprar vários discos. Pouco mais tarde, Leandro acabou se rendendo ao CD e aos MP3. Até que redescobriu o universo do acetato por meio de um amigo colecionador. Voltou a escutar seus velhos vinis com um aparelho 3 em 1 usado do pai de um amigo. Uma viagem aos Estados Unidos acabou se tornando definitiva para o que se tornou um hobby a que ele se dedica com esmero. Do primeiro toca-discos novo, comprado em 2013, ele já adquiriu outro, com mais recursos. E vem pensando em nova aquisição. “Estou querendo ver se consigo um toca-discos profissional, que custe US$ 400 ou até mais. E olha que não me considero um audiófilo, tenho um amigo que já gastou R$ 10 mil para montar o aparelho dele.”
O gasto com aparelhagem acompanha o de discos. Para Leandro, as compras são mensais. Como, nas palavras dele, “o vício é recente”, sua coleção ainda é pequena, com 80 discos no máximo. Muita coisa da Motown (Marvin Gaye e Stevie Wonder), Novos Baianos, Jorge Ben e Bruce Springsteen. A redescoberta da bolachona fez com que ele diminuísse o consumo de música digital. Algo que o advogado de Belo Horizonte Wagner Nardy, também de 30 anos, nem chega a ouvir. Com uma formação musical que veio do vinil, do acervo dos pais e irmãs mais velhas, ele prefere nem se aproximar do MP3. Sua coleção é basicamente feita de vinis e CDs. E ao contrário do que diz o senso comum, Wagner está longe de ser um rato de sebo. Sua coleção recente, montada nos últimos três anos, é quase que apenas de discos novos. Entre os títulos, clássicos oitentistas (New Order), dos 1960 e 1970 (Rolling Stones, Beatles, Simon & Garfunkel) e artistas novos, que já começaram suas carreiras na música digital (Amy Winehouse, Adele e Arcade Fire).
Prova do interesse crescente da produção atual vem do guitarrista Jack White. Seu segundo álbum solo, Lazaretto, tornou-se o disco de vinil mais vendido desde 1994 (época em que foi lançado Vitalogy, do Pearl Jam). Lançado em 10 de junho, o álbum vendeu nos EUA, em sua semana de estreia, 40 mil cópias – já totalizou 60 mil vendidos. Outros nomes que figuram na lista dos top 10 dos vinis são o duo francês Daft Punk e os ingleses do Arctic Monkeys. “O ritual da música é importante. Gosto de ouvir o lado A inteiro, depois o B. O vinil não tem a comodidade do MP3, em que você avança já para a faixa que quer, você tem que estar disposto a ouvir. E além do mais, no vinil o som do grave faz a diferença. Acho um prazer mais sincero”, acrescenta Wagner, que adquiriu há alguns anos um aparelho da marca norte-americana Crosley, especializada em toca-discos, rádios e aparelhos de som com design vintage.
De verdade A procura crescente pelo vinil vem acarretando mudanças em toda a cadeia que cerca uma bolacha. Artistas que nunca tinham tido um registro no formato resolveram investir. Formada há 10 anos, a banda paulistana Ludov tinha três álbuns e quatro EPs até o lançamento de Miragem. Lançado em junho, o trabalho só existe nas versões em vinil e MP3. Foram prensadas 300 cópias em vinil – só restam 50 da primeira tiragem, tanto que a banda já pensa numa segunda. Os custos foram arcados pelos próprios fãs do Ludov por meio do sistema de crowdfunding, a chamada vaquinha virtual. O grupo conseguiu R$ 12 mil para bancar a prensagem, realizada pela Polysom, única fábrica de vinil em atividade na América Latina.
“Foi a oportunidade de realizar um sonho de infância de ter um disco nosso de verdade. E mudou tudo, pois antes mesmo de gravar a gente ensaiava pensando qual música seria boa para começar um lado B, qual tinha cara de terminar o lado A. Quando se lança um disco em MP3, você também perde o conceito de capa, a ordem das músicas. Tudo fica randômico”, comenta o guitarrista Habacuque Lima. Orgulhoso da bolacha, ele ainda chama a atenção para a capa dupla, que leva a assinatura do quadrinista Gabriel Bá. No Brasil, a reabertura da fábrica Polysom, em 2010, serviu como um estímulo e tanto para gravadoras e artistas independentes. Ainda que seu campeão de vendas seja um álbum clássico – A tábua de esmeralda (1974), de Jorge Ben –, atualmente, boa parte dos artistas nacionais faz uma edição em vinil.
Selo mineiro aposta na onda
Selo criado pelo mineiro Luiz Valente, que se divide entre BH e Londres, a Vinyl Land já lançou, neste período, 30 títulos (entre compactos e LPs) de artistas nacionais. Até então todos eram prensados em fábricas na Europa, por causa do preço reduzido. Pela Polysom, lançou até então somente a coletânea Collector’s choice, com 21 artistas de BH, realizada com recursos de incentivos fiscais. Agora, Valente está lançando o primeiro vinil produzido pela Polysom de um só artista, o álbum Sobre noites e dias, de Lucas Santtana, que deve ficar pronto em outubro. Valente está bancando metade da produção – a outra parte cabe ao artista. O investimento da dupla é de R$ 13 mil para uma tiragem de 500 cópias. “A grande dificuldade de um selo é fazer a venda direta para os fãs. Normalmente, a compra é realizada nos shows, então fechei a parceria com o Lucas, que vai vender nas apresentações tanto a cota dele quanto a nossa.”
Como seus vinis eram prensados no exterior, a venda era feita por um site internacional – ou então de lojas que compravam do site. Agora, com a produção via Polysom, a Vinyl Land vai poder realizar a venda no Brasil. “E o mercado nacional está aquecendo muito. Além das várias prensagens que a Polysom está fazendo, com o dólar e a libra muito caros, está mais difícil fazer compra internacional na internet. Além do mais, está havendo o ressurgimento das lojas (físicas)”, acrescenta Valente.
Equipamento No mercado , também quem não está reclamando são as que vendem equipamento – vale lembrar que não existe fábrica alguma de toca-discos no país. Desde 1986 na Savassi, a Som Alternativo, especializada em todo o tipo de aparelho para áudio e vídeo, tem como campeão de vendas equipamento de vinil, conforme atesta o proprietário Moacir de Souza Rocha. “Para aquele que não tem nada e quer curtir um vinil, ele tem que comprar um receiver, um par de caixas acústicas e um toca-discos. Um usado (básico) sai, em média, por R$ 1,4 mil. ”À medida que a paixão toma conta – e o bolso permite –, um upgrade é sempre necessário. “É colocar um equalizador, uma caixa melhor e por aí vai”, acrescenta. Quanto ao investimento, o céu é quase o limite. Moacir garante: há quem pague até R$ 100 mil para montar o equipamento de som dos sonhos.
Números
135 mil
discos foram produzidos pela Polysom desde 2010
63%
foi aumento registrado na produção em 2013
300 unidades
é a tiragem mínima de um vinil
60 mil
vinis de Lazaretto, de Jack White, vendidos este ano
R$ 10 mil
é o custo médio de uma tiragem de 500 discos
Foi bom enquanto durou
Anderson Noise, o mais conhecido DJ de
Minas Gerais, aposentou de vez os álbuns de vinil. Discoteca Pública tem
15 mil títulos de música brasileira disponíveis para os interessados
Mariana Peixoto
Anderson Noise em seu apartamento na Savassi: as picapes e os vinis agora são objeto de decoração |
“Vinil virou decoração.” A frase ganha um efeito maior porque vem de um produtor e DJ que fez carreira com a colaboração indispensável do bolachão. Mais importante DJ de Minas e um dos maiores do Brasil, Anderson Noise tem 26 anos atrás de uma picape. Pois desde 2006, ele afirma, não compra nenhum disco de vinil. Suas discotecagens desde aquela época também são realizadas com CD. “O vinil não me satisfaz mais. A logística é complicada, pois você tem que levar uma case grande. E chega em clubes e festas que só têm Technics (marca de picapes mais usadas por DJs profissionais) caindo aos pedaços. Ou seja, não dá para fazer uma performance legal.”
Os vinis, todos de música eletrônica, que reuniu ao longo de 18 anos estão em estantes que ocupam duas paredes de seu apartamento. Ele guarda ainda caixas e mais caixas em Londres. Um dos destaques da sala são dois toca-discos Technics produzidos em edição limitada e banhados a ouro. “Já me ofereceram até R$ 15 mil pelo par”, conta Noise. Por ora, ele nem pensa em vender. As viagens constantes que ele faz ao redor do mundo já lhe custaram bons exemplares de vinis. Uma companhia aérea espanhola perdeu uma case de que ele nunca mais teve notícias. “Já fiz apresentações malucas, tocando sexta em Madri e sábado em Campo Grande. Não é normal virar a noite, entrar num avião e descer em outro país. Sofri demais com a bagagem”, admite.
E não somente isso. Para Noise, a performance de um DJ não muda em nada ao utilizar um CD. “Faço scratch ainda melhor com os equipamentos que existem hoje. O vinil te deixa limitado. Já o CD permite milhões de possibilidades a mais, você pode usar muitos efeitos diferentes.” Seu próprio selo, a Noise Music, também parou de produzir vinis – dos 63 lançamentos, ele só fez edições no bolachão até o número 23. E para quem pretende investir no equipamento, Noise dá a dica: “Um leigo deveria comprar um toca-discos que tem saída para USB, que é mais interessante. Você pega o vinil e pode colocar a música no seu computador. Ou seja, o equipamento, além de tocar, também grava música.”
Consulta e audição Neófitos no vinil têm um endereço obrigatório para iniciar sua pesquisa em novos e velhos sons. Projeto criado por Edu Pampani há nove anos, a Discoteca Pública traz um acervo de 15 mil títulos de música brasileira, material disponível para consulta, gravação e audição. Há dois meses ocupando uma loja no Mercado do Cruzeiro, a Discoteca Pública também tem uma loja (com vinis e CDs, novos e usados). E duas vezes por mês ainda promove uma feira de vinis – no segundo sábado de cada mês na Galeria Inconfidentes, na Savassi e no terceiro sábado no Mercado do Cruzeiro – onde também se encontram toca-discos.
“De 2010 para cá, deu para perceber que a procura por vinis chegou a pessoas mais jovens. E não é por saudosismo, mas geralmente são pessoas que herdam discos dos pais e avós e com o tempo começaram a pegar o gosto pelo vinil”, diz Pampani. Por dia, circulam em média 70 pessoas no espaço do mercado. “Filhos, sobrinhos e netos de compositores que já morreram estão começando a resgatar a memória do artista. Geralmente, são nomes que gravaram um só compacto, então, como a família não guardou nada, eles vêm aqui para escutar e gravar. Não fico só atrás dos medalhões”, diz Pampani. Na internet, ele ainda oferece o mapa da mina. No endereço discotecapublica.blogspot.com.br, encontra-se uma seleção de sebos, lojas de discos e de equipamentos de BH, dicas de como cuidar dos discos e o acervo de títulos que compõem o projeto.
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